Valor econômico, v. 17, n. 4239, 20/04/2017. Opinião, p. A15

A outra reforma

 

Mario Mesquita

 

Avança no Congresso, com menor projeção e, aparentemente, menor engajamento do governo, uma reforma que pode alterar profundamente instituições importantes de nossa economia, notadamente no que tange ao mercado de trabalho. A reforma trabalhista pode ser votada antes da previdenciária, e tende a ter efeitos de longa persistência.

A reforma trabalhista tem dois blocos centrais: esclarecer, do ponto de vista legal, o papel das negociações entre empresas e empregados e eliminar o imposto sindical.

Em primeiro lugar, cabe avaliar se a legislação trabalhista, estabelecida pelo governo Vargas nos anos 1930, sob inspiração da legislação vigente na Itália fascista, merece atualização. Há, de fato, evidências que apontam nessa direção. Em primeiro lugar, a visão profissional dominante entre os economistas indica que uma legislação trabalhista mais rígida leva, todo o resto sendo igual, a maior desemprego, informalidade e incerteza jurídica e, assim, a crescimento menor - claro que a incerteza jurídica é vista com bons olhos por aqueles que se beneficiam da judicialização, mas o que esta minoria ganha, a sociedade, como um todo, tende a pagar.

Há sinais que a legislação trabalhista brasileira é de fato rígida. Um indicador de regulamentação do mercado de trabalho, calculado pelo Banco Mundial, mostra que, utilizando dados de 2009, nosso arcabouço legal é mais rígido no que se refere a barreiras à contratação, regulação do horário de trabalho e limites à flexibilidade de demissão do que o vigente em todas as principais economias da região - não se trata, assim, de comparar o Brasil com países com culturas muito diferentes, que têm outro tipo de preferência social pela regulação do mercado de trabalho (Banco Mundial http://portugues.doingbusiness.org/Methodology/Labor-Market-Regulation).

(...)

Os custos de contratação são elevados, correspondendo a cerca de 27% dos salários, em média, ante 21% na OCDE e 16% na América Latina e Caribe (Informalidade no mercado de trabalho brasileiro: uma resenha da literatura, G. Ulyssea, Revista de Economia Política, 2006). Este mesmo autor, em trabalho de 2008, mostra que uma queda do imposto sobre a folha de pagamento de 27,5% para 10% no Brasil levaria a: uma redução de 5 pontos percentuais do nível de informalidade, uma redução de aproximadamente de 7 pontos percentuais na taxa de desemprego; aumento do rendimento médio de 16%, mas com uma diminuição de 50% da arrecadação (mesmo com o aumento do produto do setor formal). Outros trabalhos acadêmicos mostram que uma legislação mais flexível favoreceria o aumento da contratação, em especial pelas empresas menores.

Há pesquisas acadêmicas, também, sobre o custo da informalidade, associado à uma legislação mais rígida. Djankov e Ramalho (2008) mostram que países em desenvolvimento que têm maior rigidez trabalhista estão associados com um setor informal maior e maior desemprego, especialmente entre os jovens: 1- Um aumento de 10% no índice de rigidez de emprego aumenta em 0,9 p.p. o tamanho do setor informal e 2- está associado a um aumento de 0,7 p.p. na taxa de desemprego (1,3 p.p. no desemprego de jovens e 1,7 p.p. no desemprego de mulheres jovens).

Loyaza (1996) mostra que o tamanho do setor informal depende positivamente da quantidade de impostos pagos e restrições no mercado de trabalho e negativamente da qualidade das instituições públicas. A informalidade milita contra o investimento em treinamento da mão de obra e, assim, inibe ganhos de produtividade e é prejudicial para o crescimento.

Existe no Brasil também a questão do imposto sindical - aquele dia de trabalho que, tal como uma corveia, o trabalhador brasileiro contribui anual e obrigatoriamente ao sindicato de sua categoria profissional, quer ela ou ele queira ou não. Ninguém pode ser contra o direito à participação em sindicatos, mas daí à cobrança compulsória de um imposto, que financia entidades não governamentais, vai uma distância muito grande. Note-se que o imposto sindical recai também sobre empresários, inclusive pequenos proprietários rurais, que o Congresso quer, a julgar pelo que vem sendo reportado na imprensa, preservar da reforma da Previdência (porque não trocar o imposto sindical pela contribuição previdenciária?).

Como o cerne da reforma é reforçar o papel das negociações entre empresas e empregados, normalmente mediadas pelos sindicatos, a sindicalização voluntária tende a aumentar, e com isso as contribuições voluntárias. Entretanto, o noticiário mais recente indica que a manutenção da contribuição sindical obrigatória poderia servir como "moeda de troca" para a aprovação de outras reformas, e até a forçar o trabalhador a participar mais intensamente das negociações sindicais, de novo, quer ela ou ele queira ou não - mantendo o lamentável viés paternalista e autoritário do marco legal existente.

Os opositores da reforma trabalhista têm utilizado linguagem bastante carregada para criticá-la, mas não parecem ter muitas sugestões construtivas para melhorar a legislação. Aprimorar a legislação trabalhista, o que a maioria do Congresso parece ter em mente, é muito diferente de eliminá-la por completo, o que de resto seria socialmente inaceitável e economicamente indesejável. O tema evidentemente se presta a uso político, mas justamente por sua importância social merece um debate mais sereno e técnico.