Valor econômico, v. 17, n. 4221, 24/03/2017. Política, p. A8

Terceirização teve apoio de metade do PMDB

Votação mostrou falha de coordenação de Temer e medo da base de contrarias eleitores, dis consultor

Por: Cristian Klein

 

A aprovação do projeto de lei que libera a terceirização irrestrita de todas as atividades é apontada por entidades sindicais como um golpe aos direitos dos trabalhadores mas o placar apertado de 231 a 188 votos, na quarta-feira, indica o enfraquecimento da base aliada na Câmara dos Deputados. É o que afirma o consultor Antônio Augusto de Queiroz, do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), em entrevista na qual comentou dados da votação elaborados pelo Valor.

Para Queiroz, três aspectos merecem destaque. O primeiro é que a coordenação política do presidente Michel Temer não estaria funcionando. Um dos reflexos é o alto número de parlamentares - 85 (16,5%) - que não compareceram à votação, dos quais 90% são da base aliada. O segundo é que alguns partidos e deputados sinalizaram que estão insatisfeitos. É o caso do PTB, de Jovair Arantes, que não teve o apoio esperado do governo federal quando concorreu à presidência da Casa, no mês passado. O terceiro aspecto, que o analista aponta como mais relevante, é o comportamento de parlamentares já preocupados com as eleições de 2018, que se darão num ambiente muito diferente ao de 2014, quando havia financiamento privado. Sem dinheiro de empresas para irrigar a campanha, parcela dos deputados governistas preferiu agir de modo a reduzir riscos de punição pelo eleitorado.

Queiroz lembra que o governo federal conseguiu menos votos do que em 2015, quando o Executivo, liderado pelos petistas, era contra o projeto. Na sessão comandada pelo então presidente Eduardo Cunha, a terceirização obteve 324 votos contra 137, em uma referência à voação do texto-base da proposta apoiada por Cunha, sem os destaques, no dia 8 de abril. "Como é que o número de votos cai com o interesse do governo na aprovação?", questiona.

Para o analista há duas explicações: os deputados decidiram mandar um recado de que estão descontentes com o governo e/ou estão com medo de votar matéria que contrarie os interesses dos eleitores. Para Queiroz, a segunda hipótese é a que pesou mais. "A ameaça à sobrevivência eleitoral é um risco efetivo aos parlamentares desta legislatura. É por isso, aliás, que eles estão desesperados em fechar a lista", diz.

Antônio Queiroz refere-se ao sistema de lista fechada, pelo qual o cidadão vota apenas em partidos, e a direção partidária é quem decide, previamente, a colocação dos candidatos na lista. Se uma legenda obtiver, por exemplo, votação que lhe dê cinco vagas ao Legislativo, estarão eleitos os cinco primeiros da lista. O modelo é defendido pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e parlamentares citados na Lava-Jato.

Com crise econômica, operações contra corrupção e reformas impopulares como a previdenciária e a trabalhista, Queiroz prevê que, mantida a lista aberta, a renovação da Câmara será maior que a de 1990, quando apenas 39% dos deputados se reelegeram. É isso que os parlamentares tentam evitar, seja com a mudança no sistema eleitoral ou com o comportamento mais cauteloso no plenário, mesmo que desagrade o Planalto.

O próprio PMDB, partido de Temer, deu apoio bem mais tímido do que o esperado à terceirização. Três em cada quatro deputados presentes votaram a favor - 33 a 10, com uma abstenção. Mas 20 faltaram. Logo, numa bancada de 64, os pemedebistas que votaram "sim" representaram apenas 51,5%. Numa taxa acima desta, entre as maiores legendas, foram mais realistas do que o rei - ou do que o partido presidencial - PSD (64,8%), PRB (66,6%), PSDB (68%) e o PP (70,2%).

Detentor do Ministério das Minas e Energia, o PSB saiu da votação rachado: 12 votos a favor e 9 contrários. A estratégia de 14 deputados, quase metade da bancada, porém, foi se ausentar, levando a taxa de apoio da sigla a 34%. "Isso reflete um partido sem controle da bancada. A líder é Tereza Cristina (MS), também vice-líder do governo, mas o presidente do diretório nacional, Carlos Siqueira é contra o projeto", diz.

