Governo trabalha com cenário de ter que adiar votação de reforma

Raymundo Costa, Edna Simão e Raphael Di Cunto

15/03/2017

 

 

O Palácio do Planalto piscou: em vez de abril, prazo inicialmente previsto para votar a reforma da Previdência na Câmara dos Deputados, o governo do presidente Michel Temer agora trabalha com uma data próxima ao dia 9 de maio, segundo apurou o Valor junto a fontes com acesso às negociações. Os ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Secretaria Geral da Presidência), no entanto, negaram e disseram que a programação do governo permanece a mesma - abril e julho.

Segundo fontes ouvidas pelo Valor, os ministros falam a verdade quando dizem que o governo trabalha com os prazos previstos, até porque julgam ter ainda cartas na manga para tentar reverter um cenário conhecido: cálculos feitos também no Planalto mostram que além das resistências políticas, já é impossível se cumprirem prazos regimentais previstos com as audiências públicas programadas e os interstícios exigidos pelo regimento. Isso sem falar de eventuais acidentes de percurso.

Por esses cálculos, a diferença seria de mais ou menos um mês na Câmara dos Deputados, com a votação ocorrendo em maio em vez de abril. Mas quem entende dos ritos do Legislativo, inclusive no governo, diz que é o suficiente para jogar a votação no Senado para o segundo semestre. O Planalto pretendia esgotar o assunto até julho, quando se encerra o semestre legislativo, no máximo.

Independentemente do discurso, o objetivo real, mas não declarado, do Planalto agora é votar a reforma antes de outubro, quando as eleições de 2018 e a sucessão presidencial entram de vez na agenda dos políticos, deixando em segundo plano os demais assuntos. Inclusive reformas como a da Previdência.

As resistências à proposta do governo cresceram nos últimos dias, no Congresso, redes sociais e até peças publicitárias em meios mais tradicionais como o rádio e a televisão. A campanha segundo a qual não existe o déficit da Previdência, por exemplo, "pegou" muito mais que o esperado, na classe média e nas camadas populares, e o governo desencadeou uma ofensiva para combatê-la.

A campanha exigiu a intervenção do próprio ministro Henrique Meirelles (Fazenda). "Existe argumento muito difundido, de que todas as receitas vinculadas à seguridade social, menos as despesas, dá um superávit", disse. "Esse argumento não procede, não é correto."

Para tentar vencer o que o governo chama de "guerra de comunicação", o Ministério do Planejamento divulgou ontem que a seguridade social registrou um déficit de R$ 258,7 bilhões (4,1% do Produto Interno Bruto), um aumento de 55,4% em relação ao apurado em 2015 (R$ 166,5 bilhões ou 2,8% do PIB). O objetivo é rebater o argumento de entidades como Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Anfip) de que a seguridade social é superavitária.

Segundo o assessor especial Arnaldo Lima, esse cálculos são feitos com uma "metodologia criativa" que infla as receitas, incorporando dados de renúncia fiscal e Desvinculação das Receitas da União (DRU) e, por outro lado, diminui as despesas retirando gastos de pessoal, área social e inativos. "Estamos no meio de uma guerra de comunicação. Algumas mentiras acabam prevalecendo", afirmou. "Não mandamos uma reforma dura. É a reforma necessária".

Mesmo se fossem incorporado os recursos referentes à DRU nas receitas da seguridade social, o Ministério do Planejamento calcula que a conta seria negativa em R$ 166,9 bilhões em 2016 (2,7% do PIB). Em 2015, o rombo seria de R$ 105,9 bilhões (1,8% do PIB). O secretário de Orçamento Federal do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, George Soares, explicou que o déficit da seguridade social, que inclui gastos com assistência social, previdência social e saúde, registrou forte expansão nos últimos anos, principalmente de 2015 para 2016, devido à recessão que afeta diretamente as receitas e o crescimento constante das despesas. "Com a recessão que tivemos é razoável que a receita caia", disse.

Os técnicos do governo destacaram que atualmente os gastos com Previdência (Regime Geral de Previdência Social, Regime Próprio de Previdência Social e Benefício de Prestação Continuada, o BPC) representam 56% da despesa primária da União. Se nada for feito, esse percentual chegará a 82% em 10 anos. Com a reforma, o gasto com Previdência continua subindo, mas atingirá 66% em 2026. A avaliação é que sem uma reforma haverá cada vez menos recursos para financiar outras áreas da seguridade social.

Soares destacou que toda a proposta do governo de limitar o crescimento do gasto público e a reforma da Previdência Social melhoram a expectativa da economia no curto prazo, mas seu efeito de estabilizar as despesas aparece apenas no médio prazo. Na avaliação dele, não está sendo feito uma reforma "dura" e "draconiana" como ocorreu, por exemplo, na Grécia.

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4214, 15/03/2017. Política, p. A6.