Valor econômico, v. 17, n. 4221, 24/03/2017. Brasil, p. A4
Governo teme perder arrecadação na Previdência
Estratégia é aproveitar projeto que tramita no Senado para fechar brechas de texto aprovado na Câmara
Por: Fabio Graner e Ribamar Oliveira
O governo não tem uma estimativa de impacto do projeto de terceirização nas contas públicas, mas teme que a proposta aprovada tenha efeitos negativos na arrecadação federal, em especial na receita previdenciária. Por conta disso, a equipe econômica já estuda caminhos para diminuir os riscos e quer utilizar o projeto de terceirização que está no Senado para fechar as brechas e ajustar a legislação em torno do tema. Se não der certo, pode enviar um novo projeto de lei ou até medida provisória para tratar do tema.
Fontes do governo ponderam que a regulamentação aprovada pode ajudar a dar mais dinamismo para a economia e ao mercado de trabalho, gerando empregos. Mas também reforçam a necessidade de fechar a porta que, avaliam, foi aberta para a chamada "pejotização", que é o processo de transformação de pessoas físicas em jurídicas. O governo quer também preencher lacunas, como a falta de recolhimento antecipado de tributos pela empresa contratada como terceirizada, que consta do projeto do Senado e é vista como uma segurança fiscal. Se as negociações não avançarem, há risco de veto ao projeto, embora essa opção seja a menos desejada.
A avaliação de mais de um técnico do governo é que a proposta aprovada abre a porta para a transformação de um número grande de trabalhadores com carteira assinada em Microeempreendedor Individual (MEI), que só paga 5% do salário mínimo de contribuição previdenciária, menos da metade do que se arrecada com um trabalhador registrado. Não se sabe, contudo, em que velocidade isso pode acontecer.
Uma das ideias é colocar no projeto do Senado alguma vedação ou limitações para a contratação terceirizada de empresas caracterizadas como MEI. O governo vai patrocinar também a regra de recolhimento antecipado de tributos pelas empresas terceirizadas contratadas, o que já está previsto no projeto do senador Paulo Paim (PT-RS). A visão é que isso inibiria o processo de precarização, por implicar aumento de custo para as terceirizadas, dificultando para aquelas empresas de menor porte (como as individuais ou algumas optantes do Simples). Outro ponto que o governo estuda é a elevação de alíquota de previdência das empresas individuais.
Também está em estudo a contratação de seguro para licitações, de forma a garantir que governos, autarquias, fundações e empresas públicas não fiquem com o ônus também em caso de calote da terceirizada nos trabalhadores.
Outra possibilidade é a criação de um fundo no qual parte do valor do contrato fique retido, mas essa discussão é mais remota, porque não considera, segundo interlocutores, as diferenças entre os vários tipos de terceirizadas. Esse instrumento só teria sentido em serviços de mão de obra intensiva.
Segundo uma fonte da área econômica, apesar do impacto negativo que o projeto aprovado ontem pode ter na Previdência, o governo achou por bem apoiar a votação como estratégia para empurrar a tramitação da matéria no Senado, fazendo naquele texto as correções necessárias para inibir os impactos negativos nas contas públicas. Se a estratégia não der certo no Senado, o caminho alternativo que já está sendo considerado é fazer essas correções em um projeto ou medida provisória do Executivo.
O risco de uma excessiva migração de trabalhadores com carteira para o sistema de empresa individual há tempos preocupa integrantes do governo, por causa de seu impacto na deficitária Previdência Social. Outro risco é a excessiva fragmentação das empresas, que também impactaria a arrecadação federal. "Na melhor das hipóteses, recebemos os 15% sobre o lucro presumido", comentou uma fonte do alto escalão do governo.
Uma preocupação adicional que surge no horizonte está relacionada à discussão da reforma do PIS/Cofins. Como no novo modelo em estudo a terceirização gera crédito tributário para o contratante, o governo acaba tendo outro flanco de perda de receitas tributárias.
