Visão dos economistas

Míriam Leitão

26/05/2017

 

 

Os cenários da economia se estreitam enquanto a política vive seu pior momento em muitos anos. Para o professor de economia do Ibre-FGV Samuel Pessoa ainda há possibilidade de se levar as reformas adiante. O economista Edward Amadeo, da Gávea Investimentos, não acha que um novo governante, escolhido por voto indireto, tenha capacidade de levar adiante um projeto de mudanças.

Ahipótese de saída do presidente Temer do cargo coloca em dúvida as reformas. E isso leva, segundo os dois especialistas, que entrevistei na Globonews, à volta do temor do crescimento da dívida pública. Samuel Pessoa acha que existem dois cenários à frente. Amadeo considera que haverá um período de atoleiro.

— Existem dois cenários. Em um se reconstrói o governo após a queda do presidente, sem uma agenda clara de reformas. E no outro um novo presidente assume a bandeira de mudanças. É o que eu acho mais provável. Se ocorrer o primeiro, a recuperação da economia fica mais atrasada. As pessoas voltarão a olhar a trajetória da dívida pública, vão ficar assustadas, haverá pressão sobre risco, câmbio, e isso atrapalha a recuperação. Por outro lado, se um novo presidente pegar as bandeiras de reformas, a gente retoma a recuperação lenta da economia brasileira, com a inflação na meta e uma perspectiva de fortíssima queda das taxas de juros — diz Samuel Pessoa.

— Acho pouco provável, a política tem preponderância neste momento. É difícil levar adiante reformas com um governo sem credibilidade. A do presidente Temer já era baixa. Eu não acredito que daqui para frente, com um presidente escolhido em eleição indireta no Congresso, a credibilidade será maior do que a do presidente Temer. Ademais, você tem a eleição de 2018 batendo à porta. Isso faz com que os políticos passem a mirar 2018, a pensar mais nos seus eleitores do que na coletividade. E fazer reforma é pensar na coletividade em vez dos interesses individuais de cada eleitor. Acho que infelizmente vamos entrar agora numa fase de atoleiro, com antecipação da agenda política eleitoral — diz Amadeo.

Os dois concordam que o grande risco econômico é a dívida pública. Sem mudanças na estrutura de gastos e receitas, a dívida tenderá a subir e o país pode ter, em alguns anos, um cenário que viveu nos anos 1980: centralização da conta de capital, com limites à saída de capital, inclusive estrangeiro, provocado pela forte desconfiança em relação à capacidade do Tesouro de pagar a dívida. Ela é hoje 70% do PIB, continuará subindo, sem reformas subirá mais e não haverá um horizonte de estabilização.

Amadeo afirma que para evitar esse cenário será preciso desvincular os gastos das receitas, no caso de saúde e educação, desvincular a Previdência do salário mínimo, rever as relações trabalhistas no setor público. Pessoa diz que além disso será inevitável aumento de impostos.

No curtíssimo prazo, eles consideram que o Banco Central vai reduzir a taxa de juros na próxima reunião, na semana que vem, porque a inflação está muito baixa e a atividade econômica está reduzida. Mas o ritmo de crescimento fica ainda pior.

— Há um ano, achávamos que o crescimento de 2017 seria de 0,4%. Nós continuamos com esse número, mas o desenho da recuperação mudou muito. Achávamos que o país cresceria 0,1% no primeiro trimestre, 0,2% no segundo, 0,4% e 0,7% nos demais, e a economia no final do ano estaria crescendo entre 2,5% e 3%. Nos últimos 4 meses começamos a alterar. Hoje a gente prevê o mesmo 0,4%, mas com alta de 1% no primeiro, por causa da agricultura, depois queda de 0,1%. No segundo semestre, será de 0,1% e 0,2% (por trimestre). A economia chegará no fim do ano crescendo apenas a1% — diz Samuel Pessoa.

— Acho que entre 0 e 0,4% não faz diferença. Nossa discussão precisa ser de fundamentos no Brasil, temos que almejar crescer 3% e isso só será possível com revisão sobre a forma de organizar o Estado. É preciso uma discussão muito mais profunda da nossa economia — diz Amadeo.

A crise pode levar o país a rever profundamente o seu modelo, revogando as “brechas” ou vantagens localizadas para determinados grupos. Por outro lado, se a paralisia continuar, velhos problemas econômicos podem voltar.

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O globo, n.30608 , 26/05/2017. Economia, p. 24