Procurador da Lava-Jato contesta intenções de Gilmar

Amanda Audi e Gustavo Schmitt

27/05/2017

 

 

Carlos Fernando não vê por que mudar prisão após segunda instância

O procurador da Lava-Jato Carlos Fernando dos Santos Lima disse ontem achar “inconcebível” que haja uma mudança de jurisprudência do Supremo Tribunal Federal em relação às declarações do ministro Gilmar Mendes sobre alterar a prisão após condenação em segunda instância. Para Carlos Fernando, a ideia representa um “desrespeito com os desejos da população de uma justiça penal eficiente”.

Gilmar defendeu abertamente nesta semana que o tribunal reveja a decisão, de fevereiro do ano passado, que determina o cumprimento da pena de prisão a partir da confirmação de condenação em segunda instância.

— Não vejo nenhum motivo teórico para que haja essa mudança. Não sei se ela vai ocorrer, desconheço os motivos, mas não creio que haja nenhuma mudança nos aspectos jurídicos do problema. Talvez estejam sendo decididas as questões por problemas nos últimos acontecimentos. Entretanto, isso não é suficiente para que se mude uma jurisprudência do STF. Não podemos confundir direito com circunstâncias fáticas — disse o procurador, em entrevista relativa à 41ª fase da Operação Lava-Jato.

Lima disse não acreditar que existam circunstâncias jurídicas que tenham alterado o entendimento de qualquer ministro do STF e lembrou que cada um tinha as suas razões sobre a questão, que foram expostas em mais de um julgamento. O procurador disse desconhecer quais seriam os “motivos fáticos” numa eventual alteração de posição, mas disse acreditar que Gilmar “talvez exponha esses motivos por ocasião de um novo julgamento”.

— Mas eu creio que a população espera do STF uma consistência do posicionamento anterior. Não é admissível, na minha opinião, que circunstâncias fáticas interpretativas dos últimos acontecimentos levem o tribunal a mudar uma jurisprudência que vem de encontro aos desejos da população de uma justiça penal mais eficiente.

Para ele, este tipo de questão “sempre interfere na Lava Jato”.

— Mas mais do que isso, ela interfere naquilo que nós temos como justiça penal. Não é possível uma justiça penal que nunca efetivamente seja cumprida, pelo menos em relação aos criminosos do colarinho branco — salientou Lima.

Já o juiz Sérgio Moro voltou a defender as prisões cautelares na Lava-Jato. Em despacho que autorizou a 41ª fase da operação, a “Poço Seco”, Moro disse que, se a corrupção é sistêmica e profunda, “impõe-se a prisão preventiva para debelá-la, sob pena de agravamento progressivo do quadro criminoso”.

Moro afirmou que o país já paga, atualmente, um preço elevado, com várias autoridades públicas denunciadas ou investigadas em esquemas de corrupção, “minando a confiança na regra da lei e na democracia”.

“Embora as prisões cautelares decretadas no âmbito da Operação Lava-Jato recebam pontualmente críticas, o fato é que, se a corrupção é sistêmica e profunda, impõe-se a prisão preventiva para debelá-la. Se os custos do enfrentamento hoje são grandes, certamente serão maiores no futuro. Não há como ocultar essa realidade sem ter que enfrentá-la na forma da lei”, escreveu Moro.

No início do mês, o STF determinou a soltura de quatro réus investigados pela Lava-Jato, entre eles o ex-ministro José Dirceu. Semanas antes, a corte já havia liberado o operador do PP João Genu e o pecuarista José Carlos Bumlai. A soltura deles gerou suposições de que outros investigados, que atualmente estão presos em Curitiba, voltariam à liberdade, o que poderia atrapalhar investigações e negociações de delações premiadas.

O procurador da Lava-Jato adotou tom semelhante a Moro durante a coletiva de imprensa.

— Não podemos permitir que as pessoas fiquem soltas e continuem movimentando esses valores. Precisamos não só processar as pessoas, mas recuperar os bens — disse Lima. (*Especial para O Globo)

“Eu creio que a população espera do STF uma consistência do posicionamento anterior (sobre segunda instância)” Carlos Fernando Lima Procurador da Lava-Jato

 

O globo, n. 30609, 27/05/2017. País, p. 4