Suporte jurídico

10/01/2017

 

 

Tema em discussão: A legalidade no combate à corrupção

 

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A deflagração de operações anticorrupção, apoiadas em forças-tarefas constituídas por representantes do Ministério Público, da Justiça e Polícia Federal tem permitido um avanço inédito na repressão ao roubo do dinheiro do contribuinte.

Uma das principais conquistas desses tempos é o rompimento da antiga norma de que rico e poderoso não vai preso. Não ia. A regra começou a ser pulverizada no julgamento do mensalão, o primeiro escândalo envolvendo lulopetistas e aliados, no início da gestão Lula.

Surgia ali o primeiro caso irrefutável de desvio de dinheiro público para sustentar o projeto de poder petista: compra literal de apoio de parlamentares e partidos ao governo. Um grande escândalo, causa da saída de militantes e parlamentares do PT; porém o maior caso, o petrolão, viria depois.

O mensalão surgiu da denúncia de um aliado do PT desgostoso das partilhas, Roberto Jefferson, do PTB fluminense, e foi crucial o papel de juízes, promotores e, em especial, de um Supremo Tribunal sério, independente. Mesmo constituído por vários ministros indicados por Lula e Dilma, a Corte condenou estrelas da legenda petista: José Dirceu, José Genoíno, Delúbio Soares etc.

Mas não basta vontade pessoal. O MP ganhava maturidade para exercer as prerrogativas recebidas pela Constituição de 88 — tem autonomia para representar a sociedade na defesa dos interesses dela. Não se subordina, em sua operação, a nenhum poder.

Assim, pôde fazer um trabalho importante na Lava-Jato, a partir de março de 2014. Outro forte argumento para afastar qualquer ideia de que a repressão à corrupção tem ultrapassado limites legais é que a força-tarefa baseada em Curitiba só conseguiu começar a desfazer o novelo da corrupção em torno da Petrobras porque, em 2013, a presidente Dilma sancionou a lei 12.850, para definir organização criminosa e regular os métodos legais de combate a ela. Um deles, a “colaboração premiada”.

A delação premiada, embora não fosse um instrumento estranho ao ordenamento jurídico brasileiro, ganhou com esta lei grande força, como no exterior. E passou a servir de ferramenta eficaz no desmantelamento de esquemas como o petrolão, que se estendeu a outras estatais, e também na criminalidade comum (quadrilha de PMs em São Gonçalo).

Mas como há intensa luta política, porque líderes têm sido apanhados na Lava-Jato e em outras operações — de Lula do PT a Aécio Neves do PSDB —, há tentativas de criminalizar-se a atuação das forças-tarefas. Sem considerar manobras no Legislativo para inviabilizá-las. A proximidade das eleições de 2018, enquanto tramitam processos contra Lula, autodeclarado candidato, torna o ambiente ainda mais tenso, e as análises mais teleguiadas.

Não se discute é que qualquer balanço sobre veredictos originados na Lava-Jato indica grande índice de confirmação de sentenças nos recursos à instância superior. Isso não aconteceria sem embasamento jurídico sólido.

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Estado de exceção

WADIH DAMOUS

10/07/2017

 

 

Tema em discussão: A legalidade no combate à corrupção
 

‘Não é possível combater o terrorismo amparado nas leis normais, eficientes para os cidadãos comuns”. “Os terroristas não eram cidadãos comuns”. Assim pensava o coronel Carlos Brilhante Ustra, torturador, comandante do DOI-CODI de São Paulo, na época da ditadura militar.

“Ora, é sabido que os processos e investigações criminais decorrentes da chamada “Operação Lava-Jato”, sob direção do magistrado representado, constituem caso inédito (único, excepcional) no direito brasileiro. Em tais condições, neles haverá situações inéditas, que escaparão ao regramento genérico, destinado aos casos comuns” (TRF 4, P.A. Corte Especial nº 0003021-32.2016.4.04.8000/RS. Relator: desembargador federal Rômulo Pizzolatti).

O que há de comum nesses pensamentos é a noção de que diante de um “inimigo poderoso” faz-se necessário recorrer a quaisquer mecanismos de repressão, ainda que estranhos ao ordenamento jurídico em vigor. Ou seja, “vale tudo” na defesa de um “bem maior” ou para promover a “guerra justa”: o combate à corrupção. Dessa forma, Brilhante Ustra e a sua equipe de torturadores se sentiam plenamente legitimados para torturar, matar e fazer desaparecer os “terroristas”, em nome dos princípios e valores da “civilização cristã, ocidental e democrática”.

Já os agentes da Lava-Jato e seus defensores consideram válidas — ainda que não autorizadas por lei — a violação do princípio do juiz natural; prisões preventivas arbitrárias para obter confissões e delações; conduções coercitivas sem prévia intimação; divulgação ilegal de grampos ilegais; vazamentos seletivos de informações sigilosas; hostilidade ao direito à ampla defesa; inobservância da figura do juiz imparcial.

“Medidas excepcionais para tempos excepcionais”. Está tudo justificado e legitimado pelo Estado de Exceção. Que balanço a posteridade fará da Lava-Jato? Que desconstruiu a ordem jurídica constitucional; desrespeitou direitos e garantias fundamentais; destruiu setores estratégicos da economia nacional; causou desemprego em massa; aperfeiçoou o populismo penal midiático; produziu um estado de exceção e ajudou a perpetrar um golpe de estado não há dúvida. Isso estará registrado em qualquer retrospectiva honesta.

Mas tenho fundadas dúvidas, para não dizer certeza, de que pouco terá contribuído para derrotar o processo de corrupção no Brasil, que só se efetivará com o apoio de um ordenamento específico com vistas a prevenir a sua prática. Só o direito penal, como propugna a “força-tarefa”, terá se mostrado incapaz e insuficiente.

No final das contas, o que esses rapazes de Curitiba poderão contemplar como grandes feitos de sua lavra serão a consolidação da cultura do ódio e da intolerância e a descrença na democracia e na Constituição, já que incapazes, de acordo com o que ajudaram a disseminar, de promover um “combate eficaz” à corrupção.

 

*Wadih Damous é deputado federal (PT-RJ) e ex-presidente da OAB-RJ

O globo, n.30653 , 10/07/2017. EDITORIAL, p. 12