Braço-direito de Pezão cita caixa 2 em campanha

Marco Grillo

03/05/2017

 

 

Ex-secretário negocia com PGR e confirma propina na gestão Cabral

“Ele conversou com a Andrade para que contribuísse com 1%, para melhorar o salário das pessoas envolvidas neste projeto”

Hudson Braga

Ex-secretário de Obras

Em negociação para fechar um acordo de delação premiada com a Procuradoria-Geral da República (PGR), o ex-secretário estadual de Obras Hudson Braga evidenciou, ontem, em depoimento ao juiz Marcelo Bretas, a disposição de colaborar com a Justiça em duas frentes: vai fornecer novos nomes que teriam se beneficiado do esquema de corrupção no Rio e corroborar trechos já conhecidos das denúncias contra o grupo ex-governador Sérgio Cabral (PMDB).

Durante a audiência, Braga citou a existência de caixa 2 na campanha à reeleição do governador Luiz Fernando Pezão (PMDB), da qual foi coordenador, em 2014, e confirmou que a Andrade Gutierrez pagou 1% de propina para autoridades públicas sobre o contrato do PAC das Favelas em Manguinhos, na Zona Norte do Rio — o suborno era conhecido como “taxa de oxigênio”. O ex-secretário está preso, desde novembro, no Complexo Penitenciário de Gericinó, na Zona Oeste.

Na proposta discutida por advogados e procuradores em Brasília, um dos trunfos apresentados por Braga, segundo uma fonte que acompanha a negociação, é destrinchar o pagamento de propina ao governador. Braga era o homem de confiança e foi subsecretário de Pezão no período em que o então vice-governador acumulava o posto com a Secretaria de Obras, no primeiro governo Cabral. Também está na mesa a possibilidade de relatos sobre recursos ilícitos destinados a deputados federais da bancada do Rio. O debate sobre qual Corte deve dar aval à delação, se o Superior Tribunal de Justiça (STJ), onde Pezão tem foro, ou o Supremo Tribunal Federal (STF), local do foro dos parlamentares, é, no momento, um dos pontos que atrasam o andamento das tratativas.

Ontem, o ex-secretário disse ao juiz Bretas que guardou R$ 3 milhões, em espécie, de “sobras de campanha” em um cofre da empresa Transexpert. Destes recursos, R$ 2,2 milhões foram usados para concluir a construção do empreendimento imobiliário “Terras do Pinheiral”, no Sul do estado.

— Eu tinha um recurso que era uma sobra de campanha de caixa 2. Em junho de 2014, saí do governo (do estado), da função de secretário, para ser o coordenador-geral da campanha do governador Pezão. Por isso é que teve essa sobra, e eu usei a Transexpert para guardar o dinheiro — explicou Braga.

 

REUNIÃO COM WILSON CARLOS

Quando o nome de Pezão foi citado, Bretas afirmou que “não iria perguntar sobre a origem das contribuições”, porque fora mencionada uma “autoridade” sobre a qual ele “não tinha competência para fazer nenhum tipo de questionamento”.

Em relação ao esquema de corrupção no governo Cabral, Braga afirmou que, no início de 2008 (segundo ano de gestão), o então secretário de Governo, Wilson Carlos, o convocou para uma reunião. No encontro, Wilson Carlos, homem forte do governo, teria comunicado que a Andrade Gutierrez contribuiria com 1% de propina. Braga confirmou à Justiça ter recebido o valor referente às obras do PAC das Favelas em Manguinhos. A justificativa seria “melhorar o salário” dos membros do governo.

— É verdade sim, excelência (a cobrança da “taxa de oxigênio”). Fui convocado pelo secretário Wilson Carlos, que me relatou que existiam diversas queixas do valor do pagamento do salário que o estado remunerava. Ele tinha conversado com a Andrade (Gutierrez) para que contribuísse com 1% (em cima do valor dos contratos), para que pudesse ser feito esse pagamento e melhorar o salário das pessoas envolvidas neste projeto. Isso aconteceu, ele me deu essa orientação, e eu organizei isso com o Wagner Garcia (Wagner Jordão, operador), que ficou responsável pelo recolhimento e pagamento das pessoas listadas — afirmou.

O ex-secretário não detalhou se houve suborno em outros contratos citados pelo Ministério Público Federal (MPF), como as obras do Maracanã e do Arco Metropolitano — em mais de uma ocasião, ele disse que está “disposto a contribuir”, mas “em outro momento e de outra forma”. O pagamento seria repassado por Alberto Quintaes, ex-executivo da empreiteira, ao operador Wagner Jordão. Os valores eram fixos, de acordo com a posição ocupada por cada integrante do esquema, e repassados mensalmente. Braga não informou quanto recebia por mês. O MPF sustenta que o esquema de Cabral arrecadava 5% de propina em todas as obras públicas do estado.

 

PEZÃO NEGA

O ex-secretário se recusou a revelar nomes — outra vez, ressaltou que poderá contribuir “em outro momento”— , mas ponderou que os recursos ilícitos eram direcionados para presidentes de empresas vinculadas à Secretaria de Obras, além de superintendentes, subsecretários e assessores especiais da pasta. Em outro trecho do depoimento, ele citou a Empresa de Obras Públicas (Emop), a Cedae e o Departamento de Estradas de Rodagens (DER) como exemplos de órgãos com autonomia para tocar empreendimentos.

Ao ser questionado por Bretas, o ex-secretário não respondeu diretamente se já foi ameaçado, mas afirmou que “não está tranquilo”. No presídio Pedrolino Werling de Oliveira, um dos que formam o complexo penitenciário, um dos companheiros de cela de Braga é Cabral.

— Eu não estou tranquilo. Abrindo essa situação, eu não fico tranquilo, mas quero colaborar (com a Justiça). Tenho o desejo de colaborar — reforçou.

Via assessoria de imprensa, Pezão afirmou que não comentaria a revelação sobre o caixa 2 de campanha. O governador também não se pronunciou sobre a possibilidade de ser citado por Braga, em delação premiada, como um dos beneficiários do esquema de corrupção. Em outras ocasiões, o governador reiterou que nunca se beneficiou de verbas de corrupção. Após a audiência, a defesa de Braga não confirmou se ele negocia um acordo com a PGR.

 

O globo, n.30585 , 03/05/2017. País, p. 6