O globo, n.30826 , 30/12/2017. ARTIGOS, p.17

RODRIGO BAPTISTA PACHECO E RICARDO ANDRÉ DE SOUZA - O indulto dos comuns

 RODRIGO BAPTISTA PACHECO

RICARDO ANDRÉ DE SOUZA

30/12/2017

 

 

A restrição ao indulto atende ao movimento punitivista que entope as cadeias brasileiras

O louvável combate à corrupção levado a cabo nos últimos anos no Brasil tem ido além das barras da Justiça. Além de inspirar críticas a atos governamentais, também há projetos de lei que se blindam em objetivos de limpeza ética, mas que, na prática, ameaçam direitos conquistados durante a consolidação da democracia brasileira.

Foi nesse contexto que a campanha “10 medidas de combate à corrupção” apresentou mais de duas centenas de alterações legislativas de impacto no sistema político brasileiro. Boa parte das propostas, em verdade, fulminava garantias constitucionais, como o habeas corpus, o direito ao recurso e o sistema de nulidades, que impede o uso de provas obtidas de forma ilícita. Sob o discurso da “purificação do sistema eleitoral”, as medidas, algumas sequer cogitadas pelo regime ditatorial de 1964, aprofundariam a epidemia de aprisionamento que deu ao Brasil o 3º lugar no ranking da população carcerária mundial.

A determinação da prisão após decisão condenatória em segunda instância também foi sustentada como imprescindível para superar a “sensação de impunidade” causada na população brasileira pelos crimes de corrupção e peculato. O principal argumento era de que a medida atingiria de forma direta os chamados criminosos de colarinho branco, únicos a terem seus pleitos analisados, de fato, pelas cortes superiores.

Contudo, estudo divulgado àquela época pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro revelou que 41% dos recursos levados aos tribunais superiores pela instituição tinham resultado positivo que alteravam profundamente o status da prisão dos seus assistidos — justamente o condenado pobre e vulnerável.

O mesmo se verifica nesse momento, quando o STF, sem amplo debate com a sociedade, restringe o tradicional indulto natalino, direito do chefe do Poder Executivo sobre o qual não convém juízo político, venham eles do Judiciário ou do Ministério Público. Surpreendentemente, no ano passado, o decreto extremamente restritivo, criticado por quase toda a comunidade jurídica, recebera dos mesmos setores que hoje gritam contra a medida, o silêncio consoante.

O decreto apenas remotamente pode beneficiar os condenados pelos crimes de corrupção, peculato e semelhantes na Operação Lava-Jato, cabendo destacar que estes, segundo dados recentes do InfoPen, representam apenas 0,14% da massa carcerária.

Portanto, a restrição ao indulto infelizmente atende ao movimento punitivista que entope as cadeias brasileiras e atingirá, principalmente, os jovens e negros que cometeram crimes leves e sem violência ou grave ameaça.

É inquestionável e necessário o combate à corrupção. Trata-se de algo salutar ao Brasil. Porém, não se pode admitir que, a pretexto de encarcerar o colarinho branco, as medidas que têm esse propósito venham de mãos dadas com a supressão de garantias e direitos (...)

Rodrigo Baptista Pacheco é 2º Subdefensor Público-Geral do Rio de Janeiro, e Ricardo André de Souza é Subcoordenador de Defesa Criminal da Defensoria Pública do Rio de Janeiro

O globo, n.30826 , 30/12/2017. ARTIGOS, p.17