Ex-executivo liga Lobão a esquema em Belo Monte

Rafael Moraes Moura e Beatriz Bulla

25/03/2017

 

 

Delator diz que senador recebeu valores por obra da usina ‘em nome do PMDB’

 

 

O executivo Benedicto Júnior, ex-presidente da Construtora Odebrecht, mencionou, em depoimento ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o pagamento de propina nas obras da usina de Belo Monte e citou o nome do senador Edison Lobão (PMDB-MA). Ele disse que a obra foi incorporada à sua área depois que as tratativas do pagamento já estavam feitas, mas falou em “compromissos” destinados a dois partidos: o PT e o PMDB.

Com relação ao PT, segundo ele, o herdeiro do grupo Odebrecht, Marcelo Odebrecht, indicou que as contribuições não deveriam ser feitas. “Não houve nada ao PT especificamente feito por Belo Monte por orientação do próprio Marcelo”, disse.

BJ, como é conhecido, prestou depoimento na ação que investiga abuso de poder político e econômico na eleição presidencial de 2014. Ele não deu detalhes sobre os pagamentos ao PMDB pela obra de Belo Monte, mas disse que as informações constam em relatos de outros executivos que firmaram acordo de delação premiada com o Ministério Público Federal.

“Os nomes das pessoas são os que estão circulando aí. Se não me engano, foi combinado através do Doutor Edison Lobão e teve um outro, um deputado ou um ex-deputado, que posteriormente ao doutor Edson Lobão foi quem recebeu em no- me do PMDB, um deputado do Pará. Essas foram as duas pessoas cujos nomes eu ouvi.”

De acordo com BJ, o executivo que cuidava da obra de Belo Monte é Augusto Roque. “Eu não li o depoimento do meu executivo, Augusto Roque, e quando recebi a obra isso já estava combinado, que haveria contribuições a serem feitas a dois partidos, o PT e o PMDB”, complementou.

Advogado de Lobão, o criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, disse que o vazamento de delação é um “ato criminoso, ilegal, imoral”. “Pelo que me disseram, o Benedicto Junior fala em talvez, que apenas teria ouvido dizer que seria o senador Edison Lobão. Não posso acreditar que uma delação vai levar a sério uma afirmação de ‘ouvir dizer’”, afirmou.

Doações e caixa 2. O executivo disse ao TSE que a Odebrecht tinha uma política de doação eleitoral “sem critério político nenhum, era genérica”. BJ cuidava das doações para campanhas de governadores, senadores e deputados. “A campanha presidencial, na sua magnitude, era sempre levada para o Marcelo ( Odebrecht) diretamente.”

De acordo com o ex-presidente da construtora, em 2014 a Odebrecht doou, no total, R$ 200 milhões. O valor engloba as doações a todas as campanhas. Deste montante, R$ 120 milhões foram em “caixa 1” das empresas do grupo Odebrecht – ou seja, declarados à Justiça Eleitoral. O restante foi dividido entre doações oficiais feitas por outras empresas a pedido da Odebrecht e doações por caixa 2.

Ele explica que não necessariamente as doações em caixa 2, portanto não registradas, eram fruto de propina e que a Odebrecht não queria se expor na lista de maiores doadoras.

 

Combinado

“Quando recebi a obra isso já estava combinado, que haveria contribuições a dois partidos, o PT e o PMDB.”

Benedicto Júnior

EX-EXECUTIVO DA ODEBRECHT

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Gilmar instaura sindicância no TSE para apurar vazamento

Rafael Moraes Moura/ Beatriz Bulla/ Isadora Peron

25/03/2017

 

 

Decisão é tomada após presidente do tribunal criticar divulgação de depoimentos sigilosos da Odebrecht na corte

 

 

 

 

 

No mesmo dia em que criticou a divulgação de depoimentos sigilosos da Odebrecht ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o presidente da corte, Gilmar Mendes, decidiu instaurar uma sindicância interna para apurar o vazamento. Pela manhã, Gilmar disse que isso “fala mal das instituições, como se o Brasil fosse um país de trambiques”.

“Eu exijo que nós façamos a devida investigação nesses vazamentos lamentavelmente ocorridos. Isso fala mal das instituições. É como se o Brasil fosse um país de trambiques”, disse o ministro ao participar de um seminário sobre reforma política no TSE.

Os depoimentos de ex-executivos da Odebrecht foram prestados ao ministro Herman Benjamin no âmbito da ação que pede a cassação da chapa formada em 2014 por Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (PMDB).

Pela manhã, Gilmar criticou vazamentos de informações sigilosas em outras investigações, como da Operação Lava Jato. “Acho que em todos os setores isso tem que ser feito. Vazamento feito por autoridade pública é crime. Tem que ser investigado e nós vamos investigar aqui”, afirmou. No início da semana, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, rebateu as críticas de Gilmar e acusou o ministro “disenteria verbal” e “decrepitude moral” ao falar do trabalho da PGR.

