Geralda Doca, Bárbara Nascimento e Gabriela Valente
27/06/2017
-BRASÍLIA- Com o pior índice de popularidade desde o governo Sarney, na década de 1980, o presidente Michel Temer decidiu, por ora, engavetar medidas de ajuste fiscal, como o uso do FGTS para reduzir despesas com seguro-desemprego, que vinha sendo estudada pelo Ministério do Planejamento. Apesar das dificuldades em fechar as contas públicas, o Palácio do Planalto quer focar em um pacote de bondades e lançar as medidas uma a uma, em atos solenes, na tentativa de impor uma agenda positiva.
Ontem mesmo, a Caixa informou que negocia empréstimos para estados e municípios, e o BNDES lançou um programa que facilita o crédito para pequenas e médias empresas.
Na quinta-feira, serão anunciadas 100 mil bolsas de estudo, dentro do Financiamento Estudantil (Fies), apesar do alto índice de inadimplência do programa — em torno de 40%. O Ministério da Educação informou que serão feitos ajustes no Fies para torná-lo sustentável. Também estão na fila o reajuste de 4,6% no Bolsa Família, com 1 ponto percentual de ganho real (acima da inflação) na folha que começa a ser paga no dia 18, segundo o Ministério do Desenvolvimento Social. A medida vai beneficiar 13,2 milhões de famílias.
DO CARTÃO DE CRÉDITO AOS PRECATÓRIOS
Outra iniciativa é a liberação de R$ 1 bilhão para o Cartão Reforma, dinheiro da União a fundo perdido para custear reformas nas residências. Esses recursos foram incluídos no Avançar, que vai substituir o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O novo programa, que nada mais é do que o estabelecimento de prioridades para projetos a serem inaugurados até 2018, conforme definiu um técnico do governo, também será lançado com pompa.
Há também pressão da ala política por redução de tributos e correção da tabela do Imposto de Renda (IR). Mas, como as medidas somente terão impacto para os contribuintes em 2018, só deverão ser anunciadas no fim do ano.
Ontem, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, confirmou que a utilização dos recursos do Fundo para quitar as despesas do seguro-desemprego de quem for demitido por justa causa “não deve prosseguir” neste momento. Segundo ele, a medida estava em estudo pelo corpo técnico da equipe econômica e não havia atingido o nível ministerial. Em suspenso. Segundo Henrique Meirelles, usar o FGTS para economizar no seguro-desemprego “não se justifica neste momento” Meirelles chegou a confirmar que havia estudos nesse sentido sendo realizados pela área econômica do governo.
— O ponto concreto é que esse estudo nunca chegou a ser apresentado a nível ministerial. Eu não tinha ainda visto essa ideia. Não tinha chegado a mim ainda, esse estudo estava nas áreas técnicas de alguns ministérios e, na medida em que chegou a nosso conhecimento, certamente olhamos isso com maior atenção. Tive reunião hoje com o ministro Dyogo (Oliveira, do Planejamento) a respeito. À primeira vista, a avaliação preliminar é que não se justifica, de fato, essa medida neste momento — afirmou Meirelles.
A nova estratégia do Planalto, de mostrar que o governo não está parado, começou ontem, com a solenidade para sancionar o projeto que permite a cobrança de preços diferenciados para pagamentos à vista e no cartão de crédito. Temer aproveitou o evento para fazer uma defesa enfática do seu governo e dos seus ministros.
Amanhã, a programação da agenda do Planalto previa uma cerimônia para que o presidente sancionasse a lei que institui o direito de laje, que permite aos moradores terem matrículas diferentes para imóveis diferentes em uma mesma construção. Mas a medida foi embargada por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que determinou à Câmara dos Deputados analisar a matéria novamente, sob o argumento de que o texto fora alterado no Senado.
A equipe econômica torce o nariz para o pacote de bondades e alega que o governo não pode abrir mão nem de um centavo que seja para cumprir a meta fiscal deste ano, que prevê um déficit de R$ 139 bilhões. No último relatório bimestral de receitas e despesas, houve frustração de R$ 7 bilhões na arrecadação e aumento na despesa de R$ 3,7 bilhões, sobretudo com Previdência, abono, seguro-desemprego e benefícios assistenciais (Loas). Apesar disso, o governo liberou R$ 3 bilhões do Orçamento neste ano, ainda que R$ 39 bilhões permaneçam contingenciados.
Para fazer novos investimentos e mesmo afrouxar um pouco as despesas discricionárias (custeio com a máquina), o governo precisa fazer um novo descontingenciamento. O novo relatório bimestral de receitas e despesas (terceiro do ano, relativo a maio e junho) deve ser divulgado no dia 22 de julho.
Enquanto isso, o governo corre para destravar receitas extraordinárias, como, por exemplo, concluir a votação no Congresso do projeto que prevê a contabilização de precatórios (não procurados por ganhadores de ações judiciais contra a União), no valor de R$ 8 bilhões. O líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), pretende apresentar pedido de urgência, ainda hoje, para que a Casa aprove a medida esta semana. Como já passou pela Câmara, o governo poderá apropriar-se dos R$ 8 bilhões de uma só vez.
EQUIPE ECONÔMICA PREFERIA CORTES
A programação orçamentária deste ano prevê ainda mais R$ 3,6 bilhões em receitas adicionais com tributos nas concessões (portos, aeroportos, óleo e gás) e venda de ativos, como a Lotex (loteria Raspadinha da Caixa). Além disso, está prevista uma arrecadação extra de R$ 12 bilhões. Só que essas receitas dependem do crescimento da economia — estimado pelo governo em 0,5% —, ou seja, podem não se confirmar.
Se dependesse dos técnicos da equipe econômica, seriam cortadas até despesas obrigatórias no ano que vem. Segundo fontes ouvidas pelo GLOBO, um grupo de trabalho do Ministério do Planejamento já tem uma lista, que inclui cortes no Fies e no número de concursos públicos, além da redução de gastos com equalização de juros. Apenas a saúde ficaria fora das tesouradas, porque os gastos já estão no mínimo constitucional.
Sem espaço no Orçamento, técnicos da equipe econômica trabalham para retirar do papel medidas já anunciadas. Ganhou força a proposta de fazer concessões de rodovias apenas para conservação e operação, diante do risco de piora na malha federal por causa do contingenciamento orçamentário.
Na tentativa de reforçar a arrecadação, a União quer usar os bancos públicos para ajudar as prefeituras a concederem alguns serviços ao setor privado, como iluminação pública e saneamento.
Na construção civil, a ideia é acelerar a regulamentação do distrato (quando o cliente desiste da compra). A proposta está parada no Ministério da Justiça.
O globo, n. 30640, 27/06/2017. Economia, p. 17