SEM PUNIÇÃO

Carolina Brígido

André de Souza

Eduardo Bresciani

10/06/2017

 

 

Por 4 votos a 3, ministros do TSE ignoram provas e livram Temer da cassação

Depois de quatro dias de julgamento, e mesmo depois de reconhecer a existência de graves crimes pela chapa vitoriosa na eleição de 2014, a maioria dos ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu ignorar as provas e absolveu o presidente Michel Temer e a ex-presidente Dima Rousseff.

Por quatro votos a três, os ministros deixaram de fora as evidências mais contundentes do processo, as delações de executivos da Odebrecht e dos marqueteiros João Santana e Mônica Moura. Eles entenderam que elas não poderiam ser levadas em conta porque significariam uma ampliação indevida do objeto inicial do processo, aberto em dezembro de 2014. Com a decisão, Temer ganhou fôlego para tentar se manter no cargo, apesar da grave crise política instalada no país.

O desprezo às provas abriu caminho para a absolvição, que já estava delineada nos bastidores da Corte antes mesmo de começar o julgamento. A decisão também libera Dilma e Temer para concorrerem às próximas eleições. Maior defensor da absolvição ao longo do julgamento, o presidente do TSE, Gilmar Mendes, foi o responsável pelo voto de Minerva após o empate em 3 a 3. Ele referiu-se a “golpes engendrados na calada da noite”, defendeu o mandato dos governantes e disse que cassação deve ocorrer apenas em “situações inequívocas”.

— Não é fricote processualístico que se quer proteger, é a questão do equilíbrio do mandato. Não se substitui um presidente da República a toda hora, ainda que se queira — disse Gilmar Mendes.

O ministro reconheceu, no entanto, que as práticas da campanha foram graves:

— Tudo isso é deplorável, todo esse sistema, o envolvimento de ministro da Fazenda com caixa de campanha é deplorável. A ideia de ter um crédito por conta de uma medida provisória merece todo o repúdio. É chocante, não há palavras para descrever tudo o que se praticou.

“SAFADEZAS"

Também votaram pela absolvição os ministros Napoleão Nunes Maia, Admar Gonzaga e Tarcisio Vieira, esses dois últimos indicados pelo presidente Temer. Desde o início do julgamento, na terça-feira, o grupo já dava mostras claras de que não consideraria os depoimentos de executivos da Odebrecht e dos marqueteiros no processo. E que, apesar de haver elementos demonstrando a gravidade dos fatos ocorridos, a Justiça Eleitoral não seria o lugar adequado para uma condenação.

— As safadezas praticadas na campanha serão apuradas na mão do juiz reputado, criterioso, atento, operoso e incansável que é o juiz Sergio Moro. Essas pessoas têm que ser punidas — disse Napoleão, em referência ao magistrado que conduz a Lava-Jato na primeira instância.

Tarcisio afirmou que houve fraude nas contratações de gráficas para a campanha — que teriam consumido R$ 56 milhões dos cofres da chapa sem conseguirem comprovar a prestação de todo o serviço prometido.

— Ainda que constatadas irregularidades nas empresas gráficas, não vislumbro gravidade para cassar mandato eletivo — alegou.

Admar Gonzaga afirmou que há comprovação da existência do esquema de desvio de recursos da Petrobras para partidos políticos, mas que não havia provas de que esses recursos abasteceram a campanha da chapa Dilma-Temer. Depois de deixar claro que não consideraria as delações da Odebrecht no processo, Admar recorreu a um trecho do depoimento de Marcelo Odebrecht para absolver a chapa.

— As declarações de Marcelo Odebrecht não têm relação, nem mesmo indireta, com o que é narrado na inicial: a doação oficial de contratadas da Petrobras — afirmou Admar.

Gilmar Mendes rebateu as afirmações de colegas de que defendeu a continuidade das investigações em 2015, quando o principal alvo da ação era Dilma.

— O que eu achava importante era conhecer as entranhas desse sistema. Não imaginava cassar Dilma Rousseff no TSE — afirmou.

O voto do relator, Herman Benjamin, foi proferido ao longo dos quatro dias de julgamento e foi seguido pelos ministros Rosa Weber e Luiz Fux — que, ao votar, fez uma derradeira tentativa de convencer algum colega do time oposto.

— A sociedade vive um pesadelo pelo despudor dos agentes políticos que, violando a soberania popular e a vontade intrínseca do povo, fizeram justamente aquilo que o cidadão, em especial o eleitor, não desejava. O ambiente político hoje está severamente contaminado e a hora do resgate é agora — disse Fux.

Adepta de votos curtos, Rosa abriu exceção diante das provas, que considerou abundantes.

—É o financiamento indireto da campanha via Petrobras, com propina. É abuso, que não pode ser tolerado pela Justiça Eleitoral.

 

Contra a cassação
 

GILMAR MENDES.

“Temos que ter muito cuidado com as instituições. Estamos agora nos avizinhando dos 30 anos da Constituição. Não devemos brincar de aprendizes de feiticeiro. Não tentem usar o tribunal para resolver crise política. O tribunal não é instrumento. Resolvam seus problemas. Não se substitui um presidente a toda hora, mesmo que se queira”.

NAPOLEÃO MAIA.

“Meu voto é no sentido de não dar por provada a imputação. Em face disso, a ideologia garantista a meu ver tem uma perfeita oportunidade para sua afirmação. Ouso divergir do relator. Voto pela improcedência total”.

ADMAR GONZAGA.

“Não há prova segura e cabal de que as doações para a campanha de 2014 tenham decorrido do esquema de propina que ocorreu na Petrobras, nem que os recursos repassados pelas empresas tenham ocorrido de forma ilegal”.

TARCISIO VIEIRA.

“Comungo da percepção do Ministério Público Eleitoral de que ficou demonstrado um esquema duradouro de distribuição de propina. Mas não ficou comprovado de forma cabal o incremento na campanha de 2014”.

O globo, n.30623 , 10/06/2017. PAÍS, p. 3