O doleiro no ataque 

André de Souza 

21/06/2017

 

 

Funaro diz à PF que Temer orientou distribuição de R$ 20 milhões ilegais para campanhas

-BRASÍLIA- Em depoimento prestado no dia 14 de junho à Polícia Federal, o doleiro Lúcio Bolonha Funaro, um dos principais operadores do PMDB e preso desde julho do ano passado pela Operação Lava-Jato, afirmou que o presidente Michel Temer orientou a distribuição de R$ 20 milhões desviados dos cofres públicos para campanhas eleitorais. Disse também que Temer sabia do pagamento de propina feito pela Odebrecht para conseguir contratos na Petrobras e que o peemedebista atuou a favor de grupos privados aliados, em 2013, durante a tramitação da medida provisória dos portos no Congresso. Destacou ainda que, entre 2010 e 2014, movimentou R$ 100 milhões destinados às campanhas do PMDB, partido de Temer.

Funaro também manifestou “sua inteira disposição” para firmar um acordo de delação premiada. Uma possível delação do doleiro pode turbinar ainda mais as investigações sobre os vínculos de Temer com alguns dos principais integrantes do esquema. O operador citou outras importantes figuras do PMDB como beneficiários do esquema. Entre eles: o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Moreira Franco, os ex-ministros Geddel Vieira Lima e Henrique Eduardo Alves, o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, e o vice-governador de Minas Gerais, Antônio Andrade. O depoimento ocorreu na sede da PF, em Brasília, e foi juntado ao inquérito que investiga Temer no Supremo Tribunal Federal (STF) por corrupção, obstrução à Justiça e organização criminosa.

No depoimento, Funaro contou que duas vice-presidências da Caixa Econômica Federal estavam sob influência de Geddel e do PMDB: a de Fundos de Governo e Loterias (Vifug) e a de Pessoa Jurídica. A Vifug já foi comandada por Fábio Cleto, que depois se tornou delator. Segundo Funaro, Cleto viabilizou desvios no Fundo de Investimentos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FI-FGTS) que teriam beneficiado, por exemplo, a campanha da chapa vitoriosa da eleição de 2014, encabeçada por Dilma Rousseff, com Temer na vice-presidência.

“Durante a gestão de Fábio Ferreira Cleto junpara to à Vifug foram efetuadas operações perante o FI-FGTS para as empresas BR Vias e LLX, as quais geraram comissões expressivas, no montante ‘total aproximado de R$ 20 milhões, do qual se beneficiaram principalmente a campanha do ex-deputado federal Gabriel Chalita para prefeito de São Paulo no ano de 2012, e a campanha para Presidência da República no ano de 2014, sendo que ambas foram por orientação/pedido do presidente Michel Temer’”, diz trecho do termo de depoimento. Na época, Chalita era o candidato do PMDB à prefeitura.

ENCONTROS COM TEMER

Em outro momento, Funaro afirmou que Cunha e Temer defenderam interesses de grupos privados aliados na discussão de medida provisória dos portos, em 2013. Na época, Temer ainda era vice, e Cunha, um deputado influente na Câmara. Disse ainda que Temer sabia de pagamento de propina para a Odebrecht conseguir contratos de plataformas da Petrobras Internacional. Mas, nesse caso, afirmou que a informação lhe foi repassada por Cunha.

Apesar de incriminar Temer, Funaro disse que não tinha relação próxima com ele, mantendo contato, em vez disso, com Geddel, Cunha e Henrique Alves. Ele se recordou de três ocasiões em que se encontrou com Temer: na base aérea de São Paulo, com Eduardo Cunha; numa reunião de apoio a Chalita à prefeitura de São Paulo, ocorrida numa igreja da Assembleia de Deus; e num comício para as eleições municipais de Uberaba, em 2012, com Cunha e Ricardo Saud, executivo da JBS responsável pelo pagamento de propinas e agora delator.

Funaro disse que trabalhou na arrecadação de fundos das campanhas do PMDB em 2010, 2012 e 2014. Segundo o termo de depoimento, ele “estima que tenha arrecadado cerca de R$ 100 milhões para o PMDB e partidos coligados para as três campanhas acima mencionadas”.

O termo de depoimento mostra ainda que Funaro “manifesta a sua inteira dis- posição para celebrar acordo de colaboração”. Para isso “já vem trabalhando, juntamente com sua defesa técnica, em anexos com fatos para apreciação da Jus- tiça a fim de auxiliar nas investigações”.

Funaro também contou que Moreira Franco atuou num esquema irregular na Caixa em 2009. Na época, era vice-presidente da instituição financeira. O doleiro não detalha valores, mas diz que Cunha também foi beneficiado. De acordo com ele, em troca houve ajuda à empresa Cibe junto ao FI-FGTS, ligado à Caixa.

“Os pagamentos foram feitos em espécie, não se recordando dos valores neste momento, mas que posteriormente irá apresentá-los”, diz trecho do termo de depoimento, acrescentando que os representantes da empresa se reuniram em Brasília com Cunha e Moreira Franco.

O operador também afirmou que Antônio Andrade, atual vice-governador de Minas, foi nomeado ministro da Agricultura para atuar a favor do grupo do PMDB na Câmara. Funaro disse que foi ele quem sugeriu a Cunha a indicação de alguém a pasta, a fim de obter influência no órgão.

Funaro estima ter pago R$ 20 milhões a Geddel a título de comissão de operações que ele teria viabilizado na Caixa Econômica Federal, banco no qual o ex-ministro já foi vice-presidente. Ele contou até um caso em que não houve pagamento de propina a Geddel porque o valor liberado era baixo.

