Gilmar manda soltar Eike por 'constrangimento ilegal'

Beatriz Bulla

29/04/2017

 

 

Supremo. Ministro entende que crimes atribuídos ao empresário são graves, mas cometidos há mais de seis anos; juiz do Rio vai analisar se cabe o uso de tornozeleira

 

 

 

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), atendeu na noite de ontem pedido de liberdade apresentado pela defesa de Eike Batista. O empresário está preso em Bangu, no Rio, desde janeiro, quando foi deflagrada a Operação Eficiência, um desdobramento da Calicute, que levou à prisão o ex-governador Sérgio Cabral (PMDB). Eike é acusado de corrupção e lavagem de dinheiro. Pela decisão de Gilmar, ele deverá cumprir outras medidas restritivas em substituição à prisão.

A decisão liminar do ministro, que cita “constrangimento ilegal” ao empresário, foi dada na mesma semana em que a Segunda Turma do STF decidiu revogar duas prisões da Lava Jato e libertar o pecuarista José Carlos Bumlai e o ex-tesoureiro do PP João Cláudio Genu, ambos condenados em primeira instância pelo juiz Sérgio Moro. Nos dois casos, o relator da Operação Lava Jato no Supremo, ministro Edson Fachin, foi voto vencido na Segunda Turma, da qual Gilmar faz parte.

No início do ano, Gilmar afirmou que o Supremo tinha um “encontro marcado com as alongadas prisões que se determinam em Curitiba”, em referência às decisões Moro.

No caso de Eike, cujo mandado de prisão foi expedido pelo juiz Marcelo Bretas, responsável pelos desdobramentos da no Rio, Gilmar citou no despacho a gravidade dos supostos crimes cometidos pelo empresário e o “sofisticado esquema para ocultação” da origem do dinheiro, apontado nas investigações. Ele considerou, no entanto, que os fatos foram cometidos entre 2010 e 2011 e, portanto, “consideravelmente distantes no tempo da decretação da prisão”.

Eike foi denunciado pelo Ministério Público Federal sob acusação de pagar propina a Cabral. Segundo os investigadores, foram feitos repasses por meio de operações financeiras no exterior que somam US$ 16,5 milhões, além de simulação de prestação de serviços do escritório de advocacia de Adriana Ancelmo, mulher do ex-governador.

“O fato de o paciente ter sido denunciado por crimes graves – corrupção e lavagem de dinheiro -, por si só, não pode servir de fundamento único e exclusivo para manutenção de sua prisão preventiva”, escreveu Gilmar. Ele também destacou que a conduta supostamente criminosa de Eike estaria ligada à atuação de um grupo político “atualmente afastado da gestão pública”.

 

O ministro do STF lembrou de decisão do Supremo que soltou o empreiteiro Ricardo Pessoa, da UTC, e outros executivos da Lava Jato. “Muito embora graves, os crimes apurados na Operação Lava Jato foram praticados sem violência ou grave ameaça”, escreveu o ministro em sua decisão.

Combinação. Eike também é suspeito de tentar atrapalhar as investigações ao realizar reunião para “combinar versões” com seus defensores e com um assessor, Flávio Godinho, também preso na Operação Eficiência. Os advogados do empresário alegam, no entanto, que as reuniões serviam para “traçar estratégia de defesa”.

Para Gilmar, o debate sobre a possibilidade de combinação de versões é recorrente no Judiciário e uma resposta final sobre o assunto ainda será dada futuramente. No caso do empresário, o ministro afirmou que se passou um ano entre a suposta reunião e a prisão, sem indicativos de outras tentativas de obstrução das investigações.

“Dessa forma, o perigo que a liberdade do paciente representa à ordem pública ou à instrução criminal pode ser mitigado por medidas cautelares menos gravosas do que a prisão”, afirmou o ministro do Supremo, indicando que o juízo competente pelo caso deverá analisar a possibilidade de medidas restritivas, como o uso de tornozeleira eletrônica e eventual recolhimento domiciliar.

