Funcionária da BRF operava em sala do ministério

Luiz Vassallo / Julia Affonso / Mateus Coutinho

20/03/2017

 

 

Áudio interceptado pela PF na Operação Carne Fraca mostra que denunciante diz a executivo da empresa que funcionária usou senha de servidor federal

 

 

Grampos da Polícia Federal da Operação Carne Fraca revelam que funcionários da BRF chegavam a acessar, dentro do Ministério da Agricultura, sistemas de emissão de certificados que atestam a qualidade de produtos. As investigações miram agentes de fiscalização das Superintendências de Minas e Goiás, vinculadas à pasta.

A decisão do juiz federal Marcos Josegrei da Silva, da 14.ª Vara Criminal Federal de Curitiba, base da Carne Fraca, que decretou prisões preventivas, temporárias, conduções coercitivas e buscas e apreensões contra os investigados, revela que o gerente de Relações Institucionais e Governamentais da Brasil Foods (BRF S/A), Roney Nogueira dos Santos, “influencia na escolha e substituição de fiscais para as unidades da empresa à liberação de unidades às vésperas de serem interditadas”.

A fim de exercer e manter influência sobre as fiscalizações, o executivo, segundo o juiz, “alcança dinheiro a servidores públicos, remunera diretamente fiscais contratados, presenteia com produtos da empresa, se dispõe a auxiliar no financiamento de campanha política e até é chamado a intervir em seleção de atleta em escolinha de futebol”.

As gravações da PF autorizadas pela Justiça dão conta de diálogos entre Roney Nogueira dos Santos, preso no sábado, e o fiscal do Ministério da Agricultura, Daniel Gouvêa Teixeira, denunciante do esquema, sobre a existência de fiscais da pasta que deixavam funcionários das empresas ocuparem suas mesas no órgão público, utilizando senhas de acesso para a emissão de documentos.

Em um áudio interceptado, o denunciante diz ao executivo que uma funcionária ficou sozinha, em uma sala do Ministério, manipulando os documentos - a senha foi fornecida por um servidor.

 

O que diz a empresa. A BRF informou, por nota, que não compactua com práticas ilícitas e refuta categoricamente qualquer insinuação em contrário. Segundo a nota, a BRF não tolera qualquer desvio de seu manual da transparência e da legislação brasileira e dos países em que atua. Ainda de acordo com a empresa, Roney apresentou-se voluntariamente às autoridades brasileiras na manhã de sábado, vindo da África do Sul, onde estava a trabalho, para prestar todos os esclarecimentos necessários às autoridades.

 

DIÁLOGO

DANIEL TEIXEIRA: Não, não. Ela ficou numa sala lá sozinha fazendo. Entendeu?

RONEY: Ah tá.

DANIEL: Por que, ele foi atender outra empresa, “não, você vai fazendo ai”. Abriu o sistema e deixou ela trabalhando no sistema. Aí foi o que eu falei: não, não é assim. Nem acompanhando pode. Entendeu? O problema todo é o seguinte, ela tá acostumada a vir aqui, né, senta ali, faz as coisas no sistema logada como ele. Ele dá a senha dele pra ela trabalhar. Isso é que é f.... Até o nosso sistema. E aí aprova tudo, sai com tudo aqui aprovado. Isso é uma vergonha, isso. E aí ontem, como tinha mais gente: “não, não, vai fazer ali na outra sala”, aí tirou o estagiário do computador e botou ela pra sentar e trabalhar no computador do estagiário.

RONEY: Entendi.

DANIEL: Aí logou lá o sistema pra ela.

RONEY: É, daí é complicado né.

DANIEL : Pô, se imagina. Nem pode. (...)

DANIEL: Não, não precisa, não precisa se desculpar, não precisa de nada disso.

Ela fez, por que tá acostumada a fazer, por que dão liberdade dela fazer isso. Só que não pode. Entendeu? Aí chegou no cúmulo do ridículo de até logarem o sistema pra ela e deixar ela sozinha trabalhando numa sala. Por muito menos, nego já foi demitido...

 

DANIEL- O fiscal do Ministério da Agricultura Daniel Gouvêa Teixeira foi o denunciante do esquema

 

 

O Estado de São Paulo, n. 45079, 20/03/2017. Economia, p. B6.