A PRIMEIRA CONDENAÇÃO

Cleide Carvalho

14/06/2017

 

 

Moro determina pena de 14 anos de prisão a Sérgio Cabral por propinas no Comperj

 

Réu em dez processos que investigam esquemas de corrupção no Estado do Rio, o ex-governador Sérgio Cabral foi condenado ontem pela primeira vez: 14 anos e dois meses de prisão pelos crimes de lavagem de dinheiro e corrupção. Ao assinar a sentença, o juiz Sergio Moro destacou a “ganância desmedida” de Cabral, o que resultou, ainda segundo o magistrado, na situação de falência do estado e no “sofrimento da população e de servidores públicos”. Cerca de 200 mil funcionários ativos, aposentados e pensionistas estão sem receber salários há dois meses. Cabral está preso desde novembro de 2016.

“Não se pode ignorar a situação quase falimentar do governo do Rio de Janeiro, com sofrimento da população e dos servidores públicos, e que ela, embora resultante de uma série de fatores, tem também sua origem na cobrança sistemática de propinas pelo ex-governador e seus associados, com impactos na eficiência da administração pública e nos custos dos orçamentos públicos”, escreveu Moro na sentença.

Em seguida, o juiz afirmou que Cabral traiu a confiança do eleitorado fluminense: “(...) Não pode haver ofensa mais grave do que a daquele que trai o mandato e a sagrada confiança que o povo nele deposita para obter ganho próprio. Ademais, as aludidas circunstâncias da cobrança da vantagem indevida, que se inserem em um contexto maior de cobrança de propina sobre toda obra realizada no Rio de Janeiro, indicam ganância desmedida, o que também merece reprovação especial. Agiu, portanto, com culpabilidade extremada”.

Cabral foi condenado por receber R$ 2,7 milhões em propinas das obras de terraplanagem do Complexo Petroquímico de Itaboraí, o Comperj, com base em provas e depoimentos de delações de executivos da construtora Andrade Gutierrez. Eles afirmaram ter feito acertos de propina em reuniões nos salões do Palácio Guanabara, sede oficial do governo. Nas alegações finais, a defesa do exgovernador disse que ele deixou a população do Rio em um “momento extraordinário”.

 

CONFISCO DE R$ 6,6 MILHÕES

Também foram condenados o ex-secretário de Governo Wilson Carlos Cordeiro da Silva Carvalho (dez anos e oito meses de prisão) e Carlos Emanuel de Carvalho Miranda, o Carlinhos, (12 anos), apontado como “homem da mala” do ex-governador.

Moro manteve a prisão cautelar de Cabral e Carlinhos em Benfica, e de Wilson Carlos, que continua na carceragem da Polícia Federal em Curitiba. Para o juiz, a medida é necessária para prevenir o recebimento do saldo da propina em acertos de corrupção, impedir ou dificultar nofiscado vas formas de ocultação e dissimulação dos valores recebidos, que não foram recuperados.

A decisão determinou o confisco do patrimônio dos condenados de valores equivalentes a R$ 6,6 milhões, o que corresponde ao valor recebido de propina (R$ 2,7 milhões) corrigido monetariamente pelo IGP-M (FGV) desde outubro de 2008 e acrescido de 0,5% de juros ao mês. Moro lembrou que o dinheiro foi usado na compra de bens de difícil localização e sequestro judicial, o que o impede de determinar agora o que deve ser conem bens. A quebra de sigilo fiscal revelou que Cabral gastou R$ 150 mil somente em ternos italianos da grife Ermenegildo Zegna.

Na decisão, Moro escreveu que os valores recebidos como propinas não foram recuperados e que há indícios de que Cabral e Wilson Carlos esvaziaram suas contas antes dos bloqueios.

No depoimento ao juiz, Cabral, que só respondeu perguntas de seus advogados, disse que os itens de luxo comprados por ele e pela mulher foram pagos com recursos próprios e que, em determinados casos, esse dinheiro era proveniente de caixa dois. Segundo ele, seriam sobras de campanhas eleitorais que ele usava para fins pessoais.

O álibi, para Moro, é inaceitável. “Não é viável admitir álibi de que as aquisições foram feitas com recursos próprios ou com sobras de campanha com base somente na palavra do acusado Sérgio Cabral, quando ausente qualquer outra mínima prova”, afirmou Moro.

O globo, n.30627 , 14/06/2017. PAÍS, p. 3