O Estado de São Paulo, n. 45064, 05/03/2017.  Política, p. A8

Congresso ‘trava’ 12 PECs sobre fim do foro privilegiado

Em meio ao debate em torno da restrição à prerrogativa, parlamentares temem perder benefício e ficar sujeitos a juízes de primeira instância

Por: Ricardo Brito

 

Uma das principais bandeiras dos primeiros protestos de rua de 2017, marcados para o dia 26 deste mês, o fim do foro privilegiado está emperrado no Congresso Nacional.

Lideranças da Câmara e do Senado não se mostram dispostas a acelerar a tramitação das Propostas de Emendas à Constituição (PECs) que extinguem o direito a que autoridades sejam julgadas por tribunais.

Mesmo em meio às discussões sobre restrição da prerrogativa pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e na iminência da divulgação das delações da Odebrecht que devem implicar dezenas de deputados e senadores, os parlamentares temem que, sem foro, possam ficar sujeitos a investigações conduzidas por magistrados de primeira instância, como o juiz Sérgio Moro.

A reação do Congresso a uma eventual mudança na prerrogativa pelo STF foi escancarada na semana passada quando o líder do governo no Congresso e presidente do PMDB, senador Romero Jucá (RR), disse que não pode haver uma “suruba selecionada”.

A principal justificativa pública de parlamentares ouvidos pelo Estado para não levar adiante a proposta é que, sem qualquer espécie de modulação da prerrogativa, a iniciativa não passará.

As PECs em tramitações mais avançadas nas Casas querem acabar com o foro. A maioria dos congressistas, porém, defende que determinadas autoridades, como presidentes de Poderes, ou medidas de força, como o cumprimento de pedidos de prisão ou de busca e apreensão, sejam investigados ou decretados por tribunais.

Há parlamentares que admitem abertamente que será difícil a matéria avançar. “No momento de confusão, nunca sai uma legislação boa”, disse o líder do PP na Câmara, Arthur Lira (AL), que, pessoalmente, se diz a favor de restringir o foro.

Na Câmara, o provável presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Rodrigo Pacheco (PMDB-MG), adiantou que tentará pautar um das propostas sobre o tema – a mais antiga delas de 2005. “Se houver um anseio popular e há manifestações do STF de decidir sobre o assunto, não tem como o Congresso não discutir.” Essa iniciativa, contudo, não tem ampla simpatia dos deputados.

Para tentar viabilizar sua aprovação, o autor da última das propostas que trata do assunto, Celso Maldaner (PMDBSC), admite mudar seu texto sobre fim do foro irrestrito para deixar apenas 15 autoridades no STF: os ministros da Corte e os presidentes da República, da Câmara e do Senado, além do procurador- geral da República.

 

Judiciário. O líder do PSDB na Câmara, Ricardo Trípoli (SP), cobra o envolvimento dos magistrados para encontrar o melhor formato para o foro. “Quem julga é o Judiciário, nós fabricamos as leis. É razoável discutir para que haja celeridade nos julgamentos”, disse o tucano.

Se passar na CCJ, a proposta terá de ir a uma comissão especial e, posteriormente, ao plenário da Casa. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que, se a PEC avançar, vai colocá-la para votar. “Não há problema em pautar nenhuma matéria.

Essa discussão pode acontecer a qualquer momento”, disse. Aprovada em dois turnos com ao menos 308 dos 513 votos, a matéria vai para o Senado.

Na outra Casa, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) tem tentado, sem grande sucesso até o momento, buscar apoio dos líderes para colocar em votação no plenário uma PEC que acaba totalmente com o foro e foi aprovada pela CCJ em novembro passado. Ele precisa do apoio de pelo menos 41 dos 81 senadores para garantir a inclusão da proposta na pauta. Por ora, ele só conseguiu o apoio de nove. O presidente da Casa, Eunício Oliveira (PMDB-CE), tem dito que esse assunto, por ora, está fora da agenda.

 

Pauta

“Não há problema em pautar nenhuma matéria. Essa discussão pode acontecer.”

Rodrigo Maia (DEM-RJ)

PRESIDENTE DA CÂMARA

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‘Cabe ao Legislativo mudar prerrogativa’, diz decano do STF

Celso de Mello defende o fim do foro por meio de uma PEC no Congresso, mas também é a favor do debate do tema na Corte

Por: Breno Pires / Rafael Moraes Moura

 

Defensor do fim do foro privilegiado para todas as autoridades, o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), considera o Congresso a única instituição capaz de extinguir a prerrogativa, por meio de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC).

O decano, no entanto, é favorável ao debate proposto pelo colega Luís Roberto Barroso sobre se a Corte, mediante interpretação da Constituição, pode limitar o alcance do foro especial.

Há duas semanas, Barroso encaminhou para análise do plenário da Corte questão de ordem dentro de uma ação penal contra o atual prefeito de Cabo Frio (RJ), Marquinho Mendes (PMDB), por crime eleitoral. O caso já subiu e desceu de instância várias vezes sem ser julgado.

Após a manifestação de Barroso, o relator da Lava Jato no STF, Edson Fachin, disse que o foro é “incompatível com o princípio republicano” e se mostrou a favor do debate. Já para Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello, a Corte não é o lugar adequado para discutir o alcance da prerrogativa.

“A questão é saber se o Supremo pode ou não pode, sem ofender o postulado da separação de Poderes, mediante interpretação jurídica, restringir o alcance de uma cláusula da Constituição que assegura uma prerrogativa constitucional, que é a prerrogativa de foro”, disse o decano.

Celso de Mello afirmou ainda que, em breve, a ministra Cármen Lúcia, presidente da Corte, deve colocar a discussão na pauta. “O ideal será construir um consenso. Agora, em torno do quê? É preciso verificar quais são as posições”, afirmou.

 

Supressão. Pessoalmente, o decano considera o foro “uma clara ofensa ao princípio da igualdade” e “um caso de indisfarçável desrespeito ao princípio republicano”. “A minha proposta é abolir. É a supressão de todas as hipóteses de prerrogativa de foro”, defendeu.

Diante da resistência de parlamentares de apoiarem a mudança, Celso de Mello sugere também uma alternativa “mais palatável politicamente”: manter a prerrogativa para os presidentes da República, do Senado, da Câmara e do Supremo.