As empresas do grupo J&F – holding controladora da JBS – receberam cerca de R$ 15,5 bilhões em empréstimos e aportes de capital feitos pela Caixa Econômica Federal e pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) mediante pagamento de propina a políticos, segundo delatores da empresa.
De acordo com o empresário Joesley Batista, os repasses ilícitos tinham como destinatários o deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB), o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega (PT) e o atual ministro da Indústria e Comércio, Marcos Pereira (PRB).
Foram R$ 5,5 bilhões liberados pela Caixa; R$ 2 bilhões pelo BNDES; e US$ 3,58 bilhões pelo BNDESPar – ou cerca de R$ 8 bilhões pela conversão da moeda feita pelos investigadores da Operação Bullish, que justamente apurava os aportes do BNDES na JBS. As propinas totalizaram, segundo os relatos de Joesley, cerca de R$ 800 milhões, na cotação de sexta-feira.
Boa parte dos acertos foi feita por meio de intermediários, que recebiam comissões, disse o empresário. Na Caixa, Lúcio Funaro seria o responsável pela propina de Cunha, hoje preso pela Lava Jato em Curitiba; o atual vice-presidente do banco, Antonio Carlos Ferreira, pediu pagamentos em nome de Pereira, segundo a delação.
Joesley afirmou que Victor Sandri agiu em nome de Mantega nos aportes feitos pelo BNDES na JBS entre 2005 e 2008.
Depois, os acertos foram negociados diretamente com o ex-ministro dos governos Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.
Os casos relatados por Joesley se estenderam ao longo de dez anos. De acordo com ele, os últimos pagamentos foram feitos em função do empréstimo de R$ 2,7 bilhões que a Caixa deu para a J&F comprar a Alpargatas, dona da marca Havaianas e que pertencia à Camargo Corrêa.
A operação ocorreu em 2015 quando a Lava Jato já estava em andamento.
A Caixa financiou 100% da aquisição, algo inusual para um banco. Havia interessados na Alpargatas, participando oficialmente da concorrência. Entretanto, foram informados de que nem sequer poderiam fazer propostas para comprar a empresa.
A J&F comprou a Alpargatas à vista, sem fazer uma auditoria.
Esse empréstimo para a compra da Alpargatas rendeu R$ 6 milhões em propina para o ministro de Michel Temer, segundo Joesley. O pedido foi feito por Ferreira, o vice-presidente da Caixa. De acordo com Joesley, somente R$ 4 milhões foram efetivamente entregues e a última parcela foi suspensa, já em função das investigações que envolviam as empresas do grupo.
Em abril deste ano, Joesley foi informado por Ferreira de que as linhas de crédito da Caixa para o grupo estavam sendo revistas e não haveria renovação por causa de um suposto “desenquadramento técnico” do banco nos empréstimos ao grupo. O banco não comentou o caso específico e informou que abriu investigação interna para apurar possíveis irregularidades.
O vice-presidente não atende ao telefone, segundo a assessoria de imprensa.
FI-FGTS. Além de Ferreira, também Funaro prestou assessoria no negócio da Alpargatas, que envolveu pagamentos de R$ 80 milhões para o operador, segundo Joesley. Desde 2011, Funaro presta serviços à J&F, de acordo com o delator, basicamente para intermediar empréstimos da Caixa.
O primeiro caso envolvendo Funaro foi a liberação de R$ 940 milhões do FI-FGTS para a Eldorado Celulose. Joesley relatou que o primeiro contato foi feito nessa época e que o operador já chegou ao seu escritório com conhecimento do pleito da Eldorado. O empresário contou que em um primeiro momento não quis pagar pelos serviços, até porque no FI-FGTS existe um conselho formado por 12 pessoas que aprovam ou não um financiamento. Mas esse empréstimo teria travado e então Joesley decidiu pagar cerca de R$ 33 milhões. Depois disso, outros de R$ 1,95 bilhão de empréstimos em linhas tradicionais, como de financiamento à exportação foram feitos da mesma forma.
Burocracia. Joesley afirmou aos procuradores que os financiamentos em geral eram feitos de forma técnica, com juros de mercado e exigência de garantias. A questão é que, se não houvesse o pagamento de propina, os empréstimos não eram liberados por burocracias.
