Valor econômico, v. 17, n. 4209, 08/03/2017. Política, p. A10

PEC da Previdência enfrenta teste das ruas

 

Camilla Veras Mota

 

Após dois meses de manifestações esparsas, movimentos sociais iniciaram nesta semana uma agenda conjunta de protestos contra a reforma da Previdência. Ontem, metalúrgicos do ABC fizeram uma paralisação contra a proposta. Hoje, acontecerá nas principais cidades do país, em doze Estados, uma marcha de mulheres contra a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 287, organizada pela Frente Brasil Popular, com mais de 50 entidades, entre elas a CUT. No dia 15, as centrais convocaram um dia nacional de paralisação.

O ato é considerado por especialistas como um momento decisivo de demonstração de força desses movimentos e uma medida da capacidade que terão de pressionar por uma flexibilização da reforma nos próximos dois meses. Colocar os brasileiros na rua, contudo, não será fácil, ainda que a proposta enviada ao Congresso em dezembro implique perdas para todas as classes sociais. Os obstáculos vão do desemprego ainda elevado, que direciona o foco dos que são vítimas da crise para os problemas de curto prazo, à divisão que o sindicalismo experimenta desde o impeachment de Dilma Rousseff.

"Aquela relativa, mas existente unidade que existia no período Lula se perdeu e comprometeu a possível organização [das centrais] em torno do que as unifica: a reforma da Previdência", afirma Ruy Braga, sociólogo do trabalho e professor da Universidade de São Paulo. CUT e CTB não reconhecem como legítimo o governo de Michel Temer e recusaram-se a participar de reuniões convocadas para discutir a reforma.

Já a UGT e Força Sindical, apesar de contrárias aos principais pontos da proposta, defendem diálogo com o Executivo. A Força é presidida pelo deputado Paulo Pereira da Silva (SD-SP), cujo partido compõe a base do governo.

Mesmo CUT e CTB, diz o sociólogo, são "mais radicais na retórica do que na prática", característica que reduz a potência dos protestos. "Elas defendem uma saída eleitoral para a crise, a candidatura de Lula em 2018. Essa posição poderia ficar comprometida se a ação fosse mais radical", pondera.

A CUT retomou o tema da greve geral em setembro de 2016, durante a tramitação da PEC que estabelecia um teto para o aumento de gastos públicos. Até o momento não houve paralisação total, mas, segundo sua assessoria de imprensa, os novos atos e mobilizações são passos necessários para que ela seja construída.

Ricardo Patah, presidente da UGT, considera a expressão greve geral "muito forte" e defende que as visitas que a central vem fazendo a parlamentares não significam submissão ao governo.

O presidente da Força tem agido dentro do Legislativo. Membro da comissão especial que avalia a proposta na Câmara, Paulinho protocolou com deputados de outros sete partidos emenda que reduz a idade mínima dos 65 anos propostos a 60, para homens, e 58, para mulheres. O documento também reduz o tempo de "pedágio" que deveria ser cumprido por aqueles se encaixam nas regras de transição de 50% para 30% e diminui de 49 anos para 40 anos o período mínimo de contribuição que dá direito ao benefício integral.

As divergências entre as entidades são maiores na forma do que no conteúdo. O conjunto das centrais se opõe frontalmente a uma idade mínima de 65 anos, à equiparação das regras de elegibilidade para homens e mulheres e argumenta que o principal problema do INSS não é o aumento expressivo das despesas, mas as desonerações e desvinculações que reduzem suas receitas.

Para o consultor sindical João Guilherme Vargas Netto, só depois dos atos do dia 15 será possível avaliar se os movimentos populares serão um contraponto relevante à proposta do governo ou se serão atropelados pelas votações no Congresso. O primeiro passo para evitar que isso acontecesse, ele diz, foi unificar o discurso das centrais. Inicialmente, o protesto foi convocado pela CUT, mas recebeu adesão das demais entidades.

Braga, da USP, avalia como remota a possibilidade de que o Brasil experimente algo parecido com o que a França viveu em 2010, quando milhares saíram às ruas para protestar contra mudanças no sistema de previdência. Além da radicalização retórica das maiores centrais, as entidades de extrema esquerda, como Intersindical e CSP-Conlutas têm capacidade limitada de mobilização. "Hoje não existe força nacional capaz de quebrar a inércia sindical". A oposição mais dura deve vir de movimentos urbanos como o MTST. E há a possibilidade, por ora remota, de que a "indignação difusa da população" vire combustível para atos espontâneos, à semelhança de 2013.

