ANDRÉ DE SOUZA
MARTHA BECK
19/12/2017
O Supremo Tribunal Federal (STF) criou ontem mais uma dificuldade para a gestão das contas públicas no ano que vem. O ministro Ricardo Lewandowski, concedeu liminar suspendendo os efeitos da medida provisória (MP) que adia o reajuste do funcionalismo de 2018 para 2019 e aumenta a contribuição previdenciária dos servidores de 11% para 14%. A MP é crucial para o plano de ajuste fiscal de curto prazo da equipe econômica. O adiamento significaria uma economia de gastos de R$ 4,4 bilhões em 2018, enquanto a elevação da contribuição daria uma receita extra de R$ 2,2 bilhões. Integrantes da área econômica afirmaram ao GLOBO que, sem essas medidas, a saída será cortar o Orçamento do ano que vem, que já é enxuto, em R$ 6,6 bilhões. No entanto, esse aperto pode ser ainda maior. O governo também precisa que o Congresso aprove um projeto que reonera a folha de pagamento das empresas e uma medida provisória que institui o Imposto de Renda para fundos de investimento exclusivos. Juntas, essas medidas representam uma arrecadação adicional de R$ 14,3 bilhões. Essas quatro ações são necessárias para manter as despesas dentro do teto de gastos e ao mesmo tempo viabilizar a gestão orçamentária. Isso significa que, no total, se houver frustração em todas essas frentes, o corte necessário para assegurar a gestão orçamentária do ano que vem atingirá quase R$ 21 bilhões. A MP dos fundos exclusivos, por exemplo, precisa ser votada no Congresso até o fim da semana. Pelo princípio da anualidade, o aumento do IR precisa ser aprovado em um ano para vigorar no seguinte.
AGU VAI RECORRER DA DECISÃO
Já a reoneração da folha segue o princípio da noventena, ou seja, só entra em vigor três meses depois de aprovada. Assim, quanto mais tempo o Legislativo demorar para dar o sinal verde, menor será o impacto na receita. Para piorar a situação, o relator do projeto, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), decidiu diminuir de 56 para 40 o número de setores que teriam a desoneração revertida. Assim, ficarão de fora do projeto 16 segmentos, que continuariam tendo o benefício fiscal, ante seis previstos no texto original do Executivo. — Tudo isso torna mais difícil a gestão das contas. Tudo o que for derrubado (de medidas apresentadas pelo governo) vai resultar num corte do Orçamento. Já vamos começar o ano perto de uma paralisação da máquina — alertou ontem um integrante da área econômica. Ele acrescentou ainda que, se o governo tiver de começar o ano concedendo o reajuste que queria jogar para 2019, a pressão para que a medida provisória caia ficará ainda maior. Os servidores têm alegado que o governo está descumprindo acordo que foi feito com as categorias. Pelo acerto, os percentuais de reajuste para as categorias variam de 4,75% a 6,65% em 2018 e de 4,5% a 6,31% em 2019. Caso a liminar mantenha os reajustes em 2018, será muito difícil para o governo reverter esse processo com o ano já iniciado. — Se o reajuste entrar em vigor no início de 2018, talvez não seja mais possível cancelar por causa do princípio da irredutibilidade dos salários — alertou um integrante do governo.
A liminar concedida por Lewandowski se baseou num pedido apresentado pelo Psol. A assessoria de imprensa da Advocacia-Geral da União (AGU) informou que o órgão ainda não foi notificado, mas que irá recorrer da decisão. A decisão do ministro é liminar, ou seja, provisória, e futuramente será reanalisada para confirmação ou revisão. Segundo o próprio Lewandowski, trata-se agora de um “exame superficial da questão”. Ele concordou com argumento do Psol de que a medida do governo suspendendo o reajuste “fere de morte o direito à irredutibilidade dos vencimentos dos ocupantes de cargos públicos”. O Planalto argumentou que não houve violação à irredutibilidade dos vencimentos, porque o reajuste estava previsto, mas ainda não havia sido efetivado. Lewandowski, porém, alfinetou outras medidas do governo que reduziram a arrecadação. “Ocorre que tem sido amplamente noticiado pelos meios de comunicação a concessão de desonerações fiscais para diversos setores econômicos e a aprovação de novo programa de parcelamento de tributos no âmbito do governo federal, por meio do qual, segundo projeção orçamentária, com a concessão de diversos benefícios, a União arrecadará cerca de R$ 8,8 bilhões, ao invés dos R$ 13 bilhões projetados inicialmente”, escreveu o ministro. Ele conclui dizendo que a MP faz com que “os servidores públicos arquem indevidamente com as consequências de uma série de verdadeiras prebendas fiscais, que beneficiaram setores privilegiados da economia”. Cita notícias de 2016, quando o governo defendeu a necessidade dos reajustes:
“Ao menos numa primeira abordagem, não se mostra razoável suspender um reajuste de vencimentos que, até há cerca de 1 (um) ano, foi enfaticamente defendido por dois Ministros de Estado e pelo próprio Presidente da República como necessário e adequado, sobretudo porque não atentaria contra o equilíbrio fiscal, já que os custos não superariam o limite de gastos públicos e contariam com previsão orçamentária, justamente em um dos momentos mais graves da crise econômica pela qual, alegadamente, passava o país”. Em relação à elevação da contribuição previdência, a forma escolhida pelo governo — taxação progressiva — seria indevida. A medida provisória mantém a taxação de 11% referente aos primeiros R$ 5.531,31 recebidos pelo servidor. Quanto ao excedente, a tributação passou a ser de 14%. Segundo Lewandowski, “esta Suprema Corte já firmou entendimento no sentido de que a fixação de alíquotas progressivas, em se tratando de contribuição previdenciária exigida de servidores públicos, ofende o texto constitucional”. Instada a se manifestar na ação, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, foi favorável ao pedido do Psol.