O Estado de São Paulo, n.45195, 14/07/2017. Política, p.A10

 

TRF-4 vai analisar ‘provas indiretas’

EX-PRESIDENTE SENTENCIADO / Juristas afirmam que rol de documentos em relação ao triplex passará por novo crivo

Por: Fabio Leite / Vítor Marques

 

Fabio Leite

Vítor Marques

 

Notas fiscais, contratos de serviços, mensagens de email, registros de imóvel, laudos periciais e delações. Sem a transferência formal do triplex do Guarujá (SP) de posse da construtora OAS para o nome do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, essas foram as provas indiretas usadas pelo juiz federal Sérgio Moro na condenação do petista a 9 anos e 6 meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro que vão passar por um novo crivo na segunda instância, pelos desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), em Porto Alegre.

Segundo juristas s ouvidos pelo Estado, o grande embate jurídico na corte de apelação deverá girar em torno dessas provas indiretas listadas por Moro em sua sentença, como laudo pericial sobre registro do imóvel no Edifício Solaris em nome da exprimeira-dama Marisa Letícia e o depoimento de José Adelmário Pinheiro Filho, o Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS, no qual ele afirmou que o apartamento reformado pela empreiteira pertencia a Lula. A defesa do ex-presidente sustenta que não há provas de que o imóvel tenha pertencido ao petista.

“O artigo 317 do Código Penal define como crime de corrupção passiva solicitar ou receber vantagem indevida. Esses são os dois verbos nucleares desta ação e o grande ponto de discórdia. Vale lembrar que o grande debate do mensalão foi sobre a necessidade ou não do ato de ofício”, disse Renato de Mello Jorge Silveira, professor de Direito Penal da USP e diretor do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp).

“É justamente a ocultação ou a dissimulação da propriedade proveniente de crime o que caracteriza a lavagem de dinheiro. Ou seja, não é necessário provar que ele (Lula) é de direito dono do apartamento. Se o fosse não haveria lavagem”, disse Gustavo Badaró, especialista em Direito Criminal e também professor da USP.

Na sentença, Moro afirmou que Lula cometeu os crimes entre 2009 e 2014, a partir da aquisição do edifício em nome da Bancoop pela OAS e com as reformas feitas pela empreiteira.

 

Estratégia. Os especialistas argumentaram que a defesa do ex-presidente Lula poderá tentar a prescrição da pena imputada ao petista caso os advogados consigam circunscrever os supostos crimes praticados ao período inicial da acusação. “Como o ex-presidente tem mais de 70 anos, o prazo de prescrição dos seis crimes, que é de 12 anos, caiu pela metade”, explicou Silveira.

Segundo o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Velloso, o TRF-4 vai examinar a sentença. “Vai examinar tudo. Os fatos, as provas, o direito, porque a apelação ao tribunal se examina a justiça da decisão. Tudo será reexaminado no julgamento da apelação, que pode alterar a pena, reformar a sentença ou confirmá-la.”

Para o professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) no Rio Thiago Bottino, começa um “novo jogo”. “Os desembargadores farão a mesma coisa que o Moro fez, mas é como se o jogo recomeçasse zero a zero. Agora, o Lula pode ser absolvido no caso do triplex, pode ser condenado no caso do armazenamento de bens. As possibilidades estão abertas.”

 

Recurso. Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em Porto Alegre, vai julgar a apelação de Lula contra a sentença de Moro

 

A SENTENÇA DE MORO

Crime

O professor Renato de Mello Jorge Silveira afirma que, com base no artigo 317 do Código Penal, basta a solicitação ou a promessa de recebimento de vantagem indevida para que a corrupção passiva seja consumada. “Como diz a sentença, não precisa haver a posse para haver o crime.”

 

Liberdade

Juristas consideram natural Moro manter Lula em liberdade até um julgamento na corte de apelação. “(Lula) é uma figura muito popular e Moro foi razoável”, afirmou o advogado Romualdo Sanches Calvo Filho, presidente da Academia Paulista de Direito Criminal.

 

Provas

O criminalista Gustavo Badaró diz que a sentença de Moro foi construída com um conjunto de indícios e provas indiretas. “É como em um homicídio. Posso condenar o autor mesmo sem ter visto que foi ele que atirou, mas se ele já tinha jurado a vítima de morte ou tentado matá-la.”

