Alvo de inquérito no STF, Temer diz que não renuncia

19/05/2017

 

 

GOVERNO SOB INVESTIGAÇÃO / Fachin autoriza investigação contra presidente com base em delação da JBS e afasta Aécio de funções de senador; em conversa gravada, Joesley relata plano para barrar operação

O ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, autorizou ontem a abertura de inquérito para investigar o presidente Michel Temer com base na delação dos acionistas da JBS e de uma conversa gravada pelo empresário Joesley Batista com o peemedebista, em março, no Palácio do Jaburu. A colaboração premiada dos irmãos Joesley e Wesley Batista já foi homologada por Fachin. A divulgação de conteúdos do acordo jogou o governo Temer na sua mais profunda crise pouco mais de um ano depois de o peemedebista assumir o Palácio do Planalto após o afastamento de Dilma Rousseff. Diante de especulações sobre sua permanência no cargo, o presidente precisou fazer no meio da tarde um pronunciamento público ao País para afirmar que não vai renunciar. “Não renunciarei, repito, não renunciarei”, disse, exaltado. Temer negou envolvimento em uma trama para “comprar” o silêncio do deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que cumpre prisão preventiva em Curitiba. “Não comprei o silêncio de ninguém.” Fachin decidiu levantar o sigilo da delação. Na conversa com Temer na residência oficial da Vice-Presidência, que tem qualidade baixa e alguns trechos inaudíveis, Joesley confessa ao presidente a prática de um crime – o pagamento de mesada de R$ 50 mil a um procurador da República, em troca de informações sigilosas da investigação da qual é alvo na Operação Greenfield, que apura rombo bilionário nos maiores fundos de pensão do País.

Os fatos relacionados à delação da JBS geraram forte reação no mercado financeiro (a bolsa brasileira recuou 8,8%, pior resultado em quase nove anos e o dólar fechou em alta de 8,07%, o terceiro maior aumento da história do real). Um dos argumentos usados por Temer para descartar a renúncia foi justamente que ela comprometeria a retomada da economia e prejudicaria a aprovação das reformas, em especial a da Previdência.

O governo também viveu a ameaça de debandada na base aliada, que foi contida em um primeiro momento pelo Planalto. Os principais partidos condicionaram a saída da base de apoio a uma avaliação do conteúdo do áudio gravado por Joesley. Somente o PPS e o Podemos (antigo PTN) anunciaram o rompimento. No PPS, Roberto Freire decidiu deixar o Ministério da Cultura.

Ontem, na Operação Patmos, Fachin determinou também o afastamento de Aécio Neves (PSDB-MG) do mandato de senador e a prisão de sua irmã, Andrea Neves; e de Frederico Pacheco de Medeiros, seu primo; Mendherson Souza Lima, assessor parlamentar do senador Zezé Perrella (PMDB-MG), também foi preso preventivamente.

Na decisão, o ministro do Supremo negou o pedido de prisão de Aécio que lhe foi feito pela Procuradoria-Geral da República.

O tucano – que se licenciou ontem da presidência nacional do PSDB – foi gravado pedindo R$ 2 milhões ao sócio da JBS. Sua defesa disse que ele “foi surpreendido com a gravidade das medidas autorizadas pela Justiça” e que o encontro entre o senador e o empresário “tratou-se única e exclusivamente de uma relação entre pessoas privadas”. O acordo firmado pela JBS prevê pagamento de multa de R$ 250 milhões. Em carta aberta divulgada ontem, Joesley pediu desculpas e disse que não se orgulha do que fez no Brasil.

Palácio do Planalto. Michel Temer se pronunciou ontem e disse que não vai renunciar

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Sem imunidade

Eloísa Machado de Almeida

19/05/2017

 

 

O ministro Edson Fachin, relator da Operação Lava Jato, decidiu permitir a instauração de inquérito contra o presidente Michel Temer, para investigar possíveis crimes relatados em delação premiada de Joesley Batista, da JBS. As acusações se debruçam sobre crimes de obstrução à Justiça e organização criminosa. Como se trata de atos praticados durante o exercício do mandato, não há imunidade temporária, nos termos da Constituição.

Durante a investigação podem ser colhidos depoimentos de testemunhas e do acusado, podem ser autorizados pedidos de quebra de sigilos telefônico e fiscal, além da realização de buscas e apreensões. Imaginar um presidente permanecendo no cargo e sofrendo esse escrutínio revela a fragilidade de nossa democracia. Porém, uma investigação serve justamente para buscar saber se as acusações são verdadeiras ou falsas, sendo também uma oportunidade para a defesa.

Para que a investigação se torne uma ação penal, é preciso que a Câmara assim autorize, por dois terços dos votos dos deputados em plenário. Se houver essa autorização e o Supremo admitir a denúncia, o presidente se torna réu e fica afastado por até 180 dias. Uma prisão só ocorre após eventual sentença condenatória. Entretanto, caso o presidente renuncie, sofra impeachment ou seja cassado pelo TSE, perderá o foro privilegiado e seu processo deverá ser enviado às instâncias judiciais ordinárias responsáveis pela Lava Jato.

 

O Estado de São Paulo, n. 45139, 19/05/2017. Política, p. A4