Valor econômico, v. 17, n. 4238, 19/04/2017. Política, p. A5

Governo não consegue aprovar urgência para reforma trabalhista

 

Marcelo Ribeiro
Raphael Di Cunto
Andrea Jubé
Fabio Murakawa

 

 

Com 27 votos a menos do que o necessário para ser aprovado, o requerimento de urgência da reforma trabalhista foi rejeitado ontem pela Câmara dos Deputados. O resultado, que pode ser considerado uma derrota para o governo Michel Temer, foi fruto de uma verdadeira trapalhada protagonizada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que encerrou a votação antes da hora.

Apenas 230 parlamentares votaram pela aprovação da proposta, enquanto 163 deputados foram contrários e um se absteve. Com a aprovação do projeto de recuperação fiscal dos Estados, o governo pretendia provar que o revés da votação da urgência foi apenas um deslize. O texto foi aprovado por 301 deputados, ante 127 votos contrários e sete abstenções.

Reunidos após o resultado, Temer e o ministro da Secretaria de Governo, Antonio Imbassahy, classificaram o desfecho como "ruim, mas superável", segundo um interlocutor do presidente. O ministro esteve com líderes da base aliada para analisar as chances de nova votação nesta quarta-feira.

Com o revés, a consequência prática é que a comissão terá de aguardar o prazo estabelecido para apresentação de emendas, que termina na próxima semana. Apenas depois que esse prazo expirar, Marinho poderá apresentar seu relatório final.

A derrota do governo foi atribuída a um momento de irritação e desatenção de Maia. Em meio aos protestos da oposição, o presidente da Câmara se ausentou da cadeira de presidente e foi substituído por alguns momentos pela deputada Luiza Erundina (PSOL-SP). Ao convocar a fala do relator da reforma trabalhista na comissão especial da Casa, o deputado Rogério Marinho (PSDB-RN), Erundina disse: "Com a palavra, o deputado Rogério Marinho, relator dessa desgraça". A afirmação da parlamentar do PSOL arrancou reações diversas dos parlamentares.

Ao retornar à Mesa, Maia encerrou a votação equivocadamente, sem perceber que não havia quórum suficiente para conseguir a aprovação do projeto.

Após a derrota, Maia reconheceu que errou ao concluir a votação de maneira repentina e afirmou que poderia ter aguardado pelo voto de cerca de 50 deputados que estavam presentes na Câmara. Maia afirmou que se algum líder apresentar um novo requerimento para que os parlamentares voltem a ser consultados sobre a urgência do projeto, ele submeterá o texto à deliberação do plenário. A expectativa do Planalto é que a votação seja retomada hoje.

"A votação aconteceu com um quórum baixo e eu encerrei num momento equivocado. Se a maioria dos líderes apresentar um novo requerimento, é uma decisão que pode ser pautada a qualquer momento, não há nenhuma prejudicialidade", lamentou Maia.

O relator da reforma trabalhista disse que houve açodamento do presidente da Câmara e que ele poderia ter esperado para encerrar a votação. Marinho afirmou que líderes devem apresentar um novo requerimento hoje. Antes disso, porém, será feito um diagnóstico, segundo relataram deputados governistas, para averiguar se a derrota de ontem pode ser atribuída apenas à desatenção de Maia.

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Ministro do Trabalho critica fim de imposto

 

O ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira (PTB), disse ontem que o governo "não pode surpreender o trabalhador" com a inserção, na reforma trabalhista, de pontos que não haviam sido acordados com entidades patronais e centrais sindicais no início do ano, quando encaminhou sua proposta ao Congresso Nacional.

Ele citou como exemplos o trabalho intermitente e o fim da contribuição sindical obrigatória, que o relator Rogério Marinho incluiu em seu parecer lido em comissão especial na semana passada.

"Precisamos manter a coerência naquilo que foi construído com trabalhadores e empregadores. E não houve consenso com relação ao trabalho intermitente. E também não houve a discussão no que diz respeito à contribuição sindical", disse o ministro. "É coerente por parte do governo não surpreender o trabalhador com pontos novos além daqueles que foram construídos como consenso."

Mais cedo, em um debate na Câmara, seu assessor direto Admilson dos Santos havia feito críticas a vários pontos do relatório de Marinho, como rescisão, bancos de horas, aprendizagem e trabalho intermitente. Após a audiência, Marinho disse a jornalistas que poderia alterar alguns pontos, mas que fazia questão de manter o fim do imposto sindical em seu parecer.

Para o ministro, os deputados têm "autonomia" para modificar a proposta. Mas isso não significa necessariamente que o presidente Michel Temer irá sancionar a íntegra do texto que for por eles aprovado. "O governo quer uma reforma que consolide direitos, dê segurança jurídica e gere empregos. O que o governo não pode é surpreender o trabalhador e o empregador no que diz respeito àqueles pontos que se sobrepõem àquilo que foi construído no acordo", afirmou. "Depois que a Câmara deliberar, aí o governo vai avaliar ponto a ponto, podendo vetar ou não."

