PT pode apoiar Raquel e tem Lula como única opção

Vandson Lima e Fabio Murakawa

10/07/2017

 

 

Empossada como a nova presidente do PT, a senadora Gleisi Hoffmann (PR) sinalizou que a sigla pode vir a dar aval à indicação de Raquel Dodge para o comando da Procuradoria-Geral da República (PGR), feita pelo presidente Michel Temer. Para isso, afirmou Gleisi em entrevista ao Valor, o PT quer o compromisso da sub-procuradora de que o Ministério Público mudará suas práticas em relação à gestão de Rodrigo Janot, evitando a "espetacularização" dos casos e a abertura de inquéritos baseados apenas em delações. "Isso implica o MP fazer denúncias em cima de provas. Não pode se encaminhar denúncia com base em delação apenas", defende a senadora.

A própria senadora e seu marido, o ex-ministro do Planejamento Paulo Bernardo, são réus no Supremo Tribunal Federal (STF) sob a acusação de terem recebido R$ 1 milhão para a campanha dela ao Senado em 2010. Eles foram citados nas delações do doleiro Alberto Youssef e do ex-diretor da Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa. "Se eu sofrer condenação, será sem o devido processo legal, porque não há prova, só delação. Eu nunca estive com o delator", garante.

Ainda sobre Raquel, Gleisi diz que o PT "respeita muito" sua trajetória. "Sabemos de sua seriedade, não temos nada contra ela. Mas gostaríamos muito que publicamente ela se comprometesse com o devido processo legal e com as garantias constitucionais", diz, fazendo uma clara contraposição à avaliação da sigla sobre Janot. "A avaliação que temos do MP [com Janot] é de que há muita politização e midiatização no desempenho. Quem quer fazer política, que se submeta ao voto. Não pode num cargo de procurador fazer política". Escolhida para conduzir o PT até 2019, Gleisi diz que a estratégia de reestruturação da sigla passa necessariamente pela eleição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Palácio do Planalto em 2018 e pela formação de uma forte bancada de deputados federais, que garanta a governabilidade e influencie as decisões do Legislativo. Por isso, o PT deslocará vários de seus principais nomes para a eleição à Câmara, inclusive alguns de seus atuais senadores.

Não há plano para além de Lula, diz Gleisi. Na hipótese de haver antecipação das eleições, está certo que igualmente o candidato seria o ex-presidente. "Nós não temos nenhum plano B e nem C. O presidente Lula é nosso plano A, B e C". Por não ver alternativas, uma eventual condenação do ex-presidente será combatida como "fraude eleitoral". "Não há provas, é tudo baseado em delações. E isso está ficando claro a cada dia. A condenação do presidente Lula seria uma condenação para fraudar eleições".

O caso do ex-tesoureiro do PT, João Vaccari Neto - absolvido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região em ação em que havia sido condenado pelo juiz Sergio Moro a 15 anos e quatro meses de prisão por lavagem de dinheiro, associação criminosa e corrupção -, é usado por Gleisi como exemplo de que as condenações tem forte componente político e, por isso, podem ser revertidas. "A decisão do TRF deixou clara qual deve ser a postura da Justiça em termos de processo penal. Se não tiver prova, a delação não vale".

No tocante à atual crise política, por conta da denúncia contra o presidente Michel Temer, Gleisi diz que o PT não está aberto a qualquer conversa que envolva um acordo em favor do presidente da Câmara do Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ). "Ninguém está autorizado no PT a fazer essa conversa. Nenhum senador, nenhum deputado. Se o fizer, será desautorizado publicamente", ameaça. "Nós não reconhecemos nenhuma interlocução de transição com o governo Maia. Ele que não gaste tempo, não nos procure. Temer e Rodrigo Maia são farinha do mesmo saco". A possibilidade remota de se abrir um diálogo, afirma, só se daria se Maia recuasse da agenda econômica em pauta - sendo que é justamente a viabilidade dessa agenda que faz Maia estar cotado. "Teria que retirar a reforma trabalhista, a reforma da Previdência e refazermos a votação da PEC do Teto dos Gastos. Isso seria o mínimo para começarmos a conversar. E eleição direta, antecipação das eleições".

Ao contrário de um movimento, crescente em alas do PT, que tem feito um mea culpa em relação a erros cometidos pela legenda no uso em eleições de caixa dois e equívocos na condução da política econômica, principalmente no governo Dilma Rousseff, Gleisi rechaça tal reconhecimento. Para a presidente petista, os problemas foram basicamente o partido aderir ao recebimento de doações eleitorais por empresas e a nomeação do "liberal" Joaquim Levy para chefiar o Ministério da Fazenda. "O principal erro foi em 2015, quando o Joaquim Levy assumiu e começou uma política de restrição orçamentária e de austeridade. A presidenta Dilma depois viu isso, retirou o Joaquim Levy, mas já era tarde".

Uma das missões de Gleisi será construir um arco de apoios em torno de Lula. Para ela, a saída está à esquerda e os termos da proposta que o PT levará ao país reeditam a fórmula do segundo mandato de Lula, com o impulso econômico vinculado a um Estado indutor e a inclusão pelo consumo. "O Estado tem que ser um dos maiores propulsores de desenvolvimento econômico e de investimento. Temos que fazer, sim, reforma tributária, fazer uma reforma em que os lucros e dividendos sejam tributados. Que a gente acabe com os juros sobre capital próprio. E temos que investir para ter consumo, ter crédito barato neste país. BB, Caixa e BNDES são instrumentos importantes para baratear crédito".

Na seara política, a preocupação é fazer uma interlocução com a esquerda e centro-esquerda brasileira. "Nossa saída é pela centro-esquerda, acho muito difícil fazer uma nova aliança com o PMDB", afirmou a petista. Isso não quer dizer, necessariamente, rechaçar qualquer vínculo com o antigo aliado. "Você tem um Roberto Requião [no Paraná], por exemplo, que é muito difícil o PT não estar aliado a ele". Questionada se esse vínculo também se estenderia ao senador Renan Calheiros (AL), rompido com Temer e que tem estendido pontes em direção a Lula, Gleisi reage primeiro sisuda e, depois, com humor. "Não fizemos essa discussão. E chega de entrevista", encerra.

 

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4293, 10/07/2017. Política, p. A9.