O operador também contou que foi ele quem apresentou Geddel ao empresário Joesley Batista, do grupo J&F, quando o ex-ministro ainda era vice-presidente da Caixa. Isso porque a J&F tinha interesse em conseguir empréstimos na instituição financeira. Depois disso vieram várias liberações de crédito para diversas empresas do grupo. Afirmou também que Joesley e Geddel se falavam, mas, quando se tratava de definir o pagamento de propina, a conversa passava por Funaro.

MOREIRA FRANCO: “QUE PAÍS É ESSE”

O operador afirmou ainda que deixou um saldo credor de aproximadamente R$ 48 milhões com Joesley Batista. Depois, quando soube da delação do empresário, entrou com uma ação de cobrança no valor de R$ 32 milhões contra a Eldorado Brasil, empresa de celulose do grupo J&F. Os outros R$ 16 milhões já estavam em execução contra a J&F desde 2016.

O advogado de Temer, Antonio Mariz, não quis comentar o depoimento:

— Eu não conversei com o presidente sobre isso e não sei do que se trata.

Antônio Andrade afirmou que o próprio Cunha foi contra sua indicação para a Agricultura:

— Quem me indicou foi Michel Temer. Eduardo Cunha era contrário à minha indicação.

Em nota, Moreira Franco negou as acusações de Funaro: “Que país é esse, em que um sujeito com extensa folha corrida tem crédito para mentir? Não conheço essa figura, nunca o vi. Ele terá que provar o que está dizendo. Isso é a mostra da inconsequência dos tempos que vivemos”. A defesa de Henrique Alves não quis se manifestar. O GLOBO não conseguiu contato com Geddel Vieira Lima e Gabriel Chalita, nem com a defesa de Cunha. Procuradas, a BR Vias e a LLX não foram encontradas para se manifestar sobre as acusações de Funaro.

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Joesley: Temer pressionou Maria Silvia, do BNDES, por pedido da JBS

Carolina Brígido e Eduardo Bresciani 

21/06/2017

 

 

Banco nega ingerência e diz que o presidente apenas ouviu informações durante reunião

-BRASÍLIA E RIO. -Em depoimento à Polícia Federal no dia 16, o empresário Joesley Batista disse que o presidente Michel Temer teria pressionado diretamente a então presidente do BNDES, Maria Silvia Bastos, para assegurar a aprovação de pedido de interesse da JBS. Joesley diz que ficou sabendo da pressão por meio do ex-ministro Geddel Vieira Lima.

Segundo o empresário narrou à PF, a JBS havia feito um pedido no BNDES para a reestruturação societária do grupo no exterior. “Que o depoente soube, por Geddel, que o presidente Michel Temer teria chamado a presidente do BNDES, Maria Silvia Bastos Marques, em seu gabinete em Brasília para pressioná-la no sentido de atender ao pleito do depoente (Joesley)”, diz o empresário.

A assessoria do BNDES confirmou o encontro, mas negou a pressão. Em nota, informou que Maria Silvia participou de reunião, no dia 24 de outubro de 2016, com Temer “acompanhada pelos diretores jurídico e de mercado de capitais do BNDES, sobre a operação de internacionalização da JBS e o direito de veto da BNDESPar”. No entanto, segundo a nota, “o presidente somente ouviu informações sobre as razões que levaram o banco a vetar a operação, não tendo solicitado que a diretoria alterasse a sua decisão”.

Assessores de Temer negaram as afirmações de Joesley e disseram que a prova de que não houve interferência em prol da JBS está no fato de que, em outubro de 2016, o banco impediu a transferência do domicílio fiscal do grupo para a Irlanda, segundo nota já divulgada pelo Planalto no sábado. Assessores disseram Temer se reuniu Maria Silvia, e ela comunicou sobre sua decisão de não adotar medida em favor da JBS

Joesley também contou detalhes de como o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) resolveu, em prol da empresa, um problema com a Petrobras. O Cade teria feito uma reunião com representantes da estatal para avisar que, caso não aceitasse um acordo, a Petrobras perderia a disputa comercial sobre a compra de gás boliviano. A Petrobras teria aceitado a proposta e fechou contrato com uma empresa produtora de energia de propriedade de Joesley.

A vitória para a empresa teria rendido o pagamento de propina ao ex-deputado e ex-assessor de Temer Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR), que teria intercedido pela empresa junto ao Cade. Temer nega que tenha havido qualquer favorecimento à JBS no Cade porque não foi tomada a decisão — portanto, a propina não teria ligação com o caso. A solução de bastidor revelada por Joesley contradiz a versão do presidente.

“O depoente tem conhecimento de que o Cade não proferiu qualquer decisão de mérito acerca da questão que envolvia a compra de gás boliviano, no entanto, houve uma audiência com a Petrobras na qual o Cade alertou sobre o abuso no monopólio do gás, o que poderia implicar graves sanções, razão pela qual a Petrobras reviu seu posicionamento e fez um contrato de fornecimento de gás com a EPE — Empresa Produtora de Energia, do grupo J&F Investimentos, com preço mais adequado ao mercado”, diz a transcrição do depoimento.

Ainda segundo Joesley, os valores entregues no dia 24 de abril a Rocha Loures pelo executivo da JBS Ricardo Saud “eram destinados a alimentar o grupo do PMDB da Câmara, representado nos seus interesses pelo presidente Michel Temer”. O delator também disse que Rocha Loures não tem influência para intervir em decisões de órgãos públicos, “sendo mero mensageiro, longa manus ou porta-voz do presidente Michel Temer”. 

 

O globo, n. 30634, 21/06/2017. País, p. 3