De acordo com a assessoria de imprensa do TSE, os trabalhos da sindicância serão coordenados pela presidência do TSE, com participação da Corregedoria- Geral da Justiça Eleitoral. Na quinta-feira, a corregedoria havia aberto uma sindicância para investigar a divulgação dos depoimentos.

Anistia. No evento pela manhã, Gilmar Mendes defendeu que o debate sobre a anistia ao caixa 2 pode ser feito no Congresso em um “momento oportuno”. O ministro comparou a aprovação de uma norma que “perdoasse” os políticos que usaram dinheiro não declarado em campanhas eleitorais com a lei da repatriação de recursos aprovado pelo Congresso. A nova regra permitiu que brasileiros trouxessem de volta ao País recursos não declarados que estavam depositados no exterior. “O Congresso tem aprovado várias anistias. O Congresso votou a anistia da repatriação, que fez com que muita gente trouxesse dinheiro de fora, e ninguém está dizendo que essa anistia é inconstitucional.”

Desde o ano passado, a Câmara tenta aprovar uma proposta para beneficiar os políticos que utilizaram dinheiro não contabilizado em campanha.

Em outras declarações, o presidente do TSE já defendeu que pode haver caixa 2 sem corrupção, desde que o dinheiro não seja fruto de propina e se trate apenas de verbas não contabilizadas. Segundo ele, se doação eleitoral via caixa 2 não estiver associada a origem ilícita do dinheiro não deve ser objeto de punição penal.

Reforma. Gilmar defendeu também a necessidade de realizar uma reforma no sistema político. Segundo ele, ao ver as prestações de contas da chapa de Dilma em 2014, com cifras bastante altas, ele e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli, que estava na presidência do TSE, cometeram um “ledo engano” por achar que não haveria problemas de caixa 2 na campanha. As investigações da Justiça Eleitoral, segundo ele, têm demonstrado o contrário

 

‘Trambiques’

“Eu exijo que nós façamos a devida investigação nesses vazamentos lamentavelmente ocorridos. Isso fala mal das instituições. É como se o Brasil fosse um país de trambiques.”

Gilmar Mendes

PRESIDENTE DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL (TSE)

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Em trecho tarjado, delator cita caixa 2 após pedido de Aécio

Fábio Fabrini/ Fabio Serapião/ Rafael Moraes Moura/ Beatriz Bulla

25/03/2017

 

 

Ex-presidente da Odebrecht Infraestrutura, Benedicto Júnior disse ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que, após ter sido procurado pelo senador Aécio Neves (MG), então candidato do PSDB à Presidência em 2014, fez duas doações, via caixa 2, à campanha do tucano e de aliados.

As declarações constam dos trechos do depoimento que o ministro Herman Benjamin, relator no TSE do processo que apura abuso de poder político e econômico pela chapa Dilma Rousseff-Michel Temer em 2014, mandou tarjar, a pedido do PSDB, por entender que as menções ao tucano não têm relação com o objeto da ação. No entanto, mesmo com a tarja, é possível ler o conteúdo.

Conforme o ex-executivo, receberam R$ 6 milhões, “fora da regra oficial”, os então candidatos Antonio Anastasia (PSDBMG), eleito para o Senado; Dimas Fabiano Toledo Júnior (PP-MG), que obteve uma vaga na Câmara; e Pimenta da Veiga (PSDB-MG), derrotado na disputa pelo governo de Minas.
O executivo também relatou ter autorizado o pagamento de outros R$ 6 milhões, mas que só metade foi paga a uma empresa responsável pela campanha de Aécio. “Só fizemos R$ 3 milhões para uma empresa chamada PVR, que era do publicitário que trabalhava a campanha do presidente Aécio Neves na data”, disse, referindo-se ao marqueteiro Paulo Vasconcelos.

A assessoria do PSDB informou que, como dirigente, Aécio “pediu doações de empresas para inúmeros candidatos, sempre na forma prevista em lei”. Em nota, afirmou que Benedicto não disse que o senador “pediu apoio via caixa 2”. “Ele disse que o senador teria pedido doações e que esse apoio foi feito pela empresa via caixa 2.”

Anastasia, em nota, disse que “nunca tratou com qualquer pessoa ou empresa sobre qualquer assunto ilícito”. A defesa de Pimenta da Veiga refutou a existência de caixa 2. “Todos os valores arrecadados foram devidamente declarados”, disse o advogado Sânzio Nogueira.

Paulo Vasconcelos não se manifestou. Dimas Fabiano não foi localizado.

 

 

O Estado de São Paulo, n. 45084, 24/03/2017. Política, p. A6.