PF INVESTIGA COMPRA DE AÇÕES DO BANCO PAN PELA CAIXA

Eduardo Bresciani

Ronaldo D'ercole

Roberta Scrivano

20/04/2017

 

 

Entre os alvos da Operação Conclave estão ex-dirigentes das instituições, diretor do BC e irmão do Silvio Santos

A Polícia Federal (PF) deflagrou ontem a Operação Conclave para investigar a compra de ações do Banco Panamericano, hoje chamado de Banco Pan, pela CaixaPar, braço de participações acionárias da Caixa Econômica Federal, em dezembro de 2009, por R$ 739,2 milhões. O negócio gerou prejuízo ao banco público, e os investigadores apuram se houve crime de gestão temerária ou fraudulenta, que têm penas de até 12 anos de reclusão. Dois anos depois, o Banco Pan foi vendido ao BTG Pactual. Foram cumpridos 41 mandados de busca e apreensão em São Paulo, Rio, Brasília, Londrina, Recife e Belo Horizonte. Entre os alvos estão a própria CaixaPar, ex-diretores da Caixa e do Banco Pan, além de quatro empresas relacionadas ao processo de auditoria, contratadas para avaliar a situação financeira da instituição, que pertencia, à época, ao apresentador Silvio Santos.

A lista de investigados, que tiveram sigilo bancário e fiscal quebrado por decisão do juiz Vallisney Oliveira da 10ª Vara Federal, inclui o irmão caçula do apresentador, Henrique Abravanel, então diretor conselheiro do Banco Pan; o banqueiro André Esteves, sócio do BTG; Luiz Sandoval, ex-presidente do grupo Silvio Santos; e o diretor de Fiscalização do Banco Central (BC), Anthero Meirelles.

O nome da operação faz referência ao processo de escolha do Papa. Segundo a PF, a expressão foi escolhida porque as negociações para compra de ações do banco ocorreram de forma sigilosa.

Na decisão, o juiz destaca que “menos de um ano após a concretização do negócio pela CaixaPar, o BC revelou uma série de erros contábeis nos balanços do banco Panamericano, entre os quais a que o referido banco teria realizado a venda de um grande volume de carteiras de crédito a outras instituições sem dar a devida baixa nos ativos, servindo tais créditos fictícios para inflar os resultados da instituição financeira, dando a impressão de estabilidade a um banco de há muito falido”. Em 2009, a Caixa comprou 49% do capital votante do Pan.

Outro trecho do documento define a operação como criminosa: “Tratando-se aqui, em linguagem simples e direta, de uma aquisição criminosa de um banco falido por um banco público”. A investigação identificou três núcleos de irregularidades: o de agentes públicos, responsáveis por assinar pareceres e contratos; o de consultorias contratadas para dar legitimidade ao negócio; e o de empresários que conheciam a situação das empresas. A Justiça tenta apurar a responsabilidade de consultorias, órgãos reguladores, como o BC, e executivos das empresas sobre a operação. Entre os investigados estão a presidente da Caixa na época, Maria Fernanda Ramos Coelho, e o então diretor presidente da CaixaPar, Márcio Percival Alves Pinto.

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TRANSAÇÃO NEGOCIADA NO PLANALTO

A venda do Pan para a Caixa foi articulada em negociações no Palácio do Planalto, com a participação do ex-presidente Lula e de Silvio Santos. Um ano após a operação, a Caixa descobriu que tinha comprado um banco quebrado e cheio de fraudes, conforme identificou o Banco Central.

Durante a intervenção, o BC descobriu que o patrimônio do banco foi inflado em cerca de R$ 2 bilhões. Investigações posteriores revelaram que as perdas ultrapassavam R$ 3,8 bilhões.

Na decisão, o juiz argumenta que o voto do diretor do BC investigado contribuiu para a transação entre os dois bancos.

“Torna-se relevante a obtenção de elementos probatórios para se averiguar se naquelas condições os diretores da CaixaPar e o próprio Banco Central nos anos de 2009 e 2010 já tinham condições de saber sobre a higidez ou derrocada financeira do Banco Panamericano, que, ao que tudo aponta, era gerido fraudulentamente”, disse o juiz.

Com a descoberta de fraude contábil em plena campanha eleitoral de 2010, o banco foi socorrido pelo Fundo Garantidor de Crédito (FGC), que injetou quase R$ 4 bilhões na instituição. O socorro foi uma alternativa à liquidação do Pan, o que evidenciaria os problemas da operação. Na época, o governo disse ter encontrado uma “solução de mercado”.

Em 2011, numa operação descrita em documento como surpreendente, o BTG comprou o banco por R$ 450 milhões. Os sócios foram obrigados a fazer novos aportes no Pan, que deveria voltar a ter lucro dois anos depois, o que não ocorreu.

Outro aspecto citado pela Justiça foi a velocidade com que a operação foi concluída. Entre as consultorias, os alvos foram Deloitte; KPMG; Banco Fator; Boccater, Camargo, Costa e Silva Advogados; e BDO. O objetivo é entender por que as avaliações foram feitas rapidamente e como não identificaram inconsistências contábeis do banco.

O advogado de André Esteves, Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, comentou a operação de busca na casa do banqueiro e na sede do banco. Ele disse que o resultado não foi efetivo porque os locais já foram vasculhados anteriormente em outra operação da Justiça Federal do Distrito Federal. O BTG afirmou, em nota, que “não foi parte ou teve qualquer envolvimento na compra de participação do Banco Panamericano pela CaixaPar em 2009”. O FGC disse, em nota, que, “no exercício de sua missão de contribuir para a estabilidade do sistema financeiro, concluiu em 2010 operação de suporte ao então acionista controlador do banco Panamericano, à época passando por dificuldades”.

Alberto Zacharias Toron, advogado de Luiz Sandoval, ex-presidente do grupo Silvio Santos, disse que não comentaria o assunto por não ter tido acesso aos autos. O grupo Silvio Santos disse que não iria se pronunciar. A Deloitte não quis comentar.

O Banco Fator, que foi contratado pela CaixaPar para avaliar o Panamericano em 2009, confirmou que agentes da PF estiveram em sua sede ontem. O banco esclarece, ainda, que não teve qualquer sigilo quebrado pela Justiça.

Em comunicado, a KPMG, auditoria contratada pelo Fator para a operação da CaixaPar, informou que foi contratada “exclusivamente para executar procedimentos preacordados de diligência em informações disponibilizadas” de março de 2009.

O BC informou apenas que a PF solicitou ao banco informações relativas à aquisição de ações do Banco Pan pela CaixaPar.

Os nomes dos executivos da Caixa investigados só foram divulgados na noite de ontem, sem tempo hábil para que fossem procurados.

O globo, n. 30572, 20/04/2017. Economia, p. 27