 

Civil x Criminal

Para o ex-ministro do STF Carlos Velloso, é correta a decisão de separar direito civil e criminal no que diz respeito a titularidade do imóvel, como escreveu Sérgio Moro. “Nesse ponto, ele (Moro) se manifestou que não examinava do ponto de vista civil e sim do ponto de vista criminal. Essa é missão do juiz criminal, que examina a questão do ponto de vista do direito penal a partir dos indícios, das provas existentes.” O advogado Romualdo Sanches Calvo Filho, da Academia Paulista de Direito Criminal, concorda: “Crimes de corrupção, de regra, são praticados na clandestinidade”, afirma

 

 

 

 

 

Desembargadores atuaram no MP antes da magistratura

PERFIL - Magistrados do TRF- 4 / Membros da 8.ª Turma do TRF-4 vão julgar os recursos contra sentença imposta pelo juiz Sérgio Moro ao ex-presidente
Por: Luiz Vassallo / Julia Affonso / Fausto Macedo

 

Luiz Vassallo

Julia Affonso

Fausto Macedo

 

Os desembargadores João Pedro Gebran Neto, Leandro Paulsen e Victor Luis dos Santos Laus, todos da 8.ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), serão responsáveis por julgar os recursos contra a sentença que o juiz Sérgio Moro, da 13.ª Vara Criminal Federal de Curitiba, impôs ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O petista foi condenando a 9 anos e 6 meses de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do triplex no Guarujá que Lula afirma não ser dele.

O colegiado poderá concluir o julgamento até agosto de 2018, ou seja, dois meses antes das eleições presidenciais que o petista planeja disputar. A previsão de que o caso terá um veredicto em pouco mais de um ano é do presidente do TRF-4, desembargador Carlos Eduardo Thompson.

Em entrevista à rádio BandNews, Thompson observou que “não há um prazo para a tramitação do processo”. Ele afirmou que as defesas ainda devem apresentar embargos, que serão avaliados pelo próprio juiz da Lava Jato. Após o parecer da primeira instância sobre este primeiro recurso, os advogados do ex-presidente e o Ministério Público Federal poderão apelar ao TRF-4.

Na corte federal é que, de fato, Lula poderá ter prisão decretada e se tornar inelegível em 2018, se sua condenação criminal for confirmada e seu nome entrar na Lei da Ficha Limpa. No TRF-4, situado em Porto Alegre e com jurisdição em Curitiba, o processo vai ficar sob o crivo dos três desembargadores que compõem a 8.ª Turma.

 

Independentes. Gebran, Paulsen e Laus são magistrados reconhecidamente preparados tecnicamente e independentes. Dois deles, Gebran e Laus, têm laços com o MP, instituição na qual atuaram antes de ingressar na magistratura.

Pelas mãos de Gebran, Paulsen e Laus passou, por exemplo, uma ação contra o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, a quem Moro condenou a 15 anos de prisão. Nessa ação, os desembargadores derrubaram a sentença do juiz – o relator, Gebran, votou pela manutenção da pena imposta a Vaccari, mas o placar sofreu uma reviravolta porque Paulsen e Laus, vencedores, votaram pela absolvição.

Nascido em Curitiba e formado  pela Faculdade de Direito da capital paranaense, Gebran, de 52 anos, tem pós-graduação em Ciências Penais e Processuais Penais pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e mestrado em Direito Constitucional, também concluído na instituição. Foi promotor de Justiça do Paraná e é juiz federal desde 1993 e ingressou no TRF-4 em 2013.

Paulsen é o revisor. Aos 47 anos, natural de Porto Alegre, ele é formado pela PUC-RS. É especialista em Filosofia e Economia Política pela mesma universidade.

É mestre em Direito do Estado e Teoria do Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e doutor em Direitos e Garantias do Contribuinte pela Universidade de Salamanca, na Espanha.

Paulsen ingressou na magistratura federal em 1993, na Justiça Federal de Porto Alegre, tendo sido vice-diretor do Foro da Seção Judiciária do RS e diretor do Foro. Atuou como juiz auxiliar no Supremo Tribunal Federal entre 2010 e 2011. Ingressou no TRF-4 em dezembro de 2013.

O terceiro magistrado, Victor Laus, de 54 anos, natural de Joaçaba (SC), é formado em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. Foi promotor de Justiça antes de assumir o cargo de procurador da República, no qual atuou por dez anos. Em 2002, ele assumiu a vaga de desembargador do TRF-4 destinada ao Ministério Público Federal.

Laus foi membro do Conselho de Administração do TRF-4 entre 2011 e 2013 e coordenador dos Juizados Especiais Federais em 2013.

 

2ª INSTÂNCIA

Os integrantes da 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), em Porto Alegre

 

João Pedro Gebran Neto

Desembargador e relator da Operação Lava Jato no TRF-4

 

Leandro Paulsen

Desembargador e revisor da 8ª Turma do TRF-4

 

Victor Luiz dos Santos Laus

Desembargador