Na caixa - Delator diz que levou R$ 1 milhão para Temer

Renata Mariz e André de Souza 

20/05/2017

 

 

A REPÚBLICA Diretor da JBS afirma que dinheiro foi ‘roubado’ pelo então vice-presidente, porque se destinava à campanha de 2014

Responsável pela entrega de propinas da JBS, Florisvaldo Caetano de Oliveira afirmou em delação que, em 2014, levou em uma caixa R$ 1 milhão em dinheiro vivo destinado ao então vice-presidente Michel Temer. Florisvaldo disse que recebeu a ordem de Ricardo Saud, diretor do grupo empresarial.
Saud, que também é delator, disse que o dinheiro foi “roubado” por Temer. Isso porque, em vez de gastá-lo na campanha daquele ano, conforme combinado previamente com o PT, o peemedebista teria ficado com o montante. O valor de R$ 1 milhão, segundo disse Saud em depoimento, faz parte de R$ 15 milhões repassados a Temer para distribuir a aliados.

— Nesse caso aqui, inclusive, tem uma passagem interessante, porque o Michel Temer fez uma coisa até muito deselegante. Nessa eleição, eu vi só dois caras roubar dele mesmo. Um foi o (ministro da Ciência e Tecnologia, Gilberto) Kassab e outro foi o Temer. O Temer me deu um papelzinho e falou: ó, Ricardo, tem R$ 1 milhão que eu quero que você entregue em dinheiro nesse endereço aqui. E me deu o endereço — disse Saud em depoimento prestado em 5 de maio, acrescentando: — O dinheiro vem do BNDES, vem dos fundos. E usou para a campanha da vice-presidência. Então, o dinheiro era do PT. O PT deu para o presidente Temer para usar na campanha de vice. E, não satisfeito, ainda guardou R$ 1 milhão pra ele no bolso.

Quem recebeu o recurso, conforme os delatores, foi João Baptista Lima Filho, amigo de Temer, que é coronel aposentado da Polícia Militar paulista. O endereço da entrega do dinheiro, a Argeplan, Arquitetura e Engenharia, na Vila Madalena, foi alvo da Polícia Federal na operação da última quinta-feira.

Florisvado, classificado por Saud como o “homem da mala”, contou que esteve duas vezes no local. Na primeira, foi se informar sobre como deveria fazer o repasse, efetivado dias depois. Saud confirmou a versão de Florisvaldo e até reclamou do tratamento dispensado ao ajudante pelo coronel:

— Ele até tratou muito mal o Florisvaldo. “Pô, esse cara tá demorando pra trazer o dinheiro aqui. O homem já falou comigo. O dinheiro não chega, tal, tal.” Até o Florisvaldo não sabia o que tava acontecendo, voltou e falou: o que que tá acontecendo? Eu peguei e falei: não, Florisvaldo, esse dinheiro é do Michel, pode deixar que eu vou resolver isso, tá demorando demais, agora mesmo vou te tirar desse negócio. Aí, falou assim pro cara, pra esse coronel: eu vou voltar tal dia. Ele falou: não, não, tal dia não, agora não, você vai vir pra cá depois de dois, três dias, que eu não vou tá aqui, e só eu ponho a mão nesse dinheiro. E aí foi feito. Florisvaldo foi lá. Voltou lá já com dinheiro. Ele e o Demilton (Castro, da JBS) no carro dele nesse mesmo endereço, falou com essa mesma pessoa.

Ainda segundo o diretor, foi o próprio Temer, na calçada em frente a seu escritório político em São Paulo, quem passou o endereço e até deu explicações de onde ficava o local da entrega.

— Ensinou mais ou menos onde era. Eu peguei e mandei Florisvaldo lá. Falei: Florisvaldo, vai lá saber o que é isso. Porque até então eu achava que o dinheiro ia para o Yunes. Não entendi nada, nunca ouvi falar nesse endereço — disse Saud, fazendo referência a José Yunes, ex-assessor de Temer que já foi citado na delação da Odebrecht.

No depoimento, Saud levou duas folhas com uma fotografia da casa impressa e apontou um detalhe que o preocupou: havia uma câmera instalada no local. Também levou uma foto do coronel que recebeu o dinheiro na caixa.

Florisvaldo, que fez a entrega na frente do imóvel, acomodando a caixa de dinheiro no carro indicado pelo coronel, contou que chegou a questioná-lo sobre a câmera. Ele também demonstrou preocupação com a eventual presença de pessoas no interior do escritório que pudessem vê-los. Mas o coronel sinalizou que não havia riscos.

O delator contou aos investigadores que estava num Corolla, de propriedade de Demilton, que também virou delator, mas não se lembra das características do veículo em que ele colocou o dinheiro. Segundo Florisvaldo, os recursos estavam no interior de uma “caixa grande”.

De acordo com Saud, foram entregues ao todo R$ 15 milhões a Temer durante a campanha de 2014 para serem redistribuídos a peemedebistas. O dinheiro saiu da “conta corrente” mantida pelo PT na JBS, que chegava a R$ 300 milhões e era alimentada por recursos do BDNES e dos fundos de pensão.

Dos R$ 15 milhões, Saud contou que Temer definiu a seguinte distribuição: R$ 2 milhões, por meio de caixa dois, para Paulo Skaf, que concorria ao governo de São Paulo; R$ 9 milhões “dissimulados” em doações oficiais ao diretório nacional do PMDB; e R$ 3 milhões para o ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Por fim, o valor de R$ 1 milhão para o próprio Temer. Skaf afirmou, em nota, que não recebeu “nenhum tostão” da JBS.

As reuniões com Temer para tratar da liberação do dinheiro ocorreram entre julho e outubro de 2014, segundo Saud. Uma delas, em agosto, foi no Palácio do Jaburu, residência oficial do vice-presidente. Em um dos encontros, Temer teria dito ao executivo que os R$ 3 milhões de Cunha seriam para “estancar uma crise” que estava começando. Questionado que crise seria essa, Saud não soube responder. Temer é suspeito de dar aval a Joesley Batista para manter os pagamentos a Cunha em troca do silêncio do ex-deputado.

Saud disse que Temer “atuou em diversas oportunidades em favor dos interesses das empresas do grupo”. E deu como exemplo a construção de um terminal de cargas no Porto de Santos tocado pela Eldorado, controlada pela empresa. Saud disse que visitou Temer no anexo do Palácio do Planalto em 2014 e pediu ajuda para retirar o embargo da obra, o que ocorreu uma semana depois.

 

O globo, n. 30602, 20/05/2017. País, p. 4