RETALIAÇÃO CIRÚRGICA

LETICIA FERNANDES

EDUARDO BARRETTO

05/08/2017

 

 

Deputado infiel é punido, mas governo adota cautela para não perder mais votos

 

Superada na Câmara a denúncia contra o presidente Michel Temer, o governo começou o movimento de substituição de infiéis que ocupam ou indicaram cargos no segundo e terceiro escalões da máquina pública. Interlocutores do Palácio do Planalto admitem trocas, mas argumentam que serão cirúrgicas e apontadas pelos próprios partidos da base. Tudo para evitar fortes retaliações, já que o governo precisa do máximo possível de votos para aprovar as reformas, sobretudo a da Previdência.

Dois dias após o arquivamento da denúncia por corrupção passiva que pesa contra Temer, o governo exonerou um apadrinhado do PR, partido da base aliada e que fechou questão a favor do presidente — decisão partidária que obriga parlamentares a votarem conforme posicionamento da legenda, sob pena de sanção ou expulsão em caso de descumprimento.

A punição atingiu um aliado do deputado Jorginho Mello (PR-SC), que desrespeitou a determinação da legenda e votou contra Temer no plenário da Câmara. Vissilar Pretto, o apadrinhado exonerado, ocupava o cargo de superintendente regional do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) de Santa Catarina. A exoneração de Pretto foi publicada no Diário Oficial da União de ontem.

NO MINISTÉRIO, DOMÍNIO DO PR

O PR comanda toda a estrutura do Ministério dos Transportes, sob a batuta de Maurício Quintella Lessa. Na estrutura dos Transportes, há diversos postos considerados atraentes pelos deputados e que são controlados pela legenda — além do Dnit, responsável pela maior parte do orçamento da pasta, e postos de comando como a Infraero.

No Planalto, aliados do presidente afirmaram que Jorginho Mello “exagerou na sentença”, já que desrespeitou a posição do PR e ainda fez um breve discurso para embasar o seu voto contrário ao presidente. A pressão para trocar Vissilar Pretto veio da própria legenda. Segundo governistas, esse será o modus operandi de Temer: promover trocas em comum acordo com os partidos da base, tudo para evitar descontentamentos e perda de apoios.

Apesar dos primeiros sinais de retaliação, o governo afirma que as represálias vão ocorrer aos poucos e serão analisadas com os partidos que já detêm o comando dos cargos. O discurso no governo é que os ministros estão mapeando os cargos, mas as trocas vão ocorrer a pedido das legendas. De olho na reforma da Previdência, Temer sabe que não pode perder apoios, por isso a ação cautelosa por parte do Planalto:

— Vamos retomar as votações, e você não faz votações diminuindo a base. Não podemos perder apoios — afirmou uma pessoa próxima ao presidente.

Os ministros Antonio Imbassahy (Secretaria de Governo) e Eliseu Padilha (Casa Civil) são os responsáveis por mapear os cargos de segundo e terceiro escalões para levar a Temer. O presidente, segundo aliados, não está cuidando da negociação no “varejo”, mas monitora as movimentações. Temer tem ouvido também pessoalmente reclamações pontuais de partidos, que encaminha aos ministros.

— Os ministros estão mapeando os cargos, mas sem “varejinho” por parte do Temer. A pressão vem dos partidos da base e nós vamos tentar atendê-los aos poucos — disse um assessor do Palácio.

A partir de segunda-feira, o governo retomará com força as articulações para aprovar a reforma da Previdência. A promessa feita antes da votação da denúncia, de não fazer “caça às bruxas” aos infiéis, deve permanecer sob o argumento de que ainda falta muito para aprovar a reforma, uma vez que que são necessários 308 votos para aprovar uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC), o caso da reforma previdenciária.

PRESSÃO CONTRA O PSDB

Os partidos do centrão, que se mantiveram em grande medida fiel a Temer na votação da denúncia, mas terão comportamento considerado imprevisível em relação à reforma da Previdência, são os que mais pressionam para que o governo diminua o espaço do PSDB na Esplanada dos Ministérios. Com quatro pastas, os tucanos racharam na votação da denúncia, mas ainda deram mais votos pró-Temer que contrários. Além disso, os tucanos são os principais patrocinadores das reformas encampadas pelo presidente. Por isso, o governo sustenta o discurso de que não haverá retaliações a partidos.

— Se mudarmos ministério, vamos perder o partido. As trocas serão pontuais e ficarão restritas a segundo e terceiro escalões. Não vamos punir legendas, mas pessoas infiéis de longa data — diz um assessor do Palácio.

— São complexas, essas trocas. O Paulinho da Força (deputado do SD-SP) votou contra a denúncia, mas também contra as reformas. Já o PSDB votou a favor da denúncia e a favor das reformas. Além disso, o dinheiro de emendas acabou. A reforma previdenciária não é próTemer. Quem se beneficia é o próximo presidente — afirma outro interlocutor do Planalto.

META PARA VOLTAR A TER 300 DEPUTADOS

Essa fonte diz ainda que as próprias siglas devem indicar ao Planalto possíveis mudanças. Alguns ministérios são de “porteira fechada”. Ou seja, são de apadrinhados do partido que ocupa o ministério e cargos altos em agências, estatais e fundações da pasta.

Antes da delação da JBS, que veio à tona em meados de maio, as estimativas mais otimistas do Planalto eram as de que havia menos de 300 votos na Câmara — margem muito apertada para os 308 necessários. A base aliada quer trabalhar para voltar a esse patamar de quase 300 apoios.

Na semana que vem, completam dois meses que a reforma está emperrada na Câmara, pronta para ser lida no plenário. A mudança nas aposentadorias é o carrochefe do governo e voltou a ser enfatizada por ministros da área econômica após o fim da tramitação da denúncia por corrupção passiva contra Temer.

A intenção do governo é aprovar a reforma previdenciária em outubro nas duas Casas. O calendário esperado é a aprovação em primeiro turno na Câmara no fim de agosto; no segundo turno, no começo de setembro; o primeiro turno no Senado, no fim de setembro; e segundo turno no Senado, no fim de outubro, completando a tramitação. A partir daí, assessores sinalizam que Temer deverá fazer grandes mudanças em cargos e “realmente” retaliar parlamentares que dificultaram a vida do governo.

— A Previdência é a mãe das reformas. Depois que passar, aí sim vamos avaliar a base que temos. Antes disso, é abrir feridas com o Congresso que não cicatrizariam antes de outubro — diz um assessor.