Título: Desaparecidos
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 19/01/2012, Mundo, p. 18

Conheça a história de alguns dos 22 passageiros e tripulantes que não foram encontrados após o acidente com o navio Costa Concordia. Familiares e amigos agarram-se à esperança de voltar a vê-los com vida, mas a Guarda Costeira considera as chances reduzidas

A italiana em lua de mel separou-se do marido, durante o pânico, e desapareceu. O baterista teve um gesto de altruísmo e salvou uma pequena vida, mesmo diante da concreta possibilidade da morte. Uma francesa que ganhou a viagem como presente de aniversário ainda teve tempo de enviar uma mensagem pelo celular, para familiares, e descrever o caos. Um pai divorciado apostou em momentos especiais com a filha, que acabara de completar cinco anos, em uma viagem diferente.

Esses são alguns dos 22 passageiros e tripulantes ainda desaparecidos após o naufrágio do transatlântico Costa Concordia. Não são apenas estatística: eles se revestem de contornos humanos e dramáticos. O porta-voz da Guarda Costeira da cidade italiana de Livorno, Andrea Gori, admitiu ao Correio que é provável, porém difícil, encontrar sobreviventes mais de 120 horas depois do acidente. "Uma parte do navio não ficou submersa e pode concentrar pessoas. Mas elas teriam que fazer ruídos e, ontem (terça-feira), os bombeiros realizaram escutas no casco e nada captaram", afirmou.

"Eu apenas quero lhes informar que temos coletes salva-vidas. Todas as pessoas estão se empurrando para entrar nos botes. É uma b...", dizia a mensagem enviada por Mylène Liztler, por volta das 23h da última sexta-feira, aos pais, Alain e Brigitte, moradores de Sarcelles — ao norte de Paris. A francesa e o namorado, Mickeal Blemand, viajaram para comemorar o 23º aniversário dela. Em entrevista à reportagem, Elodie Humenny contou que a vendedora Mylène estava empolgada com o cruzeiro. "Mylène é uma pessoa forte, que tem um grande coração e que me escuta o tempo todo", acrescenta a amiga, sem ousar empregar o verbo no passado. Vendedora de artigos esportivos, Mylène fez natação. "Ela e o namorado estão vivos. Talvez em um bote salva-vidas, em uma ilha", espera Elodie.

Desde outubro, o italiano Giuseppe Girolamo, 30 anos, tocava bateria na banda Dee Dee Smith, uma das atrações do Costa Concordia. Apaixonado por música e por pôquer, transformou-se em herói. No momento em que o transatlântico tombava, testemunhas contaram que ele cedeu o salva-vidas a uma mãe com um bebê, sem mensurar os riscos. Desde então, não foi mais visto. A luta pela sobrevivência acabou por determinar que o italiano Vincenzo Rosseli, 40 anos, conseguisse se salvar.

A mulher, Maria D"Introno, 30, desapareceu na madrugada de sábado. Ambos escolheram o Costa Concordia para a lua de mel e para celebrar as bodas de ouro de um familiar. Vincenzo e parentes pularam no mar e venceram a nado os 230m até a Ilha de Giglio. Maria tinha pavor de água. O amor de um pai pela filha pode ter selado o destino de Williams Arlotti, 34, e Dyana, 5. Divorciado, o italiano recebeu o aval da ex-mulher para levar a pequena ao passeio. A atual esposa, Michela Marconcelli, alcançou a terra firme, após se separar dos dois. "Subi no bote, mas estava um caos. Perdi contato com Williams. Ouvi alguém gritar "Jogue uma corda para ele". Fiquei petrificada ao perceber que falavam dele", relatou Michela ao jornal britânico Daily Mail. O baterista Giuseppe Girolamo (alto, à esquerda) cedeu um colete de salva-vidas a uma criança; Mylène (acima, com o namorado, Mickeal) enviou um SMS aos parentes em meio ao caos; divorciado, o italiano Williams decidiu levar a filha, Dyana, para o passeio em alto-mar (E); recém-casada, Maria D,Introno tinha pavor de água (embaixo, à esquerda); e a peruana Erika Molina (D) trabalhava como garçonete no navio

"Quando menos esperar, algo genial pode chegar, algo melhor do que planejaste." O texto ilustra o perfil da peruana Erika Fani Soria Molina, 25 anos, formada em turismo pela Universidade de Cusco em 2008. A garçonete do Costa Concordia embarcou em 12 de novembro para sua terceira viagem de cruzeiro. Um passageiro a viu saltar sobre um dos botes salva-vida, mas não sabe se ela caiu no mar.

Corpo As esperanças de alguns foram substituídas pela dor. No Facebook, amigos choravam a morte do violinista húngaro Sándor Féher, 38 anos, cujo corpo foi identificado ontem pela mãe. Antes da notícia, um amigo de Sándor contou ao Correio que ele era "engraçado, boêmio, inteligente e tinha vários planos". "Ele ama sua família e tem um irmão, que busca desesperadamente por ele", disse. A procura terminou com um lamento de István Fehér. "Tristeza é a única esperança que outras famílias não tenham que experimentar. Sándor Féher, meu irmão, morreu", escreveu.

O promotor de Grosseto, Francis Verus, anunciou que apelará da decisão da juíza Valeria Montesarchio de conceder prisão domiciliar a Francesco Schettino, capitão do Costa Concordia. Segundo o jornal Il Corriere della Sera, Verus teme que o comandante fuja. A magistrada revelou que Schettino ficou sobre o cais, em Giglio, vendo o navio afundar.

O porta-voz da Guarda Costeira admite preocupação com o tempo. "Para hoje, haverá ondas grandes, e isso nos incomoda, pois o Costa Concordia tem se movido", disse Andrea Gori. O ministro do Meio Ambiente, Corrado Clini, confirmou que o combustível do navio já causa um dano ecológico "muito contido e relativo ao fundo marítimo da ilha". "Estamos em uma situação-limite, porque o navio é instável. O risco é para toda a costa do Mar Tirreno", declarou. O premiê italiano, Mario Monti, disse que a tragédia "poderia e deveria ter sido evitada" e assegurou que se esforça para conter um desastre ambiental.