Houve oito que preferiram comparecer, mas se abstiveram. O mais notável deles é o presidenciável Jair Bolsonaro (PSC-RJ), conhecido pelas ideias de extrema direita. "Ele não quer ser hostil com o empresariado e não quer se antipatizar com os trabalhadores. Fica em cima do muro", avalia.

Se a terceirização revela um apoio menor a Temer e a pressão da lógica eleitoral, o mesmo raciocínio, no entanto, não se aplica necessariamente à reforma da Previdência. O Valor apurou que, neste caso, o PT pode se guiar pela lógica governamental, preferindo uma alteração agora a ter que fazer uma reforma mais dura, caso volte ao poder em 2019.

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Placar apertado alerta para dificuldades no Legislativo

Por: Marcelo Ribeiro e Bruno Peres
 

Preocupado com a vitória apertada na Câmara na votação do projeto que regulamenta a terceirização, o presidente Michel Temer decidiu assegurar ontem em jantar com empresários em São Paulo que pretende intensificar os encontros com parlamentares para garantir a aprovação da agenda reformista no Congresso.

Ele fez a mesma sinalização aos ministros da Casa Civil, Eliseu Padilha, da Secretaria do Governo, Antônio Imbassahy, e da Secretaria-Geral da Presidência, Moreira Franco, na quarta-feira. Quando a matéria foi aprovada, Temer estava reunido com Moreira, Padilha, o ex-ministro Geddel Vieira Lima e o deputado federal Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA), no Palácio do Jaburu.

"Com o resultado apertado, Temer e os aliados avistaram dificuldades na tramitação das reformas no Congresso. Por isso, o presidente decidiu intensificar os encontros com deputados e senadores para garantir a aprovação das matérias", afirmaram assessores do Palácio do Planalto ao Valor PRO, serviço de informações em tempo real do Valor.

A mensagem de Temer aos empresários foi que na votação para aprovar a terceirização não houve mobilização do governo como a que existe em relação à reforma da Previdência.

Antes de participar em Brasília da cerimônia de lançamento do Novo Processo de Exportações do Portal Único do Comércio Exterior, Temer dividiu as preocupações com o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, que minimizou o sentimento de cautela e falou sobre o assunto no evento. Meirelles tentou descolar o resultado apertado da aprovação da terceirização no Congresso, anteontem, da expectativa sobre a votação da reforma da Previdência nos próximos meses. "O fato concreto é que a terceirização foi votada e foi discutida em função de seu próprio mérito. A Previdência é um outro projeto, uma outra discussão. Estamos trabalhando arduamente para conseguir que seja aprovado o projeto que é fundamental para o país", disse.

Em seu discurso, Temer afirmou que não levou seis meses de governo efetivo para que a inflação caísse e a taxa de juros passasse por reduções. Ele também citou medidas para reaquecer a economia e dados positivos do mercado de trabalho. "Especialmente a área econômica esperava que a recuperação se daria a partir do segundo semestre. Começamos a perceber um otimismo sobre o futuro do país. A previsão é que a inflação fique bem abaixo do centro da meta no fim de 2017."

Temer reconheceu as dificuldades, mas destacou que o governo está focado em conseguir equilibrar as contas públicas. Ele disse ainda que é preciso dar ritmo à tramitação das reformas da Previdência e trabalhista. "Reformas e adequações não podem ficar paralisadas. O diálogo, mais uma vez, é a força motriz do nosso governo."

Após o evento, Meirelles reiterou que a equipe econômica ainda busca receitas para o buraco de R$ 58,2 bilhões do Orçamento. Segundo ele, se houver elevação de impostos, será o menor aumento possível. Ao falar sobre a Operação Carne Fraca, Temer disse que o agronegócio não pode ser desvalorizado por um escândalo que atinge menos de 1% dos frigoríficos do país. O presidente disse que ligará para o presidente da China, Xi Jinping, para tentar persuadir o chinês a deixar de lado a suspensão à exportação de carne brasileira para o país.