A questão da transformação de trabalhadores em empresas já incomodava o governo na época do ex-ministro Joaquim Levy, quando foi discutida com as lideranças políticas do Congresso. O ex-secretário de Políticas de Previdência Leonardo Rolim chegou a elaborar alternativas, que apresentou a Levy, para mitigar o impacto desse processo. Mas, na época, o projeto não avançou.
Dentro das mudanças que o governo prepara na terceirização, o governo também aceita discutir um afago para os sindicalistas, adotando dispositivo do 4330 para que os trabalhadores sejam representados pelo sindicato da categoria preponderante (ou seja, evitaria a divisão dos empregados em vários sindicatos e garantiria que o imposto sindical fosse para uma única fonte). É um pedido do deputado Paulinho da Força (SP), presidente do Solidariedade, feito ao Palácio do Planalto.
Todas essas mudanças, contudo, enfrentam forte resistência dos setores empresariais, que ressuscitaram o projeto aprovado de 1998 aprovado na Câmara anteontem e defendem que, se houver muitas amarras, o efeito não será o desejado. (Colaboraram Edna Simão e Raphael Di Cunto, de Brasília)
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Apesar da aprovação na Câmara dos Deputados do projeto que regulamenta a terceirização, o Senado manterá a análise de outra proposta, sobre o mesmo tema, que tramita na Casa.
Presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE) afirmou que o projeto de terceirização que está no Senado, que contém mais mecanismos de proteção a direitos trabalhistas, será utilizado para possível "ajustes" ou preencher "lacunas" deixadas pelo outro texto, que segue para sanção do presidente Michel Temer.
"É preciso que a gente atualize esse projeto aprovado na Câmara. Eles podem ser complementares. O projeto do Senado preencherá alguma possível lacuna do texto aprovado. Até porque o Senado é a casa revisora, precisa que a gente atualize a proposta aprovada através do outro projeto", justificou Eunício. O senador é beneficiário de uma holding que presta serviços terceirizados.
Relator da terceirização no Senado, Paulo Paim (PT-RS) está entregando o seu parecer à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Tão logo a comissão analise a proposta, o presidente Eunício disse ter "compromisso de pautar de imediato" o projeto para votação no plenário.
Nos bastidores, no entanto, é dado como provável entre governistas que o parecer de Paim sequer vá a voto. Líder do governo no Congresso, Romero Jucá (PMDB-RR) já afirmou que apresentará em plenário pedido de preferência para votar o texto nos moldes do encaminhado pela Câmara, sem alterações. Isso possibilitaria, em caso de aprovação, remete-lo à sanção, dando ao Palácio do Planalto condições de ter em mãos as duas propostas para decidir o que vetar e o que manter de cada uma.
Ao contrário do projeto da Câmara, o relatório de Paim não prevê terceirização na atividade-fim. "Nenhum senador me disse que é favorável a terceirização na atividade-fim", defende. "E todos querem que haja uma responsabilidade da empresa, que ela pague os direitos que estão na CLT aos trabalhadores, que é a responsabilidade solidária".
Se o Senado fizer mudanças - o que o relatório de Paim faria -, o texto teria de retornar à Câmara, cuja tendência seria não votá-lo, já que acabou de chancelar matéria semelhante.
Jucá, que conduzirá a negociação, é favorável ao governo usar o texto que está no Senado para manter dispositivos relativos a garantias para contratação de terceirizados, seguridade e desconto de impostos, bem como uma contribuição sindical provisória, que está prevista no texto.
Outra alternativa para o governo é a edição de uma medida provisória (MP). Assessor informal de Temer, o ex-deputado Sandro Mabel quer usar a MP para criar um fundo "anti-calote" que preserve a arrecadação do governo e os pagamentos dos direitos trabalhistas. "Será necessária para fazer ajustes, como uma garantia, um seguro, de que as contribuições previdenciárias e encargos trabalhistas serão pagos."
Mabel é autor do projeto que está no Senado e que contém a previsão de um fundo, com um percentual de 4% do valor do contrato, para garantir o pagamento dos encargos caso a empresa terceirizada deixe de honrar com seus compromissos.
