‘Caixa 2 é um atentado à Constituição. Uma desfaçatez’

Carlos Ayres Britto

Eduardo Bresciani

1403/2017

 

 

Ao GLOBO, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral avalia que caixa 2 é “juridicamente delituoso”

Parlamentares querem diferenciar doações de campanha de dinheiro de corrupção; Temer se reunirá amanhã com deputados, senadores e o presidente do TSE para debater regras das eleições de 2018

Em almoço na casa do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, com a presença de parlamentares, ministros e do presidente do TSE, Gilmar Mendes, voltou a ser defendida a aprovação no Congresso de projeto de anistia ao caixa 2. Às vésperas da divulgação da lista de Janot, o presidente Temer se reunirá com líderes do Congresso e Gilmar, amanhã, para debater a reforma política. Qual a posição do senhor sobre esse debate recente em relação ao caixa 2?

A interpretação dos institutos jurídicos, com o caixa 2 no meio, tem de se fazer na perspectiva do fortalecimento do princípio republicano e não do seu enfraquecimento. Se o princípio republicano não se estender à Lei Eleitoral e à Lei Penal, não é República, mas um simulacro, uma República incipiente, ainda adolescente. Daí a fundamentalidade histórica do mensalão, porque esse princípio alcançou finalmente a Lei Penal e agora está alcançando a Lei Eleitoral.

 

É possível relativizar o caixa 2?

Tenho uma opinião nada complacente com o caixa 2 desde o meu tempo de presidente do TSE. Primeiro, a Legislação Eleitoral considera o caixa 2 como falsidade ideológica, e, segundo, quando o caixa 2 provém de dinheiro de alguma forma subtraída do Erário, direta ou indiretamente, é, no mínimo, um peculato. É um tema que não tem de minha parte nenhuma condescendência porque ele desequilibra o jogo eleitoral e implica parceria espúria do poder econômico e do poder político. Não tenho quanto ao caixa 2 opinião que não seja para incriminá-lo. Sei que estamos atravessando uma fase em que algumas pessoas importantes, inclusive autoridades, veem o caixa 2 por um prisma mais relativizado quanto à sua natureza, o que por nenhum modo, a meu sentir, é justificado. Claro que se pode dizer que sempre foi assim, que é tradicional. Eu não aceito isso. O poder econômico não tem como participar do processo eleitoral. E, em matéria de caixa 2, é um atentado à Constituição e ao Código Eleitoral. É uma desfaçatez, que não se relativiza e não se depura pela invocação da tradicionalidade do uso.

 

Há quem justifique dizendo que “todo mundo faz”...

Não se justifica isso, porque você nivela todos pelo comportamento eticamente espúrio e juridicamente delituoso, em última análise. No jargão eleitoral, a gente fala de um princípio de paridade de armas e o caixa 2 desequilibra tudo. A gente sabe que o poder econômico não investe seu capital na candidatura de fulano, beltrano ou sicrano se não na perspectiva do retorno, e esse retorno sempre se faz às custas do patrimônio publico, do erário, vilipendiando licitações, superfaturando preços e adulterando contratos. Não tenho como condescender.

 

Dá para separar o que é caixa 2 do que é corrupção?

Para fazer essa distinção entre o que é corrupção e o que é caixa 2 é preciso uma ginástica mental muito grande. Eu não faria distinção não. Eu diria que o caixa 2 é um recurso eticamente censurável e juridicamente ilícito. No mínimo cai naquela legislação que considera falsidade ideológica, quando não peculato, corrupção, prevaricação e outras figuras penais clássicas e típicas.

 

De que forma o senhor enxerga o debate sobre anistia ao caixa 2?

A Constituição não concebeu o instituto da anistia em matéria eleitoral, para começar. Não existe a figura da autoanistia. O instituto da anistia não foi concebido com o intuito de autoperdão. O Estado não pode perdoar a si mesmo, é inconcebível, um disparate, um contrassenso, uma teratologia. É a negação do estado de direito. Não existe.