 

Súmula. Na decisão, Gilmar entendeu não ser aplicável uma súmula do STF invocada em muitas decisões relacionadas à Lava Jato. Pelo entendimento da Corte, o Supremo não pode julgar habeas corpus que já esteja em análise por outro tribunal superior. Uma das hipóteses para ignorar a súmula, segundo Gilmar, é que há “constrangimento ilegal” com a manutenção da prisão.

Eike Batista já teve habeas corpus negado pelo Tribunal Regional Federal da 2.ª Região (TRF-2) e pela ministra Maria Thereza de Assis Moura, do Superior Tribunal de Justiça (STJ) – que não esgotou a análise do caso de forma definitiva.

 

 

OUTROS CASOS

- José Dirceu

Nesta semana, a maioria dos ministros da Segunda Turma do STF decidiu dar seguimento à tramitação do habeas corpus apresentado pelo ex-ministro, preso desde 2015. A decisão abre prazo para defesa e Ministério Público se manifestar.

 

- José Carlos Bumlai e João Cláudio Genu

Na mesma sessão, a Segunda Turma da Corte revogou as prisões do empresário e do ex-tesoureiro do PP, condenados em primeira instância na Lava Jato pelo juiz Sérgio Moro.

 

- Tendência

As decisões contrariaram entendimento do relator Edson Fachin; os votos dos ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli, a favor das defesas nos três casos, indicaram disposição em rever o que Gilmar já chamou de “alongadas prisões” determinadas por Sérgio Moro na Lava Jato.

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‘Guardava dinheiro em casa por questão pessoal’

 

 

 

Wilson Carlos, apontado como controlador de propina de Cabral, diz a Moro que preferia não deixar valores no banco

 

Interrogado pelo juiz federal Sérgio Moro anteontem, o exsecretário de Governo do Rio Wilson Carlos, réu com o ex-governador Sérgio Cabral (PMDB) em ação penal sobre propina de R$ 2,7 milhões da Andrade Gutierrez ao peemedebista relativa ao Complexo Petroquímico do Rio (Comperj), disse que, “por uma questão pessoal”, preferia guardar dinheiro em casa a deixar em bancos.

Wilson Carlos, que era braço direito do ex-governador, controlava os repasses de propina recebidos por Cabral, segundo denúncia do Ministério Público Federal. Conforme a acusação formal da Procuradoria, entre novembro de 2008 e março de 2015, o ex-secretário “realizou três compras e quitou 26 faturas de cartão de crédito, efetuando 61 pagamentos em espécie de vultosas quantias, cujos valores somaram R$ 455.144,38”.

Empréstimo. Moro questionou Wilson Carlos sobre a compra de uma embarcação Flexboat de R$ 264 mil por meio de depósitos em espécie, sendo que 29 transações foram fracionadas em valores inferiores a R$ 10 mil. “Ao longo da minha vida sempre recorri a empréstimos para equilibrar meu orçamento doméstico, fosse em instituições bancárias ou mesmo por meio de conhecidos”, afirmou o ex-secretário.

“Eu solicitei a conhecidos que fizessem (os depósitos). Na verdade, eu adquiri esse empréstimo com conhecidos e paguei ao longo dos 24 meses subsequentes a esses conhecidos.

Eu solicitei que eles fizessem o depósito diretamente à Flexboat.

Entendo que, por serem pessoas atarefadas, possam ter solicitado a portadores, boy, para que fizessem o depósito, não sei exatamente”, declarou.

O juiz quis saber com quem Wilson Carlos pegou os empréstimos.

“Eu vou me permitir preservar a identidade dessas pessoas, por mais que isso pudesse me prejudicar.” O ex-secretário relatou que pagou os empréstimos “aos poucos”. “Ia pagando em dinheiro. Eu sempre preferi ter meus recursos comigo em vez de deixar no banco.” 

 

 

O Estado de São Paulo, n. 45119, 29/04/2017. Política, p. A4.