Mais cedo, em audiência na Câmara, Admilson Moura dos Santos, assessor especial do ministro já havia feito críticas a diversos pontos da reforma, como rescisão, bancos de horas, aprendizagem e trabalho intermitente, que precisam ser "aprimorados".

A proposta que o governo encaminhou ao Congresso em janeiro previa a alteração em 12 pontos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). O Marinho, entretanto, modifica mais de cem artigos da legislação promulgada por Getúlio Vargas na década de 1940.

Uma crítica de Santos está relacionada à multa imposta às empresas por não registrarem seus trabalhadores. Na proposta do governo, ela subiria de R$ 402 para R$ 6.000, e R$ 1.000 para microempresas. O relatório baixou a R$ 3.000. Para Santos, dado que a CLT prevê desconto de 50% sobre o valor da multa caso a empresa autuada não recorra da punição, ela perderia o efeito de inibir essa prática.

Ao comentar uma alteração feita no artigo 5º da lei, Santos afirmou que a mudança "acaba com o banco de horas como nós conhecemos" e cria incentivo para que "todas as empresas migrem para o banco de horas individual". Atualmente, ele só pode ser pactuado mediante convenção coletiva de trabalho. Mas o substitutivo permite que banco de horas possa ser pactuado também através de acordo individual, "sem qualquer benefício extra, a não ser a limitação do período de seis meses".

Em relação ao trabalho intermitente, sua principal crítica é o caráter irrestrito dado por Marinho a essa figura, hoje inexistente na lei brasileira. Para ele, é preciso delimitar as áreas específicas e por quanto tempo o trabalho intermitente pode ser realizado. "Se permitirmos a intermitência sem salvaguardas, isso permitirá a troca de trabalhadores [contratados em regime regular] por outros em trabalho intermitente", afirmou.

Quanto à aprendizagem, Santos mostrou preocupação com um parágrafo inserido por Marinho no artigo 429 da CLT, determinando que o aprendiz que teve seu contrato transformado em contrato por prazo indeterminado fará parte do percentual de 5% a 15% de participação de aprendizes ante o quadro de trabalhadores das empresas. Segundo ele, essa modificação "tenderá a acabar com a aprendizagem na empresa".

Ele também criticou a supressão feita por Marinho de trechos da CLT que determinavam que a rescisão contratual só será válida quando feita perante o Sindicato ou autoridade do Ministério do Trabalho. Ou, na ausência deles, na presença de um juiz de paz.

Sem essa mediação, diz Santos, o trabalhador que não concordar com os valores oferecidos pela empresa no ato da demissão terá que se submeter um acordo extrajudicial ou entrar na Justiça contra a empresa, o que pode levar de oito meses a dois anos para ser concluído. "Só restará ao trabalhador entrar na Justiça ou fazer acordo extrajudicial", disse. "Isso pode forçar o trabalhador a aceitar qualquer coisa."


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Revolta na Câmara indica riscos para a Previdência

 

Raymundo Costa

 

A derrota do governo no pedido de urgência da reforma trabalhista fez soar todos os alarmes no Palácio do Planalto e pode estar ligado à divulgação da "Delação do Fim do Mundo". O maior receio do governo é com a reforma da Previdência, cujo relatório deve ser lido hoje de manhã em comissão especial da Câmara. Qualquer atraso será um sinal de problemas graves para a tramitação da proposta.

A rebeldia de ontem pode ter reflexo na votação da MP que acabou com as isenções fiscais. A medida preservou os meios de comunicação, hoje alvo da ira dos deputados devido à ampla divulgação que as delações da Odebrecht tiveram na imprensa. O governo acha que a rebelião deve ficar nisso e não espera ser surpreendido na reunião de hoje da comissão especial da Previdência. Mas nada leva a crer que a tensão de ontem, quando houve até invasão de policiais na Câmara, não venha a se repetir.

A rebeldia na Câmara, no entanto, parece ter causas mais profundas. Congressistas falam aos quatro cantos que contrataram o governo Temer para "estancar a sangria" da Lava-Jato, o que o Planalto não consegue e nem conseguirá entregar. Ficou provado semana passada. O Congresso sente-se descompromissado e cria dificuldades para entregar a agenda prometida por Temer.

Na cabeça do parlamentar, ele está sendo esculachado pelo Judiciário, a opinião pública e ainda é chamado a votar medidas impopulares de resultados de médio prazo e que somente serão sentidos quando já terá perdido o mandato.

Os deputados, também, já não temem ser abandonados pela máquina federal. A essa altura, não dá para o governo desencadear um amplo processo de esvaziamento das estruturas administrativas que eles ocupam nas suas regiões. A Câmara também aposta que o presidente Michel Temer não é de fazer represálias, como não era José Sarney (1985-1990).

As dificuldades mostram que o presidente da República terá que redobrar os esforços, se quiser a reforma da Previdência neste semestre, o que é pouco provável. O cenário mais aproximado para a finalização da reforma é setembro. Atrasos contínuos para votação na Comissão Especial e no plenário da Câmara não são um bom sinal.