O Estado de São Paulo, n. 45211, 30/07/2017. Política, p. A4.

 

Temer recompõe para barrar denúncia na Câmara

Isadora Peron / Carla Araújo

30/07/2017

 

 

PRESIDENTE ACUSADO / Desde a delação da JBS, presidente recebeu mais de 160 parlamentares, acelerou emendas, lançou ‘pacotes de bondades’, manteve Maia ao seu lado e se beneficiou das ‘ruas vazias’

 

 

Michel Temer conseguiu reverter, em pouco mais de dois meses, uma situação de crise aguda – momento em que sua renúncia chegou a ser cogitada – para uma expectativa de vitória, nesta semana, quando a denúncia por corrupção passiva apresentada contra ele poderá ser votada na Câmara. O presidente recebeu mais de 160 deputados e senadores, acelerou emendas parlamentares, lançou “pacotes de bondades”, manteve como aliado Rodrigo Maia (DEM-RJ), seu eventual sucessor, e se beneficiou das “ruas vazias”.

“Foi um embate diário”, disse o vice-líder do governo na Câmara, deputado Beto Mansur (PRB-SP), um dos membros da “tropa de choque” responsável por monitorar o número de votos que o presidente terá em plenário durante a análise da denúncia do procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Pela contagem mais recente, ele tem 280 votos – são necessários 172 para barrar a denúncia. “Eu não digo que já está resolvido, mas na quarta-feira temos muita chance de resolver essa questão”, afirmou Mansur.

Desde 17 de maio, quando veio à tona o conteúdo da delação premiada do empresário Joesley Batista, um dos donos da JBS, o presidente recebeu em seu gabinete no Palácio do Planalto 133 deputados federais e 30 senadores. Após a denúncia chegar à Câmara em 29 de junho, Temer iniciou uma verdadeira “blitze política” para receber deputados e convencê-los a votar contra a abertura de investigação no Supremo Tribunal Federal. Em um único dia, o presidente recebeu 30 parlamentares.

Nas conversas, além de rebater as acusações de Janot – para quem o presidente era o beneficiário da mala com R$ 500 mil com a qual foi filmado seu ex-assessor e ex-deputado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR) –, Temer apresentou sua versão dos fatos. O presidente também usou o argumento de que, se nem mesmo ele está seguro contra o avanço da Operação Lava Jato, imagine como ficaria o destino dos parlamentares que também são alvo de investigações.

O Planalto pressionou os partidos aliados a fechar questão contra a denúncia e a trocar 15 integrantes na Comissão de Constituição e Justiça para derrotar o parecer do deputado Sergio Zveiter (PMDB-RJ) e garantir um relatório favorável ao peemedebista, que foi assinado pelo deputado Paulo Abi-Alckel – da ala pró-governo do PSDB.

O peemedebista atendeu a interesses da base, como a liberação de R$ 4,1 bilhões em emendas parlamentares apenas em junho e julho – o equivalente a 97% do total liberado o ano inteiro –, e direcionou o foco do Executivo para projetos destinados às prefeituras, como o programa de regularização fundiária. A pouco mais de um ano das eleições de 2018, a oferta de recursos para obras em municípios tem como objetivo ajudar deputados e senadores a colher dividendos em suas bases eleitorais.

 

‘Lealdade’. A mobilização de Temer conseguiu até mesmo conter a “solução Maia”, que passou a ser cotado para o Planalto e fez movimentos que foram vistos como uma tentativa para se cacifar para o cargo. Aliados do deputado, no entanto, afirmam que parte do sucesso de Temer se dá justamente pelo fato de Maia não ter “conspirado” para tomar seu lugar.

“Eu cumpri o meu papel de presidente da Câmara, não sendo o condutor nem a favor nem contra esse processo. Do ponto de vista pessoal, eu mantive a lealdade ao governo do qual eu e o meu partido fazemos parte”, disse Maia ao Estado.

Outro ponto que beneficiou Temer foi a falta de “gente na rua”, isto é, de protestos significativos pedindo por sua saída. Aliados do peemedebista admitem que ele não aguentaria a pressão de “um milhão de pessoas na Avenida Paulista”, em referência aos atos que culminaram no impeachment de Dilma Rousseff.

Com o cenário provável de vitória, a expectativa do governo é de que as reformas – mote da gestão Temer – voltem à pauta do Congresso. No entanto, uma nova denúncia contra o presidente, com a acusação de obstrução da Justiça e organização criminosa, deve ser apresentada por Janot, que vai deixar o comando do Ministério Público Federal no dia 17 de setembro. Novas delações também podem voltar a conturbar o ambiente político.

Na Câmara, a defesa de Temer atacou o “açodamento” do MPF e sustentou que não há provas de corrupção passiva. Questionou ainda a autenticidade do áudio gravado por Joesley.

Com aprovação de apenas 5%, segundo a mais recente pesquisa Ibope, o presidente aposta na intensa ação política para se manter no cargo.

 

BLITZ E POLÍTICA

Base e emendas

O presidente Michel Temer recebe parlamentares e atende a interesses da base

 

R$ 4,1 bilhões

foram liberados em emendas

 

 

Sem protestos

Ainda que seu governo só tenha 5% de aprovação, Temer, ao contrário do que ocorreu com a presidente cassada Dilma Rousseff, se beneficia das “ruas vazias” e da ausência de protestos significativos nas capitais

 

 

Tucanos

Apesar da movimentação da ‘ala jovem’ do PSDB, Temer conseguiu manter o apoio de líderes tucanos que evitaram a saída formal do partido da base aliada ao presidente. O partido, porém, está dividido sobre o tema

 

Maia

Temer manteve a interlocução e a proximidade com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, 1º na linha sucessória e eventual beneficiado no caso do afastamento do peemedebista. Maia diz que permaneceu leal ao presidente.

 

 

‘Pacote de bondades’

Planalto se concentrou em projetos para prefeituras, como o programa de regularização fundiária. A oferta de recursos para obras em municípios ajuda parlamentares a colher dividendos em suas bases eleitorais

 

Manobra

Planalto pressiona partidos aliados na CCJ da Câmara

 

15

integrantes foram trocados, o que garantiu a vitória do governo