Valor econômico, v.4252, n. 17, 11/05/2017. Brasil, p. A6

Novas regras de portos não tratam de contrato pré-1993 e polêmica continua

 

Rafael Bitencourt
Fernanda Pires

 

O decreto prometido pelo governo para desburocratizar e destravar investimentos no setor portuário foi assinado ontem pelo presidente Michel Temer atendendo a quase todos os pleitos de arrendatários de áreas públicas e de terminais de uso privado (TUPs). As empresas prometem, em contrapartida, investir em modernização e expansão da infraestrutura. O governo estima a injeção de R$ 25 bilhões em ampliações e modernizações. O decreto será publicado na edição de hoje do "Diário Oficial".

A principal mudança nas regras do setor foi confirmada com a possibilidade de prorrogação de contratos de concessão e arrendamento. Até então, os contratos eram firmados por até 25 anos e poderiam ser renovados uma vez pelo mesmo período. Agora, os futuros contratos terão validade de 35 anos renováveis várias vezes até o limite máximo de 70 anos. Os contratos em vigor firmados sob a vigência da Lei 8.630, de 1993, a primeira do setor, poderão ser adaptados a esse prazo.

Com a assinatura do decreto, o governo federal mudou novamente as regras do setor sem resolver a situação dos contratos anteriores ao marco legal de 1993. Esse grupo de empreendimentos continua operando em caráter precário, sob o efeito de liminares obtidas na Justiça ou com contratos de transição.

O ministro dos Transportes, Portos e Aviação Civil, Maurício Quintella, disse que há um comprometimento do governo em buscar um "instrumento jurídico" mais adequado para regularizar a situação das contratações antigas. "Os contratos pré-93 ficaram fora do decreto. Isso não quer dizer que o governo não está estudando essa matéria e que ela não pode ser fruto de uma futura revisão do marco legal", afirmou.

O Valor apurou que pouco antes da assinatura do decreto representantes dos pré-93 fizeram um corpo a corpo junto a representantes da ala política do Planalto, mais prosperou a visão da área técnica da Casa Civil de que é juridicamente impossível prorrogar contratos nunca licitados.

Os donos dos contratos antigos assumiram as áreas sem passar por uma licitação porque a regra não existia na época - só veio com a lei de 1993. Desde a gestão da ex-presidente Dilma Rousseff, o governo tem buscado fazer uma nova oferta dos projetos com contratos vencidos ao setor privado, por meio de leilões, mas - em alguns casos - a estratégia esbarra em decisões judiciais favoráveis aos empreendedores.

Quintella afirmou que a nova regulamentação diminui a insegurança jurídica e a burocracia no setor. "A gente quer que o prazo de análise para novos arrendamentos, que chega hoje a três anos, passe para até 180 dias. Vamos monitorar para que isso realmente aconteça", afirmou.

O texto prevê que a iniciativa privada assuma a realização de investimentos a cargo do poder público e receba como contrapartida desconto tarifário. Isso é essencial, por exemplo, para realização das dragagens, um serviço a cargo do poder público e essencial para a competição dos portos, mas que o governo tem dificuldades em contratar.

O ministro disse ainda que o decreto deverá derrubar alguns "entraves para quem quer investir no Brasil". Destacou, por exemplo, o fim da limitação da expansão de área acima de 25% dos TUPs localizados fora do porto público e a necessidade de realizar uma consulta pública para fazê-lo.

Tirando as empresas pré-93, as arrendatárias de áreas nos portos públicos e os TUPs comemoraram. O presidente da Santos Brasil, Antonio Carlos Sepúlveda, disse que o decreto equaciona "a insegurança jurídica e melhora a possibilidade de investimentos". A Santos Brasil é arrendatária de três terminais de contêineres e de um de veículos. Potencialmente, todos poderão se encaixar na regra que permite prorrogações sucessivas às empresas com contratos em vigor firmados sob a vigência da lei de 1993.

A nova redação altera o decreto 8.033, de 2013, que regulamentou a Lei dos Portos, de 2013, e é considerado muito duro. Hoje, afirma Sepúlveda, se a empresa precisa investir mais do que o planejado "não pode, o investimento não é reequilibrado".

O decreto prevê a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro original em qualquer situação. Isso, diz o executivo, equipara o setor portuário a outros segmentos, onde essa previsão é cumprida, e às práticas portuárias mais desenvolvidas no mundo. "A condição anterior era uma pedra de concreto para o contrato", afirmou.

O diretor superintendente da APM Terminals no Brasil, Ricardo Arten, avalia que o decreto é um "avanço muito grande para as empresas" e reduz "a lacuna" entre os TUPs e os arrendamentos. Ambos operam em modelos jurídicos distintos, com mais flexibilidade para os TUPs, mas disputam a mesma carga.

A APM Terminals, empresa do grupo dinamarquês Maersk, tem terminais arrendados no Brasil e um deles, no porto de Itajaí (SC), está com o prazo de exploração próximo do fim. O contrato é de 2001 e termina em 2022, com chance apenas de mais três anos de prorrogação. A APM tem um pleito no governo para estender essa vigência, mas encontrava dificuldade legal para fazê-lo. Agora, o processo ganha força.

Para os TUPs, o decreto também elimina a maioria das barreiras que ainda existiam para expansão de áreas. A Associação de Terminais Portuários Privados (ATP), uma das que compuseram o grupo de trabalho para elaboração do texto, reivindicava mudanças na regulação atual em quatro pilares: segurança jurídica, liberdade para empreender, desburocratização e custos extras.

O presidente da ATP, Murillo Barbosa, cita como destaque a possibilidade de os TUPs aumentarem a capacidade de movimentação de cargas sem necessidade de autorização prévia do poder concedente; e o aval para expandirem as áreas localizadas fora dos portos públicos para além de 25% sem necessidade de consulta pública. Também acabou a exigência de os TUPs apresentarem cronogramas físico-financeiros a cada pedido de expansão. Outra vitória foi fazer constar a liberdade de preços para contratos de adesão.

"Queremos saber agora como essas conquistas do decreto serão implementadas no âmbito da Secretaria de Portos e da Antaq [agência reguladora do setor]", disse Barbosa.

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MME quer negociar indenização a elétricas

 

Rafael Bitencourt

 

O ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, disse ontem que o governo poderá partir para a negociação sobre o pagamento da indenização bilionária em favor das transmissoras. No mês passado, a discussão em torno do assunto foi levada à Justiça.

"Estamos tentando uma grande negociação para tirar isso da esfera judicial, porque é algo que nos preocupa muito", disse o ministro em audiência pública na Comissão de Minas e Energia da Câmara.

Com critério definido no ano passado pelo ministério, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) estabeleceu o pagamento de R$ 62 bilhões às transmissoras que aceitaram prorrogar os contratos de concessão em 2013. Boa parte desse valor está relacionada correções com base na remuneração que essas concessionárias deixaram de ter nos últimos três anos por não contarem com a revisão em sua base de ativos regulatórios.

A indenização seria bancado pelos consumidores, por oito anos, a partir deste ano. Mas uma liminar expedida pela Justiça no mês passado livrou os consumidores desse custo, por enquanto. A ação judicial foi movida pela Abrace, entidade que representa os grandes consumidores de energia.