Entrevista - Osmar Serraglio

Renata Mariz e Francisco Leali 

26/04/2017

 

 

‘Talvez o momento seja muito inadequado’

Com o avanço da Operação Lava-Jato sobre a classe política, o ministro da Justiça afirma que não é hora de o Congresso alterar a lei que trata do abuso de autoridade por parte de juízes e promotores, prestes a ser votada pelo Senado. Serraglio diz ainda que é favorável ao fim do foro privilegiado no STF para parlamentares, e reconhece que o Plano Nacional de Segurança corre risco de ser inviabilizado

O governo e o senhor pessoalmente têm posição sobre o fim do foro privilegiado?

Eu não posso falar ainda pelo governo porque não fiz essa consulta. Pessoalmente sou a favor, embora não totalmente. Acho que temos mais de 40 mil pessoas com foro especial, o que não é razoável. Imagino que pouco mais de dez pessoas devessem ter. O presidente da República, os ministros do Supremo, enfim, os realmente titulares de poder.

E como ficaria o Congresso?

O Congresso não teria (foro). Eu, como advogado, diria que talvez seja uma visão equivocada essa história de, terminando com o foro, imaginar que vai apressar (os julgamentos). Historicamente não é o que acontece. Quem vai ser julgado no Supremo agora terá duas chances: é possível ser julgado na turma e depois no plenário. Quando é lá embaixo, você vai ser julgado pelo juiz, depois pelo tribunal, depois provavelmente vai para o STJ, para depois chegar no Supremo. É muito tempo. Aí dizem: isso sobrecarregaria lá embaixo. Tudo bem, as instituições que se instrumentalizem, que sejam fortalecidas, que tenham uma instância primeira mais (forte). Fala-se inclusive de criação de varas especializadas.

Essa ideia reverbera de forma positiva no Congresso?

Não tenho ideia, é uma incógnita. Porque hoje eles têm medo do (juiz Sérgio) Moro, mas só vai para o Moro o que for Lava-Jato. A situação, por exemplo, do Rio de Janeiro, não vai para o Moro.

Uma nova lei de abuso de autoridade é necessária?

Nunca consultei o governo porque isso está no comando do Legislativo. Mas eu participei há muitos anos do pacto federativo de onde se encaminhou ao Congresso mudanças (na lei). Na época, pensou-se que haveria necessidade de um avanço, de um aprimoramento. Em relação ao que está exposto lá (no Congresso), não temos nenhuma opinião específica. Talvez o momento seja muito inadequado. Isso é muito comum. Cada vez que acontece um fato, o Congresso legisla sem que apresente uma coisa duradoura. Esse é um dos grandes males do Brasil. As leis precisam ser duráveis, porque são regras de conduta.

O tema não deveria então ser tratado no calor da Lava-Jato?

Não deveria ser. Porque aí imagina-se que está se fazendo em relação à LavaJato. Então vamos esperar.

Nesse momento em que qualquer ato pode ser apontado como interferência ou esvaziamento da Lava-Jato, o senhor acha que as autoridades estão reféns da Polícia Federal e do Ministério Público?

Parto do princípio de Montesquieu de que todo cidadão que tem poder tende a dele abusar. Foi a partir desse princípio que ele colocou a tripartição de poderes. Mas só quem está posicionado na situação é que pode identificar se está havendo abuso ou não, se as pessoas que têm poder estão ultrapassando aquilo que cabe a elas nas investigações. É natural de quem sofre investigação achar que esteja havendo abuso, mas a investigação é uma necessidade para a efetiva responsabilização. O problema é que a interpretação externa e da própria imprensa enfatiza muito o fato de estar sendo investigado. Muitos merecem, mas se houver um inocente talvez seja bastante para a gente refletir, porque acaba com a vida moral da pessoa, ela se torna um morto-vivo. Então, acho que a população tinha que entender muito bem, muito claramente que existe uma fase de investigação. Ninguém sabe se é culpado ou não.

A delação premiada tem sido distorcida ou banalizada?

Não poderia acontecer isso em alguns casos. O Yousseff, por exemplo, não poderia ser beneficiado. Mas se ele não fosse beneficiado nós não teríamos o fio da meada. Alguma compensação você tem que oferecer. Tenho convicção de que, de alguma maneira, pelo menos nesse ambiente da corrupção, (a delação) vai servir para assustar muita gente. Porque você não faz nada que várias pessoas não saibam. Hoje, na coisa pública, quem fizer bobagem pode ficar esperando. E daí a tal da possibilidade da delação, certamente o Ministério Público está aferindo.

Como os estados estão aplicando os recursos federais liberados para construção de presídios?

Estamos estudando alternativas legais para verificar, diante da situação emergencial que nos encontramos, se seria o caso de permitir uma dispensa de licitação ou uma licitação abreviada, de maneira que nós pudéssemos urgentemente concluir essas penitenciárias cujos recursos já foram disponibilizados no fim do ano passado. Esse começo, confesso, está um pouquinho lento.

E como está a adesão de estados e municípios ao Plano Nacional de Segurança?

Tivemos um corte expressivo de cerca de 43% no orçamento (de investimento) do ministério. Então, você também não tem agora muito o que oferecer (para incentivar a adesão). Estamos no momento de definição para ver se é um corte de precaução, para depois ir liberando, ou se realmente teremos que suportar esse corte. Para que pudéssemos repor o que é da Polícia Federal, eu devo fazer um corte muito grande, praticamente “extinguir”, aspas, os recursos da Polícia Rodoviária Federal, da Funai (Fundação Nacional do Índio), da Força Nacional. Se esse corte do orçamento realmente for conduzido como algo que não tenha reversão, praticamente inviabiliza (o Plano Nacional de Segurança). Já levei o assunto ao ministro Dyogo (Oliveira, do Planejamento) para eles refletirem sobre isso, estamos esperando uma análise.

Ou seja, para não cortar da Polícia Federal, outras áreas teriam que parar?

E como certamente não se cortará da PF, alguma outra vítima haverá de ser identificada.

 

O globo, n. 30578, 26/04/2017. País, p. 3