Com aval de Dilma

André de Souza 

25/04/2017

 

 

João Santana e mulher afirmam que petista sabia de dinheiro não contabilizado em 2014

Em depoimento à Justiça Eleitoral, o casal de ex-marqueteiros do PT João Santana e Mônica Moura afirmou que a expresidente Dilma sabia da existência de caixa 2 na eleição de 2014. Santana fez as três últimas campanhas presidenciais do PT: 2006, vencida por Lula, e 2010 e 2014, quando Dilma ganhou. O marqueteiro contou que a ex-presidente perguntou a ele se a conta Shellbill, usada por Santana para receber recursos na Suíça, era segura. Dilma reagiu dizendo que o casal, que fez acordo de delação premiada com a Lava-Jato, foi “induzido a delatar fatos inexistentes”. A PF pediu ao juiz Sergio Moro que adie o depoimento de Lula, marcado para o dia 3, por questão de segurança. -BRASÍLIA- Em depoimento prestado ontem, o marqueteiro João Santana e sua mulher, a empresária Mônica Moura, disseram que a ex-presidente Dilma Rousseff tinha conhecimento de caixa dois na campanha de 2014. Mônica Moura contou que, pelo teor das conversas que teve com a ex-presidente, Dilma sabia da existência de recursos não contabilizados. Santana foi mais taxativo que a mulher ao dizer que Dilma tinha sim conhecimento de caixa dois. Ele fez as três últimas campanhas presidenciais do PT: 2006, vencida por Lula, e 2010 e 2014, quando Dilma ganhou.

João Santana disse também que, em conversa com Dilma após a eleição, ela perguntou se a conta Shellbill, usada pelo marqueteiro para receber recursos no exterior, era segura, blindada contra investigações. Os depoimentos fazem parte da ação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que pode levar à cassação da chapa vencedora da eleição presidencial de 2014. Como Dilma sofreu o processo de impeachment no ano passado, a ação poderá, na prática, fazer com que o atual presidente, Michel Temer, que era vice de Dilma, perca o mandato.

Santana contou também que fez uma pesquisa qualitativa com grupos de eleitores indicando que Temer não contribuiria tanto para a campanha, por isso sua participação foi reduzida. Nessa pesquisa, havia inclusive pessoas dizendo ter impressão de que Temer era adepto do satanismo.

Os depoimentos estão sob sigilo. Mas, assim como ocorreu com as audiências de executivos da Odebrecht, parte do que foi falado se tornou público, mesmo devendo ainda ser mantido o segredo. Isso levou o ministro Herman Benjamin, relator da ação no TSE, a fazer uma reprimenda durante os depoimentos de ontem, cobrando o compromisso de que eles ficassem sob sigilo.

CASO AFETA POSSÍVEL INELEGIBILIDADE

O depoimento foi prestado no Tribunal Regional Eleitoral (TRE) da Bahia, com a presença do relator no local. Além de João Santana e Mônica Moura, também foi ouvido André Santana, que trabalhava para o casal. Os três firmaram um acordo de delação premiada com o Ministério Público Federal (MPF), já homologado pelo ministro Edson Fachin, relator dos processos da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal.

Os depoimentos dos marqueteiros eram fundamentais para definir se, numa eventual condenação no TSE, Dilma pode ser punida ou não com a perda do direito de disputar novas eleições. Isso porque na avaliação de ministros do tribunal, para aplicar a pena de inelegibilidade, teria que ficar provado que o candidato tinha conhecimento das irregularidades na campanha. Ao dizer que Dilma sabia do caixa dois, João Santana e Mônica Moura fragilizam a situação de Dilma.

Em nota, os advogados Juliano Campelo e Rodrigo Castor, que defendem o casal, informaram que “foram reiterados os termos do interrogatório prestado na semana passada ao juiz Sérgio Moro, complementados com as respostas as demais perguntas formuladas". Eles não divulgaram o teor dos depoimentos, lembrando que eles estão sob sigilo.

Na semana passada, João Santana e Mônica Moura confirmaram a Moro a interlocução do ex-ministro Antonio Palocci para pagamentos de caixa 2 nas campanhas do PT. Mônica disse que negociou com o exministro os valores não contabilizados a serem pagos na reeleição do ex-presidente Lula, em 2006, e na eleição da ex-presidente Dilma Rousseff em 2010. Mônica disse ainda que Palocci pedia que parte dos pagamentos feitos “por fora” fossem realizados pela Odebrecht.

O julgamento no TSE começaria em 4 de abril, mas, a pedido dos advogados, foi dado um prazo extra para que pudessem se manifestar. Na oportunidade, o tribunal também marcou quatro novos depoimentos. Além de João Santana, Mônica Moura e André Santana, já foi ouvido o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, acusado em delações da Odebrecht de arrecadar recursos para o PT. O adiamento acabou ainda jogando o julgamento para depois da divulgação das delações dos executivos da empreiteira, que não eram conhecidos quando o TSE se reuniu pela primeira vez para analisar o processo da chapa Dilma-Temer.

Com o fim dos depoimentos já marcados, as defesas poderão pedir contraprovas, para contestar informações dadas pelos depoentes, ou mesmo para solicitar que eles apresentarem documentos comprovando as afirmações. O relator pode ou não conceder os eventuais pedidos dos advogados. Em seguida, eles terão prazo de cinco dias para apresentar novas alegações finais.

Mesmo se o julgamento começar em maio, é possível que não seja concluído ainda neste semestre. Há expectativa de ao menos um ministro pedir vista depois do voto do relator, para estudar melhor o assunto. Não há prazo para que ele devolva o caso a julgamento.