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Defensores do impeachment voltam às ruas

Por: Fernando Taquari
 

Os movimentos que defenderam o impeachment de Dilma Rousseff voltam às ruas no domingo em mais de 100 cidades do país para protestar contra as propostas encabeçadas por lideranças do Congresso Nacional e do Judiciário para a reforma política. Os manifestantes entendem que eventuais mudanças no sistema eleitoral, como o voto em lista fechada e a criação de um fundo público eleitoral, visam prejudicar os avanços da Lava-Jato.

A defesa da operação chefiada pelo juiz federal Sergio Moro foi o mote inicial para a convocação do protesto há pouco mais de um mês. O pretexto, na ocasião, era genérico e não tinha como alvo a reforma eleitoral. Até porque as articulações entre os líderes das maiores bancadas ainda estavam em fase embrionária. A oposição dos movimentos de rua às mudanças nas regras eleitorais ganhou corpo no último domingo após encontro entre os principais grupos.

Na reunião, ficou acertada a necessidade de afinar o discurso contra a lista fechada, a anistia ao caixa dois e a criação de um fundo bilionário para o financiamento de campanhas. Os manifestantes temiam um ato esvaziado sem uma agenda conjunta e pré-definida. O último protesto destes grupos, realizado em 4 de dezembro, teve menos adesões do que as edições anteriores, que chegaram a reunir até dois milhões de pessoas.

A partir da reunião dos manifestantes, a reforma política passou a ser apontada pelas lideranças dos movimentos de rua como uma ameaça à continuidade da operação sob responsabilidade de Moro. "Falar em apoio a Lava-Jato beira o pleonasmo. Trata-se da base da pirâmide. É algo tão óbvio entre praticamente toda a população que era capaz que os brasileiros deixassem de sair às ruas por isso", diz Carla Zambelli, líder do NasRuas.

A lista fechada, segundo Carla, representa um "golpe" contra a Lava-Jato na medida em que permite a reeleição e a prerrogativa de foro privilegiado a políticos sob a mira da Justiça. "Esse modelo é antidemocrático, pois preserva o caciquismo partidário. As listas serão compostas por aqueles que precisam de foro. A população não terá mais o direito de escolher seus próprios candidatos sem a interferência dos partidos", afirma Carla.

Nesse modelo, o eleitor vota na sigla, cuja a direção define a lista de candidatos em ordem de prioridade. Atualmente, no entanto, o eleitorado vota diretamente no candidato. Pelo princípio da anualidade, as novas mudanças eleitorais devem ser aprovados pelo Congresso Nacional até setembro deste ano para valerem nas eleições de 2018.

O líder do Vem Pra Rua, Rogério Chequer, enxerga na proposta de reforma política uma tentativa do parlamento de impedir uma renovação dos quadros. "É um combo político que estão tentando enfiar goela a baixo. Isso pode comprometer a renovação que o país tanto necessita", diz o empresário, que lista como ameaças à democracia a manutenção do foro privilegiado, a anistia ao caixa dois e o fundo público de campanha.

Kim Kataguiri, um dos líderes do Movimento Brasil Livre (MBL), também tem se posicionado contra as propostas de reforma eleitoral, sobretudo em relação ao voto em lista fechada. Em vídeo divulgado em redes sociais, Kim classificou a ideia como "esdrúxula" ao afirmar que ela representa a volta ao coronelismo.

Coautora da denúncia que levou ao impeachment de Dilma, a jurista e advogada Janaína Paschoal não decidiu ainda se comparecerá ao ato de domingo. De acordo com ela, a definição de uma pauta específica, como a oposição ao voto em lista fechada e a anistia ao caixa dois, é importante para evitar o risco de uma convulsão social.

"Estou alerta. Vejo uma tentativa de banalização do que é ilícito. Isso é péssimo ao país. Sinto que a classe política não entendeu nada com o impeachment", ressalta Janaína, acrescentando que não adianta discutir uma ampla reforma política sem que eventuais irregularidades sejam coibidas pela Justiça. "A corrupção estraga todo e qualquer modelo, seja aqui, no Brasil, na Suécia ou onde for".