Tranquilidade no mercado

Ana Paula Ribeiro 

08/06/2017

 

 

Mesmo com crise política, analistas veem ajuste fiscal como irreversível

Para analistas, efeitos da reforma da Previdência são de longo prazo, e atraso de alguns meses não preocupa

-SÃO PAULO- Mais do que a expectativa de absolvição do presidente Michel Temer pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o que mantém uma certa tranquilidade nos mercados financeiros em meio à atual crise política é a convicção de que a economia, pior do que está, não fica. Depois de dois anos de forte retração do Produto Interno Bruto (PIB), o único caminho vislumbrado é o de recuperação dos indicadores econômicos, mesmo que demore mais do que o esperado até às vésperas da divulgação do conteúdo da delação premiada dos executivos da JBS. O ajuste fiscal é visto pelo mercado como algo irreversível, mesmo que a passos mais lentos.

Os sinais da recuperação ainda são incipientes e pouco visíveis para a maior parte da população — afinal, o desemprego atinge mais de 14 milhões de pessoas e vai ser o último indicador a melhorar. Mas para os agentes do mercado financeiro, o que importa é antecipar-se aos movimentos. Se a economia vai crescer de forma mais evidente apenas em 2018, então compra-se o ativo (ação, moeda ou algum outro título) hoje para lá na frente colher os ganhos do processo de recuperação.

Claro que caíram os preços dos ativos, mas não na mesma dimensão da gravidade da crise política que envolve presidente e políticos da base aliada. Até o dia 17 de maio, quando foi revelada parte do conteúdo da delação premiada da JBS, o dólar oscilava entre R$ 3,10 e R$ 3,15, o Ibovespa, principal índice de ações da Bolsa, estava em torno dos 70 mil pontos, e os contratos de juros com vencimento em janeiro de 2018 eram negociados por 9% ao ano. Ontem, a moeda americana fechou o dia cotada a R$ 3,273, com leve recuo de 0,15%, o Ibovespa subiu 0,34%, para 63.170 pontos, e os juros futuros estavam em 9,32%. Essa leve deterioração mostra que as incertezas aumentaram, mas não a ponto de tirar o país do que é considerado pelo mercado como o “caminho correto” (controle de gastos públicos, menor intervenção estatal e regras claras).

E quem está dando suporte para evitar piora maior na definição de preço dos ativos são os estrangeiros, que desde o estrondo de 17 de maio que abalou o cenário político, vêm aplicando uma cifra expressiva de recursos no país. As aquisições de ações superaram as vendas em R$ 2,147 bilhões em maio. No ano, o saldo acumulado é de R$ 5,659 bilhões. Esse movimento é importante, porque os estrangeiros respondem por pouco mais da metade dos negócios na Bolsa.

A razão desse interesse pelo Brasil está no fato de que, com a forte queda do Ibovespa, no dia 18 de maio, e a alta do dólar, ficou mais barato para o investidor estrangeiro ir às compras aqui — com as ações mais baratas e o dólar mais forte ante o real. Com a mesma quantidade de moeda que tinha antes, foi possível comprar um volume maior de papéis. Não é à toa que desde a delação da JBS, somente em três pregões as vendas de ações por estrangeiros superaram as compras — sendo que um deles foi o último dia de maio, quando são ajustadas as carteiras dos grandes gestores.

Do ponto de vista econômico, é realmente difícil imaginar um cenário ainda pior do que se viu por aqui em 2015 e 2016, quando as retrações do PIB chegaram a 3,8% e 3,6%, respectivamente. Depois de tamanha depressão, crescer fica mais fácil, pois parte-se de uma base muito menor. Como já não ostenta mais o grau de investimento, alterações nas notas de crédito (rating) do país pelas agências de avaliação de risco, mesmo que negativas, não causam os mesmos estragos na Bolsa e no dólar como se viu em 2015, quando o país foi excluído do clube de bons pagadores.

Aos poucos ainda, já podem ser vistas algumas melhoras resultantes das ações da equipe econômica liderada pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. O que dá um certo conforto de que os avanços esperados vão acontecer. A inflação está em clara trajetória de queda, favorecida pelo desemprego elevado e pela recessão da economia (sem emprego, menos pessoas compram e por isso não há espaço para indústrias e varejistas elevarem seus preços). A inflação baixa dá um alívio no bolso dos consumidores.

As taxas de juros também devem continuar caindo — saíram de 14,25% ao ano, em outubro do ano passado, para os atuais 10,25%, podendo chegar a algo em torno de 8,5% até dezembro. Assim, os brasileiros endividados tendem a gastar menos no pagamento de prestações e, quem quer investir vai conseguir pegar dinheiro no banco a um custo menor — favorecendo os investimentos em infraestrutura, outro foco dos investidores estrangeiros.

A incerteza maior paira sobre a aprovação das reformas. Para os analistas, a trabalhista deve sair. A Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado aprovou, na terça-feira, o texto que veio da Câmara dos Deputados, o que foi encarado como um indicativo de que o Congresso segue trabalhando. Além disso, o presidente do Congresso, Eunício Oliveira (PMDB-CE), sinalizou que atenderá o pedido do governo e acelerar a sua tramitação.

A reforma da Previdência, tida como a mais importante, continua em discussão na Câmara — por ser uma emenda constitucional, porém, terá de ser aprovada em dois turnos nas duas casas, por ao menos três quintos dos parlamentares. Ela pode até demorar mais para sair, mas a avaliação é de que a situação fiscal do país está tão debilitada que é uma reforma que será feita, se não agora, pelo próximo presidente — seja ele um substituto indireto de Temer ou aquele escolhido nas urnas em 2018. Como os efeitos dessa reforma são previstos para o médio e longo prazo, o atraso de alguns meses ou um ano não significaria muito.

Mesmo longe dos estragos que eram esperados, os analistas recomendam cautela com o imbróglio político. Da mesma forma que o investidor estrangeiro se interessou pelo Brasil, ele pode dar meia volta a qualquer momento, e o jogo vira.

 

O globo, n. 30621, 08/06/2017. Economia, p. 20