Para o cientista político Christopher Garman, diretor para a América Latina do Eurasia Group, os protestos podem gerar refluxos no processo de aprovação da reforma, mas, para os deputados e senadores, pesará mais o discurso do custo econômico de não aprovar a reforma. "Os parlamentares estão preocupados o ônus político de votar uma reforma impopular, mas também com a possibilidade de minar a recuperação e deixar os eleitores ainda mais raivosos", diz.

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Temer pede celeridade para aprovação da reforma no Congresso

 
Bruno Peres
Marcelo Ribeiro
 
O presidente Michel Temer afirmou ontem, durante reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, que é preciso dar celeridade ao processo de aprovação da reforma da Previdência no Congresso. "É preciso mudar, é urgente que se mude. Isso tudo é para preservar os mais pobres", disse Temer, que também destacou que as reclamações contra a reforma são dos que têm maior renda, já que a maioria mais pobre terá aposentadoria integral por ganhar o salário mínimo.

Aos integrantes do Conselhão, o presidente pediu ajuda para a incorporação da sociedade às discussões da agenda reformista. Temer destacou a necessidade de se aprovar a reforma da Previdência para estabelecer a recuperação da economia do país.

Em sua fala, Temer disse que o governo não pode ficar inerte às dificuldades enfrentadas pela economia e afirmou que a aprovação das medidas é fundamental para a retomada econômica. "A inércia é que produziu a recessão, da qual já estamos saindo. Responsabilidade fiscal e social andam juntas".

O presidente afirmou que a equipe econômica teve o cuidado de se propor um Orçamento que considerou os princípios da PEC do Teto de gastos públicos, aprovada no final do ano passado no Congresso. Temer destacou que, diferentemente do que a oposição afirmava, o governo investirá R$ 10 bilhões a mais em educação e saúde.

O pemedebista fez um esforço para tentar descolar o resultado negativo da economia brasileira registrado em 2016 das propostas em debate no Congresso. "Já demos passos importantes, e os resultados começam a aparecer. Vocês veem que na economia as coisas começam a respirar", disse.

Ao dar posse aos novos ministros das Relações Exteriores, Aloysio Nunes Ferreira Filho, e da Justiça e Segurança Pública, Osmar Serraglio, Temer exaltou a presença em peso de parlamentares à solenidade e disse "com muito prazer" governar em uma espécie de semiparlamentarismo. Ao enumerar as atividades do governo e mencionar as ações do Ministério da Justiça, Temer dirigiu-se a Serraglio e alertou para o "trabalho pesadíssimo" que o espera.

Mais cedo, durante reunião do Conselhão, e também no fim da tarde, Temer voltou a falar da expectativa do governo pelo ajuste das contas e melhora no ambiente econômico. "Estamos deixando a recessão profunda para trás e entrando numa fase de prosperidade", disse Temer durante abertura da reunião do conselho do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI). "Nessa nova fase, a participação da iniciativa privada será decisiva", acrescentou.

O reforço do discurso de normalidade da atividade governamental e perspectiva de estabilidade da economia ocorre em meio à expectativa de novo pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR) para que o Supremo Tribunal Federal (STF) investigue políticos no âmbito da Operação Lava-Jato, inclusive auxiliares diretos e aliados próximos de Temer.

Coube a Serraglio externar a posição do governo em relação à condução das investigações por Polícia Federal e Ministério Público. O ministro disse desconhecer o conteúdo da chamada nova "lista do Janot" - relação de políticos que podem ser investigados.

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Relator afirma em debate com sindicalistas que não tem ideias fixas

 
Raphael Di Cunto
Edna Simão
 

O relator da Reforma da Previdência na Câmara, o deputado Arthur Maia (PPS-BA), pretende criar penalidades para empresas e prefeituras que derem calote em direitos trabalhistas e previdenciários. No caso dos empresários, a ideia é que possam perder seu patrimônio para quitar a dívida. Já os prefeitos poderão ser processados por crime de responsabilidade.

Em debate na Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB) ontem, Maia disse tem ouvido as críticas em relação a reforma proposta pelo governo e debatido mudanças, como a possibilidade de criar um adicional para as profissões de risco, a regra de transição e benefícios para mulheres com filhos, mas que não tomou nenhuma decisão por enquanto.. "Aprendi e tenho defendido sempre que, quanto menos ideias fixas o relator tiver, mais chance de chegarmos a uma linha média dos pensamentos dos deputados", afirmou.

