O FIM DA ‘ANARQUIA’
 
André de Souza
 
06/04/2017
 
 
 
 
STF decide que as forças de Segurança, inclusive a Polícia Civil, não podem fazer greve

Em meio à greve da Polícia Civil do Rio e um mês após o término da paralisação da Polícia Militar no Espírito Santo, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu proibir que integrantes de forças de Segurança Pública entrem em greve. O julgamento de ontem analisou uma ação do governo de Goiás contra policiais civis do estado, mas tem repercussão geral, ou seja, o mesmo entendimento deve ser aplicado por outros tribunais e juízes.

Além de policiais civis, a maioria do STF entende que não podem parar suas atividades policiais federais, policiais rodoviários federais, policiais ferroviários federais, bombeiros e policiais militares, entre outros agentes de segurança.

Os policiais militares já eram proibidos de fazer greve, porque a Constituição não permite a sindicalização e a greve de militares. Agora, a maioria dos ministros do STF decidiu que a mesma proibição deve ser aplicada a todos os integrantes das forças de Segurança, mesmo que eles sejam civis. Prevaleceu o voto do ministro Alexandre de Moraes, para quem não pode haver paralisação de servidores que atuem diretamente na Segurança Pública. O relator, Edson Fachin, foi a favor de restringir o direito de greve, sem no entanto eliminá-lo totalmente, mas foi derrotado.

Para Moraes, um Estado com polícia em greve é um Estado anárquico.

— Não é possível que braço armado do Estado queira fazer greve. Ninguém obriga alguém a entrar no serviço público. Ninguém obriga a ficar — afirmou Moraes, que acrescentou: —É o braço armado do Estado. E o Estado não faz greve. O Estado em greve é anárquico. A Constituição não permite.

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POLÍCIA FEDERAL EM ESTADO DE GREVE

No mesmo dia, em sentido oposto, a Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef ), que representa os agentes da PF, aprovou estado de greve contra a reforma da Previdência. A decisão não interfere no trabalho dos policiais federais hoje, mas pode evoluir para uma paralisação. Segundo o presidente da federação, Luís Boudens, a decisão do STF não limita todas as formas de protesto:

— As lideranças não deverão fazer o chamamento da greve tradicional. Não é isso que queremos. Mesmo que a greve fique impossibilitada com a decisão do STF, há outras ações que podem ser tomadas e que serão discutidas. Um exemplo é a entrega simbólica das armas e coletes que será feita no dia 18.

No Rio, o sindicato da Polícia Civil vai convocar assembleia para decidir se encerra a paralisação.

Acompanharam Moraes os ministros Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e a presidente do tribunal, Cármen Lúcia. Fux usou exemplos do cotidiano em seu voto:

— Há um outro dado que acho muito importante: quem paga a greve do serviço público é o contribuinte. Isso, para mim, é algo que define todas essas questões. Quando a criança de colégio público não tem aula, quem está pagando é a criança — argumentou: — Estou concluindo que o exercício de direito greve de policial civil é inconstitucional.

Barroso e Lewandowski ainda propuseram ajustes. Lewandowski, por exemplo, opinou pela não redução dos vencimentos e a garantia de reajuste. Ele também destacou que, apesar da restrição à greve, os policiais têm direitos que não são garantidos a outros profissionais, como aposentadoria especial e, em vários casos, adicional de periculosidade.

— É vedada a greve de policiais civis, sendo-lhes assegurado, em contrapartida, o direito à irredutibilidade dos vencimentos e o seu reajuste anual — disse.

Barroso votou para que seja possível uma mediação no Judiciário para tentar atender a reivindicações, mas sem possibilidade de greve. A sugestão foi aprovada.

Gilmar Mendes, por sua vez, atacou decisões judiciais que proíbem o corte de ponto de grevistas, mesmo havendo decisão do STF autorizando a medida. Segundo ele, greve que não afeta os rendimentos se transforma em férias. — Tem juiz com coragem de dar liminar para que o sujeito receba. É mais uma jabuticaba que inventamos — avaliou Gilmar, que concluiu: — Greve de sujeitos armados não é greve.

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TESE DE FACHIN É DERROTADA

Apenas os ministros Rosa Weber e Marco Aurélio Mello acompanharam Fachin. O relator entendeu que proibir a greve seria inviabilizar o uso de um direito fundamental. Ainda assim, ele foi favorável a impor restrições aos policiais civis, sem fazer menção a outras corporações. A paralisação das atividades dependeria de autorização prévia da Justiça. Além disso, deveriam seguir as regras fixadas pelo próprio STF para greves no setor público, que permitem, por exemplo, corte de ponto. Por fim, propôs ainda a proibição do porte de armas e o uso de uniformes durante a paralisação.

Não participou do julgamento o ministro Celso de Mello. A ministra da Advocacia-Geral da União (AGU), Grace Mendonça, e o vice-procurador-geral da República, José Bonifácio Borges de Andrada, também foram contra a possibilidade de greve de policiais.

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PARALISAÇÕES DEIXARAM RASTRO DE VIOLÊNCIA
 

 

1997

Minas Gerais

Três mil policiais civis e militares em greve entraram em choque com a guarda do Palácio da Liberdade, sede do governo do estado. Um cabo da PM foi baleado e morreu quatro dias depois. Uma onda grevista se espalhou por14 estados.

 

1997

Ceará

Manifestação de policiais civis e militares e agentes penitenciários em greve terminou em tiroteio com forças de segurança. Seis pessoas ficaram feridas, entre elas o então comandante-geral da PM, Francisco Mauro Alves Benevides.

 

2011

Rio de Janeiro

O Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) invadiu o quartel central do Corpo de Bombeiros, que estava ocupado por integrantes da corporação em protesto por melhores salários, e prendeu 439 manifestantes.

 

2012

Bahia

Durante 12 dias de greve da Polícia Militar, o estado sofreu uma onda de violência, sobretudo na região metropolitana de Salvador. Os registros de assassinatos e roubos de carros dobraram, segundo dados do governo.

O globo, n.30558 , 06/04/2017. País, p. 3