SALÁRIOS QUE PESAM NA PREVIDÊNCIA

Daine Costa

10/04/2017

 

 

Servidores estaduais têm reajuste de 50% em 9 anos, bem acima dos 21% da média nacional

Estados que estão hoje com finanças em frangalhos viram os salários médios de seus servidores na ativa subirem bem acima da variação dos ganhos no setor privado nos últimos anos. No Rio, a alta foi de 40,9% entre 2006 e 2015 e, em Minas Gerais, de 64,2%. Na média dos 26 estados e Distrito Federal, o salário do funcionalismo (incluindo estatutários e militares) aumentou 50% passando de R$ 3.600 para R$ 5.300 entre 2006 e 2015, mostra estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). No mesmo período, a renda média de todos os trabalhadores brasileiros cresceu bem menos, 21%, passando de R$ 1.535 para R$ 1.866.

Para o Ipea, esses aumentos reais para os servidores ativos que foram, por força da legislação, repassados aos inativos, são uma das principais causas para o salto no déficit nas previdências estaduais. O rombo nos regimes próprios dos estados aumentou 57% entre 2009 e 2015, chegando a R$ 77,4 bilhões nas contas do Ipea. Levantamento mais recente, da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), mostra que o déficit previdenciário nos estados chegou a R$ 102 bilhões em 2016.

Apesar do peso das aposentadorias nas contas dos estados, o funcionalismo estadual foi excluído pelo presidente Michel Temer da proposta de reforma da Previdência enviada pelo governo federal ao Congresso no mês passado, em decisão criticada por especialistas em contas públicas.

Segundo o estudo do Ipea, em alguns estados, os salários dos servidores são muito superiores à média nacional paga ao funcionalismo estadual e à média de todos os trabalhadores. No Amapá, por exemplo, o salário médio em 2015 era de R$ 8.800 e no Distrito Federal, de R$ 8.700. Em outros estados, é a variação salarial que impressiona. No Tocantis, o aumento dos salários foi de 73,7% entre 2006 e 2015.

— A política salarial dos estados deveria ser pensada levando em considerando os inativos. Não estou discutindo o mérito dos aumentos, o problema é o repasse aos inativos. A Constituição garante aos que entraram até 2003 o direito à paridade salarial. Praticamente todos os inativos hoje se beneficiam dessa regra — analisa Cláudio Hamilton Matos dos Santos, um dos autores da nota técnica do Ipea.

 

NÚMERO DE INATIVOS SOBE 38%, DE ATIVOS CAI 4%

Além dos ganhos salariais do funcionalismo, chama atenção nos estados o forte descompasso entre o rápido crescimento dos servidores inativos, de 38% entre 2006 e 2015 (de 1 milhão para 1,4 milhão), e a relativa estagnação do número de servidores ativos (queda de 4%, de 2,7 milhões para 2,6 milhões, no mesmo período). Isso faz que um grupo cada vez menor de servidores, os ativos, tenham de bancar as aposentadorias de um grupo cada vez maior, dos inativos. Atualmente, a Constituição prevê que apenas inativos que recebem acima do teto do INSS (R$ 5.189,82) contribuam.

O número de servidores ativos não aumenta porque os estados, que já estão com suas folhas de pagamento estouradas — estudo recente da Firjan aponta que 13 deles já gastam com pessoal acima do limite permitido pela Lei de Responsabilidade Fiscal, que é de 60% da Receita Corrente Líquida — não têm condições de repor funcionários. Já o grupo de inativos aumenta devido ao envelhecimento crescente dos servidores estaduais ativos e das regras especiais que permitem que se aposentem precocemente, muitos na casa dos 50 anos.

 

ADICIONAL PREVIDENCIÁRIO COMO SAÍDA PROVISÓRIA

Para José Roberto Afonso, pesquisador do Ibre/ FGV e professor do Instituto Brasiliense de Direito Público, um dos alicerces da crise dos estados é a “absurda vinculação dos salários entre servidores ativos e inativos”:

— Por princípio, o inativo deveria receber em cima do que contribuiu. Assim o é para trabalhador no INSS. A solução é simples, mas falta coragem política: aprovar uma desvinculação total de salários. O salário do ativo não condicionaria o do inativo, e mais, de um governo não deveria contar para o outro governo, de um poder para outro poder. É preciso uma emenda constitucional para revogar automática e linearmente todas as leis que autorizaram essa aberração. Até lá, é preciso criar um adicional previdenciário para custear o déficit de cada regime financeiro.

Os especialistas temem que a tendência de redução do quadro dos ativos acabe afetando a qualidade do serviço público.

— O grande risco é esbarrar em segurança pública — alerta Fábio Klein, especialista em contas públicas da Tendências Consultoria.

Santos também cita os professores:

— Algumas categorias são mais importantes para a manter a qualidade do serviço público. A falta de reposição de aposentados em funções intermediárias, burocráticas, menos mal. Agora, professores e policiais, civis e militares, representam metade do funcionalismo público no país. Esses casos são mais problemáticos. Além de se aposentarem mais cedo, têm salários mais altos.

Para Klein, a estabilidade do emprego no serviço público já é um atrativo em relação ao setor privado e torna injustificável a disparidade dos salários:

— No setor privado, quando há uma crise e a necessidade de corte de custos, o ajuste é feito via demissões. No setor público isso não é possível. Isso deveria ser levado em conta pelos governantes na hora de conceder os reajustes que, no fim, acabam se tornando insustentáveis de se manter.

Dado o quadro de grave crise fiscal dos estados, Klein acredita que reajustes acima da inflação para os servidores devem cessar daqui para frente.

O globo, n.30562 , 10/04/2017. Economia, p. 17