Contrariados com a decisão do Senado de "consertar" o texto aprovado pela Câmara, deputados vão procurar Eunício e Jucá para tentar negociar que essas mudanças entrem no escopo da reforma trabalhista, já discutida em uma comissão especial.
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A Confederação Nacional da Indústria (CNI) comemorou a regulamentação da terceirização. Para a entidade, trata-se de significativo avanço para dar segurança jurídica às empresas e não deve sofrer novas alterações. O governo vislumbra a edição de uma medida provisória para fazer ajustes, mas a CNI não vê com simpatia nem essa MP nem o texto sobre o assunto que tramita no Senado.
"O projeto da Câmara era o que se aproximava mais da nossa agenda, com diminuição da insegurança jurídica. É mais adequado que o do Senado, que trazia complicadores", disse José Augusto Fernandes, diretor de políticas e estratégia da CNI. "O texto da Câmara é mais simples e claro nos objetivos."
Para Marcos Borges, gerente-executivo da CNI de relações com o Congresso, será temerário se o governo tentar alterar, via MP, questões relativas à chamada responsabilidade solidária - quando o trabalhador terceirizado poderia cobrar o pagamento de direitos trabalhistas tanto da empresa que terceiriza quanto da tomadora de serviços. "Responsabilidade solidária não é uma realidade hoje. Entendemos que pode ser um inibidor enorme, que tiraria boa parte do que o projeto tem de bom.".
"A legislação vai tirar travas e tornar os negócios mais ágeis", disse o presidente e controlador do grupo GR, Maurice Braunstein, um dos cinco maiores do país em segurança patrimonial. A empresa atende a mais de mil clientes.
As empresas de tecnologia ainda avaliam os efeitos da regulamentação sobre o setor, mas já estão "celebrando" o fato de a lei retirar "várias inseguranças que existiam no passado na relação entre empresas", afirmou Sérgio Gallindo, presidente da Brasscom, associação que reúne as empresas do setor. Para ele, a aprovação da terceirização para todas atividades não abre caminho para a precarização das relações de trabalho.
Com 30 mil funcionários, a A & C, uma das maiores empresas de call center do Brasil, acredita que a sanção da lei vai permitir a criação de 10 mil postos de trabalho até o fim de 2018. Para Alexandre Moreira, presidente da companhia, a aprovação dá mais segurança aos investimentos.
"As decisões dependem de cada juiz, mas de modo geral a Justiça vem dando ganho de causa para os funcionários", disse Moreira. Segundo ele, o setor enfrenta muitas ações de ex-empregados que pedem equiparação salarial com as empresas para as quais prestavam serviços. A A & C informa ter cerca de 5 mil processos do gênero na Justiça do Trabalho.
"Nós estávamos com a corda no pescoço", diz o empresário Luiz Alberto Garcia, do Grupo Algar, que tem call centers entre seus negócios, referindo-se às cobranças judiciais por isonomia. "Estávamos rejeitando serviços para bancos. Na hora que a lei for homologada, a regra do jogo estará clara e a gente poderá aceitar serviços de bancos e outros. Com a lei vai haver uma mudança imediata e muito clara no ritmo de investimentos das empresas do setor e na criação de novos empregos", disse Hélio Costa, da Associação Brasileira de Telesserviços (ABT).
A Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim) considerou positiva a aprovação. No setor, serviços de manutenção e de logística já são, em geral, terceirizados. "A grande vantagem é resolver a pendência trabalhista que havia nesse assunto", afirmou o presidente-executivo da entidade, Fernando Figueiredo.
A aprovação da terceirização de todos os setores retira do mercado de trabalho uma insegurança jurídica que emperra o crescimento de companhias que atuam no fornecimento de mão de obra e deve atrair inclusive grupos estrangeiros, segundo executivos do setor.
"É um avanço para o país, porque regula um setor que dependia apenas uma súmula do TST, a 331, que tinha um ponto frágil, sobre a questão do que era ou não atividade-fim", disse presidente da Federação Nacional dos Sindicatos de Empresas de Recursos Humanos, Trabalho Temporário e Terceirizado, Vander Morales, que representa cerca de 32 mil empresas com 2,5 milhões de trabalhadores temporários e terceirizados.