Sinalizou, porém, que alterará a regra de transição, embora não tenha revelado o formato. Pela proposta do governo, homens com menos de 50 anos e mulheres com menos de 45 serão totalmente atingidos pela idade mínima de 65 anos. "É muito difícil manter esse ponto. Temos que ver as formas de fazer melhor esse escalonamento", disse.

O relator criticou prefeitos e governadores que recolhem menos tributos previdenciários propositalmente e afirmou que pretende apresentar em seu parecer a possibilidade de processar esses gestores por crime de responsabilidade. "Vão ser punidos de forma dura para que não façam mais isso", disse. Atualmente, afirmou o relator, a dívida fica para as gestões futuras da prefeitura e o prefeito sai ileso. "Se vai resolver o problema eu não sei, mas o prefeito vai pensar duas, três vezes antes de fazer isso."

Segundo dados da Procuradoria Nacional da Fazenda Nacional (PGFN), atualmente o estoque da dívida previdenciária, incluindo débitos parcelados, é de R$ 432,9 bilhões. Desse total, R$ 402 bilhões são devidos por pessoas jurídicas; R$ 1 bilhão por pessoas físicas e R$ 29 bilhões ainda não estão classificados.

Maia afirmou que aguardará o prazo de apresentação de emendas à PEC, que acaba na próxima semana, para avaliar com o governo o "preço" de cada mudança. "Não adianta o relator ter vontade de fazer algo porque a vontade está submetida à realidade orçamentária", disse.

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Ruralistas divergem do Planalto sobre idade mínima

 
Cristiano Zaia
 
 
Para estancar resistências do setor rural à Reforma da Previdência, o deputado governista Nilson Leitão (PSDB-MT), novo líder da bancada ruralista do Congresso, montou uma estratégia de mobilização para intensificar o debate junto às bases dos deputados nos Estados e buscar a unificação dos ruralistas em torno da polêmica proposta.

A bancada, com 220 deputados, é aliada do governo Michel Temer, mas diverge do Planalto ao propor idade mínima de aposentadoria e contribuição previdenciária menores a trabalhadores rurais. E vem se posicionando contra o fim da isenção de contribuição dada a agroexportadores, como quer Temer.

Dezenas de deputados da bancada ruralista já defendem abertamente regras específicas para a previdência rural que desconfiguram completamente o esqueleto central da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287, encaminhada pelo Executivo ao Congresso e que tramita na comissão especial criada para debater a reforma.

"Sei que a discussão vai ser dura, até porque não podemos tratar igualmente trabalhadores rurais e urbanos, por isso vamos consultar nossas bases sobre todas as medidas polêmicas e queremos o debate, mas ele não pode ser eterno e virar 2017", afirma Leitão.

O deputado Zé Silva (SD-MG), da base de Temer, por exemplo, sugeriu uma emenda à PEC prevendo idade mínima de aposentadoria de 55 anos para mulheres e 60 para homens que trabalham no campo. E o deputado Heitor Schuch (PSB-RS) propôs emenda à proposta para fixar em 15 anos o tempo de contribuição para trabalhadores rurais, ao contrário dos 25 pretendidos pelo governo.

Um dos pontos que mais causa reação contrária entre os ruralistas é o que prevê cobrança de contribuição previdenciária de produtores e empresas que exportam sua produção - hoje são isentos da cobrança. O coordenador da Comissão nacional de Relações do Trabalho e Previdência Social da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, Cristiano Zaranza, argumenta que nem todos os tipos de trabalhadores rurais causam rombo à Previdência. E propõe que, antes de cobrar contribuição previdenciária de trabalhadores rurais, o governo combata fraudes.

"É muito difícil controlar voto de uma bancada de 220 deputados, mas se chegarmos próximo disso, certamente o Planalto vai comemorar muito", destacou ele, dizendo que hoje em média 115 deputados ruralistas votam com o governo em projetos polêmicos no Congresso.

Em outra frente, o próprio presidente Michel Temer, tem feito vários afagos aos ruralistas e ao setor do agronegócio mirando o apoio para a votação de projetos prioritários para o governo no Legislativo, como as reformas previdenciária e trabalhista. Desde o fim de janeiro, ele já anunciou R$ 12 bilhões em crédito rural de pré-custeio do Banco do Brasil para a safra 2017/18 em Ribeirão Preto, compareceu ao evento de posse de Leitão como presidente da FPA em Brasília, e participou do lançamento do programa Agro + SP na capital paulista, ao lado de Maggi.