O empresário disse que no BNDES a equipe técnica de sua empresa não tinha a menor ideia de seu relacionamento com Mantega, que seria a pessoa influente para a liberação dos empréstimos e aportes do banco. Mesmo Luciano Coutinho, segundo Joesley, que era presidente do banco, mostrava desconhecer os termos da relação com o ex-ministro petista.
O BNDES foi o grande financiador da expansão da JBS, que se tornou a maior processadora de carne do mundo. A empresa faturava R$ 4 bilhões em 2007 e fechou o ano passado com R$ 170 bilhões. Entre 2006 e 2008, o banco liberou US$ 1,58 bilhão quando Mantega usava o intermediário Sandri. Foram pagos a ele US$ 70 milhões. Joesley conto que, já na fase em que a relação era direta com Mantega, foram liberados US$ 2 bilhões para a JBS e R$ 2 bilhões para a Eldorado, gerando pagamentos de US$ 150 milhões.
Em nota, o BNDES informou que tem todo o interesse em apurar exatamente o que aconteceu na instituição. Os advogados de Funaro, Cunha e Mantega não comentaram. O assessor do ministro Pereira afirmou que as afirmações não são verdadeiras.
Aquisição. Alpargatas custou R$ 2,7 bilhões à J&F e Caixa financiou 100% da operação
Dinheiro
R$ 5,5 bi foi o volume de empréstimos concedidos pela Caixa para empresas do grupo J&F.
US$ 3,58 bi foi o aporte do BNDES na JBS.
R$ 2 bi foi o empréstimo concedido para implantar a Eldorado Celulose.
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Jamil Chade, Fabio Serapião e Breno Pires
22/05/2017
A JBS usou empresas offshores com contas na Suíça para movimentar a propina paga no Brasil e, desde 2007, registrou 9 mil repasses ou movimentações a políticos. A companhia estabeleceu uma rede de contas secretas, doleiros, empresas de fachada e notas frias.
Em delação, o diretor financeiro da JBS, Demilton Antonio de Castro, afirmou que duas empresas de fachada eram alimentadas no banco Julius Baer, na Suíça. A instituição financeira era a mesma que também manteve quatro contas de empresas offshores controladas pelo deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), preso pela Lava Jato em Curitiba.
As duas empresas eram a Valdarco e Lunsville que, segundo Castro, recebiam, desde 2000, entre 1% e 3% de pagamentos lícitos de comissões originárias das exportações de suas empresas.
Ambas foram abertas no Panamá.
As contas, porém, eram operadas em diferentes países.
“A JBS ordenava que os pagamentos saíssem de uma dessas empresas, por meio de depósitos em contas de doleiros, que os repassavam em reais no Brasil”, relatou o delator. Castro disse que não era dele a decisão sobre quem recebia a propina, mas cabia a ele operar a transferência, o que fez com que mantivesse contato com os doleiros.
Os repasses foram feitos para beneficiar deputados, governadores e políticos locais. Os dados estão em um “planilhão”. A JBS indicou que fez pagamentos a 1.829 políticos brasileiros, de 28 partidos.
Os contatos eram feitos por meio de VPN (uma rede privada de internet) e, para cada operador, existia um código em números para a comunicação. De acordo com os anexos da delação, era Castro quem “dava a ordem para que os doleiros pagassem, por meio de depósitos ou remessas em espécie, os destinatários diversos”.
O delator passava a instrução via fax para o banco Julius Baer, onde as empresas Lunsville e Valdarco tinham conta-corrente até o ano de 2015. “Ficavam na Suíça”, afirmou ele.
Boas-vindas. Em uma carta de 11 de setembro de 2014, o banco Hottinger, em Zurique, dá as “boas-vindas” aos novos clientes: a Valdarco Investments Ltd, a mesma empresa de fachada da JBS. A segunda empresa de fachada era a Lunsville. Ela teria também suas contas abertas no Julius Baer, de Zurique.
No caso dessa empresa de fachada, existiam três contas diferentes no mesmo banco e em moedas diferentes: euro, dólar e franco suíço. Ainda existem registros de contas em Lugano, também na Suíça .
Repasses
“Depoente dava a ordem para que os doleiros pagassem por meio de depósitos ou remessas em espécie.”
O Estado de São Paulo, n. 45142, 22/05/2017. Política, p. A11