Freio no tribunal
Carolina Brígido e André de Souza
02/06/2017
 
 
Após pedido de vista, decisão do STF sobre fim do foro é adiada por tempo indeterminado

-BRASÍLIA- Diante da ameaça real de verem aprovada a proposta que restringe o foro privilegiado, uma minoria de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) articulou nos bastidores um pedido de vista para adiar a decisão para o futuro, em data indeterminada. A tendência era de que a maioria na Corte votasse pela mudança na atual regra, deixando no STF apenas processos sobre crimes cometidos por autoridades no exercício do cargo, por fatos diretamente relacionados à função pública. A consequência prática seria a transferência de boa parte das ações da Lava-Jato para a primeira instância do Judiciário.

Na quarta-feira, votou apenas o relator, Luís Roberto Barroso. Ontem, Alexandre de Moraes falou no plenário por uma hora e meia. Deu a entender que votaria contra a proposta de Barroso, mas, ao fim, pediu vista. Incomodados com a atitude, três ministros do STF que também queriam a mudança na regra do foro resolveram antecipar seus votos, em um ato de apoio a Barroso. Até mesmo a presidente, Cármen Lúcia, que não costuma agir dessa forma, votou depois do pedido de vista. Os ministros Marco Aurélio Mello e Rosa Weber seguiram pelo mesmo caminho.

Sem citar nomes, Barroso fez uma referência ao caso do ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Moreira Franco, para defender a restrição de foro. Moreira foi nomeado ministro pelo presidente Michel Temer após ser citado na delação da Odebrecht, o que foi interpretado como uma blindagem. Como ministro, ele só pode ser julgado no STF, escapando, por exemplo, do juiz federal Sergio Moro.

— Basta verificar que distribuem-se cargos com foro no Supremo para impedir o alcance da Justiça de primeiro grau. É só ler os jornais — afirmou Barroso.

— Foro não é escolha, prerrogativa não é privilégio. O Brasil é uma República na esteira da qual a igualdade não é opção, é obrigação, e essa desigualação que é feita inclusive para a fixação de competência para os tribunais, portanto, definição de foro, se dá em razão de circunstâncias muito específicas — disse Cármen Lúcia.

Pela proposta de Barroso, a autoridade deve ser investigada pelo foro correspondente ao cargo ocupado na época em que o suposto crime foi cometido, desde que haja conexão direta dos fatos com a função pública. Pela Constituição, senadores, deputados, ministros de tribunais superiores e o presidente da República devem ser investigados pelo STF. Mas, se um ocupante desses cargos for acusado de assassinato, por exemplo, o julgamento deveria ocorrer na primeira instância.

MORAES: REFLEXOS EM OUTRAS QUESTÕES

O ministro Marco Aurélio Mello concordou em parte com a proposta. Ele só discordou do relator em relação a um ponto específico. Para Barroso, se as investigações já tiverem sido concluídas e o processo estiver pronto para ser julgado, o caso ficaria no STF, mesmo que a autoridade deixasse o cargo. Para Marco Aurélio, se a autoridade deixar o cargo, o processo deve seguir para a primeira instância de forma definitiva. Rosa Weber, assim como Cármen Lúcia, concordou integralmente com o relator.

Pelo menos outros dois votos são esperados para o time do relator: Luiz Fux e o relator da LavaJato, Edson Fachin. Durante o julgamento, embora não tenham votado, os ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski deram opiniões contrárias à mudança da regra do foro.

Gilmar acusou o Ministério Público Federal de abrir inquéritos sem fundamento suficiente e, depois, os investigadores não oferecem denúncia, nem pedem o arquivamento. Por isso, defendeu que o STF não atue automaticamente, abrindo todos os inquéritos pedidos pela PGR; mas que faça uma análise prévia dos fatos.

— Eu tenho um caso relativo a um senador que foi prefeito e que está tramitando há 12 anos. É evidente que não tem perspectiva, a Procuradoria teria que oferecer a denúncia ou pedir arquivamento, mas esses processos ficam por aí. Até porque, politicamente, é muito difícil para a Procuradoria pedir agora o arquivamento. Abre-se um inquérito absolutamente implausível que fica anos — reclamou.

Moraes disse que pediu mais tempo porque a decisão terá impacto sobre outras questões.

— Não se trata meramente de uma norma processual, mas de um complexo de garantias que têm reflexos importantíssimos. A alteração de uma é mais ou menos como aquele jogo de varetas. Ao mexer uma vareta, você mexe as demais — disse Moares. — Entendo que não é possível analisar a questão só do ponto de vista “o foro é aqui ou ali”. Há uma série de repercussões institucionais importantíssimas no âmbito dos três poderes e do Ministério Público. Questões relevantíssimas foram trazidas pelo brilhante voto do ministro Barroso que trazem esses reflexos. Eu pretendo analisar melhor cada um deles. Em virtude disso, eu peço vista.

Mesmo sem ter votado, Fux destacou que o STF não é o local mais adequado para julgar as várias ações penais e inquéritos abertos contra autoridades com foro, diante da grande quantidade de outros tipos de processo na Corte. Já as varas criminais de primeira instância, disse Fux, são voltadas especificamente para questões penais.

Já no Congresso, a proposta de emenda constitucional que acaba com o foro para cerca de 54 mil políticos, aprovada pelo Senado, não tem prazo para ser analisada pela Câmara. O presidente Rodrigo Maia (DEM-RJ) afirmou ontem que a tramitação da PEC será normal, o que, na senha política, quer dizer que também poderá se estender por tempo indeterminado.

 

O globo, n. 30615, 02/06/2017. País, p. 3