Para economistas, meta é incerta e insuficiente

MARCELLO CORRÊA

CHICO PRADO

16/08/2017

 
 

 

Colaborou Ana Paula Ribeiro

 A revisão da meta fiscal foi vista por analistas como inevitável e um sintoma do desequilíbrio das contas públicas no país. Economistas questionaram, no entanto, se o governo, mesmo prevendo um rombo maior, conseguirá cumprir o objetivo — já que o ajuste proposto depende de medidas que passarão pelo Congresso. E alertaram para a necessidade de ações de longo prazo que ajudem a equilibrar as finanças da União, como a reforma da Previdência.

Para a economista Margarida Gutierrez, professora da Coppead/UFRJ, as novas metas dão mais folga para o governo bancar as despesas de custeio e afastam o risco de apagão fiscal, o chamado shutdown. No entanto, persiste a incerteza sobre o custo previdenciário, que consome cerca de 70% dos gastos do governo, nas contas dela. A especialista argumenta, ainda, que o teto de gasto, em vigor já neste ano, se tornou uma medida de controle das despesas mais importante que a meta fiscal.

— (A revisão) dá mais folga. É importante não ter que ficar mudando a meta toda hora. Hoje, temos um pilar fiscal, a emenda do teto, que é muito mais forte, que contém o gasto. Nesse sentido, acho que não deve ter muita repercussão — avalia.

Luis Otávio de Souza, economista-chefe do banco ABC Brasil, destaca que não há clareza sobre quais medidas serão aprovadas no Congresso.

— A pergunta a ser feita é: como vai alcançar agora? O Refis pendurado, leilão de quatro usinas da Cemig numa situação indefinida. São receitas esperadas que ninguém sabe se serão realizadas. Qual o coelho que será tirado da cartola? — questionou.

Para Rafael Bistafa, economista da Rosenberg Associados, o teor do anúncio de ontem mostra que a situação fiscal do país ainda é bastante crítica, e que, sem uma profunda reforma em áreas como a Previdência, o governo terá de recorrer a medidas acessórias para conseguir estabilizar o déficit e cumprir as metas.

— A queda do déficit está fora do horizonte, e vamos continuar nessa precariedade fiscal, sem conseguir estabilizar a dívida pública, que vai continuar crescendo — diz Bistafa.

 

DE SUPERÁVIT A DÉFICIT EM 2020

Ele lembra que, para estabilizar a dívida, o setor público precisa de um superávit de 2,5% do PIB, mas as novas metas significam um déficit de 2,5% do PIB.

O economista Raul Velloso, especialista em contas públicas, vê a revisão apenas como uma consequência do quadro fiscal. Ele discorda do argumento utilizado pelo governo, que atribui à inflação mais baixa boa parte da frustração de receita que levou às mudanças de projeção:

— Quando a inflação cai, a gente tem que sair em praça pública e vibrar. A economia melhora a saúde, e a perda real da atividade econômica fica menor.

O especialista defende mudanças profundas, como o estabelecimento de um teto de gastos dividido por setor, em vez do limite global. Em sua avaliação, isso incentivaria que todos os segmentos do governo se esforçassem para poupar, o que resultaria numa redução de despesas sem sacrificar gastos não obrigatórios, como os investimentos.

Além de anunciar a revisão das metas para 2017 e 2018, o governo alterou a previsão para 2020, anteriormente de superávit de R$ 10 bilhões, para rombo de R$ 65 bilhões. Dessa forma, o país segue sem previsão de voltar a economizar para pagar os juros da dívida pública.

Margarida, da UFRJ, vê o número como resultado da política fiscal malsucedida:

— Superávit em 2020 é impossível. O governo atualizou para dar mais transparência.

Na avaliação de Mario Mesquita, economista-chefe do Itaú Unibanco, a revisão da meta em uma proporção próxima à frustração de receitas deve ser bem entendida pelos mercados financeiros. Esse valor, segundo ele, é justamente os R$ 20 bilhões acrescidos pela equipe econômica:

— Um déficit fiscal maior, se fosse percebido como um abandono de meta, os prêmios de risco poderiam subir.

O aumento da meta não deve afetar a credibilidade da equipe econômica, afirmou a agência de classificação de risco Moody’s, em análise do início do mês.

 

BOLSA PERDE FORÇA

A expectativa de revisão da meta deixou o mercado financeiro em compasso de espera. O Ibovespa, principal índice de ações da B3 (ex-BM & FB ovespa e Cetip), perdeu força ao fim do pregão e fechou ontem com leve alta de 0,10%, aos 68.355 pontos — na máxima, chegou a subir 0,82%. Já o dólar comercial encerrou em queda de 0,87%, a R$ 3,175.

 

AILTON DE FREITAS

Revisão. O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, explica as novas metas fiscais: rombo maior de 2017 a 2020

O globo, n.30690 , 16/08/2017. ECONOMIA, p.