O Estado de São Paulo, n. 45185, 04/05/2017. Política, p. A4.

 

Geddel é preso acusado de tentar barrar delações

 Fabio Serapião / Julia Affonso / Luiz Vassallo

04/07/2017

 

 

PRESIDENTE ACUSADO / Ex-ministro de Temer é detido preventivamente sob a suspeita de agir contra eventuais acordos de Funaro e Cunha e atrapalhar investigações sobre propina na Caixa Econômica

 

 

A Polícia Federal prendeu na tarde de ontem o ex-ministro da Secretaria de Governo Geddel Vieira Lima. Ex-integrante do núcleo duro da gestão do presidente Michel Temer, Geddel foi detido preventivamente sob a suspeita de tentar atrapalhar as investigações da Operação Cui Bono? (a quem interessa?) e evitar que o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e o corretor Lúcio Funaro firmem acordo de colaboração com o Ministério Público Federal.

Dois dias após a soltura do ex-deputado e ex-assessor Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR), a prisão de mais um político próximo a Temer e com acesso direto ao gabinete presidencial devolveu ao Planalto o clima de apreensão e o temor de que os ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Secretaria-Geral da Presidência) se tornem os próximos alvos.

O governo também teme que o fato contamine a tramitação da denúncia contra o presidente na Câmara dos Deputados, que terá início hoje.

Outras cinco pessoas do grupo político de Temer já foram alvo de prisão: Cunha, Loures, o ex-ministro Henrique Eduardo Alves, o ex-assessor Tadeu Filipelli e Funaro, apontado como operador financeiro do PMDB da Câmara. Cunha, Funaro e Alves permanecem presos.

No pedido enviado à Justiça, a Procuradoria da República no Distrito Federal afirma que Geddel tem agido para atrapalhar as investigações que apuram irregularidades na concessão de financiamentos da Caixa Econômica Federal. Segundo os investigadores, o ex-ministro estaria atuando para assegurar que Cunha e Funaro recebessem vantagens indevidas.

A apuração tem como foco possíveis irregularidades praticadas por Geddel enquanto vice- presidente de Pessoa Jurídica da Caixa, entre 2011 e 2013.

A prisão autorizada pelo juiz Vallisney de Souza Oliveira, da 10.ª Vara Criminal do Distrito Federal, se baseou em depoimentos de Funaro, do empresário Joesley Batista e do diretor jurídico da JBS, Francisco de Assis e Silva – todos prestados recentemente.

À PF, o corretor afirmou que por causa da sua atuação na liberação de empréstimos às empresas J&F, Marfrig e Bertin, Geddel teria recebido cerca de R$ 20 milhões. Joesley, por sua vez, confirmou aos investigadores a relação de Geddel com Cunha e o repasse de mais de R$ 100 milhões por meio de Funaro.

O corretor disse que Geddel recebeu comissões em todos os valores repassados.

Ao autorizar a prisão, cumprida pela PF em Salvador, onde Geddel reside, o juiz da 10.ª Vara do DF afirmou que, “pelas atitudes que vem tomando recentemente”, o ex-ministro “pode dar continuidade a tentativas de influenciar testemunhas que vão depor na fase de inquérito” da Cui Bono?.

Na decisão, Souza cita a declaração de Funaro na qual o corretor afirma que Geddel procurou sua mulher para saber se ele iria delatar. Funaro entregou à PF as cópias das ligações de Geddel por meio do aplicativo WhatsApp e declarou que “estranhou” o fato do ex-ministro procurar sua família para tentar “monitorar seu estado de ânimo”. “É gravíssimo o recente fato.” O magistrado destaca também o episódio que levou à saída de Geddel do governo – o embate entre o peemedebista e o ex-ministro da Cultura Marcelo Calero.

Ele lembra a “pressão” de Geddel sobre o ex-ministro para conseguir a liberação das obras de um prédio de luxo em área histórica tombada em Salvador.

Segundo o magistrado, Geddel “tenta persuadir pessoas”.

 

‘Incompreensão’. O advogado Gamil Föppel, que defende Geddel, manifestou “incompreensão em relação ao absolutamente desnecessário decreto de prisão preventiva”. Segundo ele, “diante ausência de relevantes informações para sua decisão”, o juiz “laborou em erro”.

O advogado destacou que seu cliente se colocou “à disposição das autoridades constituídas, para apresentar os documentos que lhe fossem solicitados, assim como comparecer a todos os chamados que eventualmente lhe fossem formulados, até mesmo abrindo mão dos seus sigilos bancário e fiscal, assim como do seu passaporte”.

A decisão, disse Föppel, revela “uma preocupação policialesca muito mais voltada às repercussões da investigação para grande imprensa do que efetivamente a apuração de todos os fatos”.

 

PARA LEMBRAR

Obra de prédio custou o cargo

Geddel Vieira Lima entregou o cargo de ministro da Secretaria de Governo em novembro do ano passado. O peemedebista se demitiu após o então ministro da Cultura, Marcelo Calero, acusá-lo de fazer pressão para que o Iphan – um órgão submetido à sua pasta – liberasse um empreendimento em Salvador. Na época, Geddel admitiu que possuía um apartamento no edifício. Ele disse que conversou com Calero, mas negou qualquer irregularidade. Após o episódio vir à tona, Calero deixou o governo, abrindo mais uma crise no Planalto. Pressionado, Geddel entregou o cargo uma semana depois da saída de Calero. Na carta que enviou a Temer, Geddel disse que fez “profunda reflexão” sobre o caso e pediu “desculpas”.

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Ex-ministro é alvo de denúncias desde os 25 anos

Valmar Hupsel Filho

04/07/2017

 

 

PERFIL / Geddel Vieira Lima, ex-ministro da Secretaria de Governo

 

 

Denúncias de irregularidades rondam a vida pública do ex-ministro Geddel Vieira Lima desde seu primeiro emprego, aos 25 anos, quando foi acusado de desviar milhões do Baneb (Banco do Estado da Bahia) e beneficiar sua família.

Dez anos depois, em 1994, já deputado federal, foi implicado no escândalo dos “anões do Orçamento” depois de seu nome aparecer em um papel encontrado na casa de um diretor da Odebrecht ao lado da mensagem “4%”. Foi inocentado.

O ex-ministro também já foi associado a acusações de enriquecimento ilícito e de direcionamento para aliados de verbas do Ministério da Integração Nacional, mas foi a citação a seu nome na operação Cui Bono?, da Polícia Federal, que resultou na primeira consequência jurídica prática.

Geddel, que sempre negou todas as acusações, se entrincheirou em seu apartamento em Salvador desde novembro passado, quando entregou a carta de demissão ao presidente Michel Temer após ser acusado de tráfico de influência para aprovar a construção irregular de um edifício na capital baiana. A interlocutores, dizia que estava “refazendo a vida”.

Só reapareceu em Brasília em março, quando boatos davam conta de que ele poderia fazer delação premiada. Na ocasião, jantou com Temer no Palácio do Jaburu. Sempre que era questionado sobre essa hipótese, reagia com palavrões. E sobre a possibilidade de ser preso, algo que já se falava há duas semanas, dizia estar “tranquilo”.