Entrevista - José Eduardo Cardozo 

Mariana Sanches e Sérgio Roxo 

17/05/2017

 

 

‘Santana recebeu R$ 70 milhões. É muito dinheiro para ter esse caixa 2’

Ex-ministro da Justiça nega que tenha informado marqueteiro sobre pedido de prisão e afirma que não se surpreenderia com delação de Palocci

MARIANA SANCHES E SÉRGIO ROXO

Os marqueteiros João Santana e Mônica Moura acusam Dilma de saber de caixa 2 e pagamentos de campanha fora do país.

É totalmente inverossímil. Eu não participei da coordenação da campanha em 2014, mas a orientação da Dilma era muito clara em petit comitê: ‘não quero saber de discussão, na dúvida, não peguem contribuição, tudo transparente’. Ela dava essa ordem não apenas por convicção, mas porque estava no bojo de um processo em que isso (caixa 2), óbvio, daria problema. João Santana recebeu R$ 70 milhões declarados por uma campanha eleitoral. É muito dinheiro para ter esse caixa 2

Mas o João Santana negociaria diretamente com a Odebrecht pagamento sem que Dilma soubesse?

A Odebrecht financiava várias coisas para ele, várias campanhas em vários países. Isso, pelo menos, ele fala. Parece que ele tinha uma conta corrente com a Odebrecht. Esse dinheiro era necessariamente da campanha da Dilma ou era de outras situações? Será que se ele falasse que era de outras situações, ele conseguiria uma delação premiada?

E as acusações da Mônica Moura de que a Dilma sugeriu que mudassem a conta de país?

Ela imaginar que Dilma saiba qual o lugar mais seguro para depositar dinheiro é ridículo. Isso só sabe quem opera. Dilma vai dizer para João Santana como opera conta no exterior? Não tem cabimento.

Na campanha de 2010 houve caixa 2?

Eu participava da coordenação da campanha e minha função era cuidar do jurídico e acompanhar a presidente nas viagens. Eu nunca participei de reunião financeira. A orientação que a candidata tinha nunca foi de ter caixa 2. Eu nunca soube disso. Embora, historicamente, no Brasil se tenha caixa 2 desde que Pedro Álvares Cabral chegou aqui.

Mas a acusação é que pagaram até cabeleireiro com caixa 2?

Eu tenho que ver que diabo é isso. Que ela (Mônica Moura) tinha que pagar cabeleireiro para as produções, é óbvio que tinha. Ela recebia para isso.

As investigações apontam que o Antonio Palocci operava um esquema de arrecadação ilegal em 2010.

Eu fui testemunha do Palocci. Nunca vi nenhum indicador disso. É natural que o Palocci mantivesse contato com empresários. Ele havia sido ministro da Fazenda, era ovacionado pelo mercado. Agora, a arrecadação eu sempre soube que era o José de Filippi (tesoureiro da campanha).

Qual a sua expectativa para a delação do Palocci?

Esperar para ver.

Surpreendente ele delatar?

Deixei de ter surpresas neste processo há algum tempo.

Como vê as acusações dos marqueteiros de que o senhor teria vazado a informação sobre a prisão deles?

As delações têm contradições delicadíssimas. Uma coisa que é indiscutível é que o ministro da Justiça recebe informação da operação no momento da deflagração.

E quando a presidente era informada?

Assim que eu sei, até por dever de ofício, eu ligo para a presidente Dilma. Ela é extremamente cuidadosa no telefone. Das operações, nem com os ministros comentava.

Ela temia ser grampeada?

Muito.

Mas pela Justiça?

Não. A desconfiança dela é que poderia ser grampeada por razões políticas, por adversários, por investigados que queriam prejudicá-la. Ela tinha muitas cautelas. Então ela pega um telefone e liga (para Santana)? Por que ela montou, então, um esquema de e-mails se vai usar o telefone?

O e-mail existia?

Nunca soube disso.

Dilma ligou para avisar João Santana?

Ela (Mônica) diz que recebeu uma mensagem, que essa mensagem não estava clara se era sobre a prisão, e que depois Dilma pede um telefone seguro, liga para o João Santana e diz que ele ia ser preso, porque o José Eduardo Cardozo viu o papel (mandado de prisão) rolando pelas mesas. O ministro da Justiça vai ficar andando pelas mesas da Polícia Federal procurando mandado? Segundo: mandado de operação sigilosa largado em cima da mesa? É uma versão grotesca. Que coisa ridícula. Terceiro: o João Santana desmente ela (Mônica) e diz que ninguém no governo o avisou.

O PT sempre reclamou do excessivo poder do João Santana no governo.

A Dilma tinha uma relação de amizade com o João. Com a Mônica, eu não sei. Acho que não. Mas com o João, visivelmente, ela gostava dele, o admirava, trocavam indicações de leitura.

O senhor será candidato no ano que vem?

Não tenho a menor intenção de participar da eleição de 2018. Esse tipo de situação que acontece no Brasil expulsa as pessoas da vida pública.

Que autocrítica o PT deve fazer?

Defendo a refundação do partido desde o mensalão.

Mas refundação nunca acontece...

Temos que ter claro que companheiros que incorrem em desvios éticos não podem ser defendidos. Mecanismos internos de apuração têm que ser criados. Já propus a criação de uma corregedoria do PT.

Se tivesse essa corregedoria, o Lula teria que ser investigado, não?

Mais investigado do que o Lula, não tem. Não precisa investigar o Lula neste momento. Ele está sendo investigado (pelo MPF). Não posso punir uma pessoa por estar sendo perseguida politicamente.

Como avalia a candidatura do Lula em 2018?

Ele é o melhor candidato, não tem outro na esquerda.

Não seria premiar uma má conduta?

Que partido teria um candidato hoje que não estaria numa situação correlata? As acusações que pesam sobre outros presidentes partidários são muito mais graves que um tríplex.

Passado um ano do impeachment, qual foi o principal erro que vocês cometeram?

Foi confiar demais no PMDB. Ignorávamos que o Eduardo Cunha tinha uma articulação com os ministros do PMDB e com o próprio vice-presidente, a ponto de Dilma dar a coordenação política a Michel Temer. E essa articulação política foi usada para derrubá-la.

 

O globo, n. 30599, 17/05/2017. País, p. 4