‘Não houve no diálogo nada que comprometesse’

Tânia Monteiro e Carla Araújo
18/05/2017
 
 
CRISE NO PLANALTO. Temer admite encontro com empresário, mas nega que tenha ‘participado ou autorizado’ qualquer movimento para obter o silêncio de Eduardo Cunha

O presidente Michel Temer divulgou ontem uma nota à imprensa negando que tenha “participado ou autorizado” qualquer movimento com o objetivo de evitar a colaboração com a Justiça do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

Na nota, assinada pela Secretaria de Comunicação da Presidência da República, Temer confirmou que houve o encontro com o empresário Joesley Batista, no Palácio do Jaburu, no começo de março, mas afirmou que “não houve no diálogo nada que comprometesse a conduta do presidente”.

Temer afirmou ainda que “defende ampla e profunda investigação para apurar todas as denúncias veiculadas pela imprensa, com a responsabilização dos eventuais envolvidos em quaisquer ilícitos que venham a ser comprovados”.

Interlocutores do Palácio do Planalto disseram que o presidente descarta a renúncia e se manterá no cargo. Antes da divulgação da nota, Temer se reuniu com ministros, com o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), e parlamentares. Maia, como chefe da Casa, pode barrar um pedido de impeachment. O líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), também participou da reunião.

“A vida continua e, como sempre, tenho agenda amanhã às 8 horas”, disse Temer aos parlamentares e ministros, segundo contou o deputado Alfredo Kaefer (PSL-PR).

No momento em que a delação foi divulgada pelo jornal O Globo, Temer estava reunido com o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, discutindo a Medida Provisória do Refis.

Após divulgar a nota, ele deixou o Planalto por uma porta lateral, evitando manifestantes que se aglomeravam em frente à sede do governo federal.

Agenda. No fim da noite de ontem, o Planalto divulgou a agenda de hoje. O presidente terá encontros com senadores, 18 deputados e com o Pastor Silas Malafaia. A intenção do governo é dar clima de normalidade.

Citado na delação como intermediário de Temer, o deputado Rodrigo da Rocha Loures (PMDB-PR) está em Nova York, segundo sua assessoria. O peemedebista já havia viajado para um encontro com investidores antes da delação feita pelo dono da JBS, Joesley Batista.

Procurada, a empresa disse que não se manifestaria.

‘Vida continua’

“A vida continua e, como sempre, tenho agenda amanhã às 8 horas.”

PRESIDENTE MICHEL TEMER, EM REUNIÃO COM ALIADOS, SEGUNDO DEPUTADO ALFREDO KAEFER (PSL-PR)

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Cunha sempre deixou Planalto em alerta

Vera Rosa

18/05/2017

 

 

 

As ameaças feitas pelo deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) sempre deixaram o Palácio do Planalto em alerta. Pouco antes de ser preso pela Lava Jato, em outubro, o ex-presidente da Câmara havia dito que poderia “derrubar o governo” se contasse o que sabia.

No Planalto, toda vez que eram divulgadas as incômodas perguntas feitas por Cunha a Michel Temer – muitas indeferidas pelo juiz Sérgio Moro –, homens da confiança do presidente ficavam perplexos. Temer é testemunha de defesa de Cunha.

Os questionamentos feitos pelo ex-deputado sugeriam cumplicidade entre os dois em negócios escusos.

Chamado de “nosso amigo” nas fileiras do PMDB, Cunha sempre se sentiu abandonado pelo presidente. Dizia que, se não fosse ele, Temer nunca teria chegado ao Planalto. Lembrava com detalhes do dia 2 de dezembro de 2015, quando aceitou o pedido de impeachment da então presidente Dilma Rousseff.

Livro. Cunha anunciou que escreveria um livro, contando bastidores do impeachment. Redigiu cerca de 300 folhas, mas não conseguiu levar adiante o objetivo dentro da cadeia. Aos amigos que o visitam, porém, ele continua dizendo ter a intenção de “contar tudo”, em um livro, “doa a quem doer”.

Diante do novo escândalo, revelado com a delação do dono da JBS, Joesley Batista, o julgamento da chapa Dilma-Temer no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) será retomado, em 6 de junho, em outra perspectiva.

No TSE, o comentário sempre foi o de que ninguém ali queria “incendiar o País”, mas, se o governo ficasse insustentável, a cassação da chapa poderia ser uma saída. A oposição diz agora que, por ironia do destino, quem pediu a cassação da chapa foi o PSDB, presidido pelo senador Aécio Neves (MG), atingido pela delação de Joesley.

 

O Estado de São Paulo, n. 45138, 18/05/2017. Política, p. A5