Crise americana

Míriam Leitão

18/05/2017
 
 

A queda das bolsas e do dólar ontem em vários mercados mostra que a turbulência não é exclusiva do Brasil. Os EUA se tornaram outro fator de risco político. Em 2008, as ações e as moedas tiveram oscilações dramáticas por uma crise também nascida lá, mas era uma confusão financeira, causada pela quebra de um banco. A dúvida que sacode preços de ativos é sobre a continuidade ou não de um governo recente.

Uma personalidade errática como a de Donald Trump sempre é uma fonte de risco político e sobre ele a pergunta nunca foi se o presidente provocaria uma crise grave, mas quando seria isso. Aconteceu com apenas quatro meses de administração. Trump demonstrou desde a campanha sua enorme capacidade de criar conflitos. Sua relação com a imprensa tem sido de uma espantosa agressividade. A promiscuidade entre negócios privados da família e o exercício da presidência produziu alguns eventos desconcertantes como a primeira filha, Ivanka, fechando negócios em jantares oficiais. Mas é diferente quando a acusação é de que o presidente pode estar pondo em risco a segurança nacional americana. Eé o que aconteceu nos últimos dias.

Trump parecia estar se fortalecendo por ter conseguido algumas vitórias importantes para a agenda que o levou à Casa Branca, como a de acabar com o Obamacare. Até que o “Washington Post”, sempre ele, publicou a informação de que Trump teria compartilhado informações secretas com os russos, sempre eles.

O “New York Times” publicou na terça-feira as conversas com o ex- diretor do FBI, James Comey, o presidente teria tentado impedir a investigação sobre o exassessor de segurança nacional, Michael Flynn, ou seja, suspeitas de tentativa de obstrução da Justiça. A cada novo passo, ou mais uma desastrada reação da Casa Branca, fica claro que, para inúmeros países, hoje, a grande fonte de incerteza não é doméstica, mas importada dos Estados Unidos.

Entre os analistas do mercado financeiro, uma das razões para a forte oscilação dos ativos ontem foi o temor de que um possível impeachment do presidente americano cause impacto nas cotações de matériasprimas que poderiam se valorizar se ele cumprisse a promessa de um plano de US$ 1 trilhão de investimento em infraestrutura. Além disso há a insegurança de sempre diante da incerteza política. Esse governo terminará seu mandato? Como seria um governo Pence?

Na bolsas americanas, o Dow Jones caiu 1,7%. O S&P 500 recuou 1,8%. Na Alemanha, o principal índice perdeu 1,35%. Por aqui, o Ibovespa encolheu 1,6% após uma sequência de seis altas seguidas. O ouro como costuma acontecer em épocas de incertezas globais, já sobe 2,3% nessa semana. Os ativos financeiros foram os que mais caíram. O Morgan Stanley, Bank of America e Goldman Sachs tiveram quedas de 5%. Trump havia prometido desregulamentar o mercado financeiro e isso elevara os preços das ações dos bancos.

E o Brasil, antes mesmo do escândalo revelado ontem pelo GLOBO, já começava também a sofrer os efeitos, como sempre acontece. O CDS, custo do seguro contra o risco do país, estava em queda e subiu de 196 para 206 pontos em apenas um dia. E inverteu a tendência recente de queda. As ações da Vale caíram 2%, os papeis da Gerdau, 3,3%. Quando o momento é de crise, não importa onde é seu epicentro, sobe a aversão ao risco e isso faz com que investidores tirem dinheiro de países como o Brasil. As trapalhadas de Donald Trump acabam aumentando as dificuldades para os países mais vulneráveis. No mercado financeiro se diz que um impeachment é, ainda improvável, mas que só a discussão aumenta a aversão ao risco.

Para o Brasil uma crise externa, se ela se agravar, virá num mau momento, especialmente após as revelações de ontem. Não que haja hora boa para as crises, mas agora o país ainda está em recessão, precisando derrubar os juros num ritmo mais forte do que vinha ocorrendo para estimular a atividade e reduzir o nível de desemprego. O país tem ainda uma crise política difícil de debelar e enormes incertezas sobre que tipo de política econômica será implantada no país depois das eleições. Aqui já há problemas suficientes. Um ingrediente externo, desta dimensão, tornaria mais demorada a recuperação brasileira.

O globo, n. 30600, 18/05/2017. [ECONOMIA], p. 24