O TSE tem sete ministros, que mudam com frequência. Henrique Neves, por exemplo, um dos ministros presentes na sessão do dia 4 de abril, já deixou o tribunal. No lugar dele, Temer nomeou o advogado Admar Gonzaga, que encabeçava uma lista tríplice encaminhada pelo STF. Em 5 de maio, a ministra Luciana Lóssio também deixará o tribunal. Para seu lugar, irá o advogado Tarcísio Vieira. Assim, Gonzaga e Vieira vão participar do julgamento da ação.

“PROFISSIONAIS MAIS BEM PAGOS DA HISTÓRIA”

Em nota, Dilma disse que João Santana e Mônica Moura faltaram com a verdade, “fazendo afirmações desprovidas de qualquer fundamento ou prova". Segundo a ex-presidente tudo indica que os dois foram induzidos a delatar fatos inexistentes para ganhar sua liberdade e atenuar as penas em eventuais condenações.

“Dilma Rousseff nunca negociou diretamente quaisquer pagamentos em suas campanhas eleitorais, e sempre determinou expressamente a seus coordenadores de campanha que a legislação eleitoral fosse rigorosamente cumprida respeitada”, diz trecho da nota.

Ela destacou ainda que declarou ao TSE em 2014 gastos de R$ 70 milhões com o casal, sendo “os profissionais de marketing mais bem pagos na história das eleições no Brasil”. Assim, não havia motivo para pagamentos por fora. A ex-presidente criticou ainda o vazamento de trechos dos depoimentos.

O julgamento do processo no TSE preocupa o Palácio do Planalto porque o presidente Temer, no caso de uma condenação de Dilma, também poderia ser atingido. A jurisprudência do tribunal considera que fraudes na chapa, mesmo que de responsabilidade do partido do candidato principal, também têm repercussão sobre o candidato a vice que é considerado beneficiário da fraude. Nesses casos, o tribunal nos processos julgados até hoje considera que o titular fica impedido de disputar novas eleições, e o vice apenas perde o cargo, não ficando inelegível.

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Interrogatório de Lula no Paraná deve ser adiado

Gustavo Schimitt, André de Souza e Cristiane Jungblut 
25/04/2017
 
 
PF e Secretaria de Segurança do estado alegam risco de segurança ‘pública e pessoal’

-BRASÍLIA E SÃO PAULO- A Polícia Federal pediu ontem adiamento do depoimento do expresidente Lula, previsto para o próximo dia 3, em Curitiba. Em requerimento enviado ao juiz Sergio Moro, a PF disse que seria necessário mais tempo para organizar a segurança e que o feriado de 1º de maio dificultaria ainda mais a operação, já que são esperadas caravanas de militantes do PT e de apoiadores.

Wagner Mesquita de Oliveira, secretário de Segurança do Paraná, também encaminhou ofício reiterando a necessidade de mudança da data. Oliveira ressalta que a movimentação de apoiadores do petista pode gerar problemas de “segurança pública, institucional e pessoal”.

A ação penal em que o ex-presidente será ouvido diz respeito ao apartamento tríplex do Guarujá, no litoral paulista, cuja propriedade a Lava-Jato atribui ao ex-presidente em troca de vantagens indevidas da OAS. Lula nega as acusações. Moro não havia respondido ao pedido até o fechamento desta edição.

Em encontro do PT, em Brasília, Lula disse não ser “problema seu" a data do depoimento. O ex-presidente disse não ter sido informado sobre eventual adiamento.

Em outra ação, que trata de suposta propina de R$ 75 milhões paga pela Odebrecht em oito contratos da Petrobras, Moro revisou sua própria decisão de convocar Lula a comparecer em todas as audiências das 87 testemunhas arroladas por sua defesa.

Moro havia exigido a presença de Lula para “prevenir a insistência na oitiva de testemunhas irrelevantes, impertinentes ou que poderiam ser substituídas, sem prejuízo, por prova emprestadas”. Ontem, no entanto, o magistrado pediu somente que a defesa se manifeste em cinco dias para informar se tem necessidade de ouvir tanta gente no processo.

PEDIDO PARA NÃO TER AÇÃO NO PARANÁ

Também ontem, a defesa do ex-presidente solicitou que o ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato no STF, reconsidere sua decisão de mandar para a Justiça Federal do Paraná oito pedidos de investigação feitos pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Em todos os casos, Lula é um dos alvos. O expresidente pede que as investigações sejam enviados ou para Justiça Federal de Brasília, ou para a de São Paulo.

A defesa diz que não há relação entre as novas frentes, baseadas na delação de executivos da Odebrecht, e os fatos já em apuração no Paraná. A maior parte das novas investigações não está relacionada à Petrobras. É o caso de uma que diz respeito às negociações com Lula e o ex-ministro Jaques Wagner para edição de medida provisória tratando de acordos de leniência com empresas. Há ainda um caso em que Marcelo Odebrecht contou que pediu ajuda a Lula para favorecer a companhia em temas relacionados a Angola.

No evento do PT, em Brasília, Lula afirmou que está disposto a “brigar” e que será candidato em 2018. Afirmou que está “pronto” a prestar depoimento e voltou a dizer que espera pela apresentação de provas dos crimes que são atribuídos a ele. O ex-presidente disse também que o ex-dirigente da OAS, Léo Pinheiro, sofreu “pressão” para falar contra ele.

— Foi tanta pressão em cima do Léo, condenando a 26 anos. Estou vendo delatores com casa com piscina, em condomínios onde moram desembargados. Desse jeito, o Léo vai falar até da mãe dele. Não estou sendo tratado igual aos outros (conforme a lei), estou sendo tratado pior que os outros. Vamos enfrentar batalha pela frente — disse Lula, num discurso com duros ataques à imprensa.

 

O globo, n. 30577, 25/04/2017. País, p. 3