"A regulamentação elimina incertezas jurídicas em zonas cinzentas, como o de telefonia, no qual há a discussão se uma área de call center, por exemplo, pode ou não ser terceirizada", afirmou o vice-presidente da Associação Brasileira de Facilities, Thiago Santana, que reúne 20 mil empresas e 1,5 milhão de trabalhadores de companhias como Sodexo, JLL e Atlas Schindler.
Para o presidente-executivo da Associação dos Dirigentes de Vendas e Marketing do Brasil (ADVB), Lívio Giosa, as empresas que atuam no segmento terão que passar por um choque de qualidade para atender a uma demanda que será tão mais exigente quanto maior. "Enquanto no mundo a terceirização surgiu porque as empresas buscavam qualidade, no Brasil o conceito entrou pela porta dos fundos, como ferramenta de corte de custos. Agora, o foco terá que ser em qualidade."
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O governo vai aproveitar uma resolução do Conselho da Justiça Federal (CJF) para obter receitas que podem superar os R$ 8 bilhões, por meio do cancelamento de precatórios não sacados após dois anos pelos beneficiários. O governo ainda não incluiu a receita no relatório bimestral porque ainda estuda a velocidade com que poderá recuperar os recursos e reforçar seu caixa.
Apesar da decisão estar valendo desde o ano passado, o aperto fiscal exigiu do governo uma busca por mais celeridade para levantar os recursos neste ano, de forma a evitar um contingenciamento maior de despesas. Fonte da área econômica explicou que o precatório cancelado não elimina o direito da pessoa, que, se buscar o dinheiro, poderá obtê-lo de volta.
Os ministros Henrique Meirelles (Fazenda) e Dyogo Oliveira (Planejamento) divulgaram na quarta-feira que há deficiência orçamentária de R$ 58,2 bilhões para o cumprimento da meta de primário do governo central (déficit de R$ 139 bilhões neste ano). Segundo os ministros, o corte das despesas será inferior à deficiência orçamentária, pois se espera incorporar receitas, como as de precatórios não sacados.
Meirelles disse esperar que a medida renda entre R$ 6 bilhões e R$ 7 bilhões. O número baseia-se na contabilidade dos últimos quatro anos, que aponta volume de R$ 6,6 bilhões disponíveis. O valor definitivo do corte do Orçamento será conhecido na terça-feira.
A ideia de utilizar precatórios para ajudar a alavancar receitas e, consequentemente, no cumprimento da meta de primário não é nova. Em fevereiro de 2016, o ex-ministro da Fazenda Nelson Barbosa chegou a encaminhar projeto de lei para o Congresso para tratar do assunto. O objetivo era evitar que os recursos para pagamento de precatórios ficassem ociosos nos bancos e, ao mesmo tempo, reforçar o caixa do governo.
Na ocasião a intenção era deixar em dois fundos os valores dos precatórios não sacados há mais de quatro anos. Conforme fosse solicitado o pagamento, o dinheiro seria retirado do fundo. No ano passado, pelas contas do governo, seriam destinados R$ 19 bilhões do Orçamento para pagamento de precatórios. A estimativa era que 6,3 bilhões não fossem sacados. Considerando o saldo ocioso há mais de quatro anos (R$ 5,7 bilhões), o efeito fiscal da medida, se tivesse sido aprovada pelo Congresso Nacional, seria de até R$ 12 bilhões no ano passado, segundo cálculos do governo divulgados à época.
O projeto de Barbosa, no entanto, foi alvo de críticas, não andou na Câmara e acabou sendo abandonado pelo governo. Com a resolução do CJF a avaliação é de que a operação pode ser feita sem precisar de apreciação dos parlamentares.
Há milhares de processos relacionados aos precatórios, casos de pessoas que não sacam o valor do precatório. Não são ações judiciais, são pedidos que seguem essa resolução do CJF. A Advocação-Geral da União (AGU) monitora os precatórios e, quando vê que, depois de um tempo, não houve saque, faz o pedido. A AGU já conseguiu levantar alguns valores dessa forma, depois da publicação da resolução, mas o número ainda não é conhecido.