O globo, n.30719 , 14/09/2017. PAÍS, p. 3

LULA REAGE A ‘PACTO DE SANGUE’

CLEIDE CARVALHO

SÉRGIO ROXO

GUSTAVO SCHIMITT

THIAGO HERDY

14/09/2017

 

 

Ex-presidente agora diz que Palocci é ‘frio e calculista’; ex-ministro devolve acusações

Uma semana após Antonio Palocci dizer que Luiz Inácio Lula da Silva fez “um pacto de sangue” com a Odebrecht, o expresidente mudou o tom e fez ataques contra o companheiro de partido e antigo homem forte do seu governo e da gestão Dilma Rousseff. Se, no passado, o petista fez rasgados elogios a Palocci, ontem, em depoimento ao juiz Sergio Moro, Lula classificou o ex-aliado como “frio e calculista”. Disse ainda que o ex-ministro mente à Justiça para tentar obter benefícios, mas que não tem raiva dele, e sim pena.

— Eu conheço o Palocci bem. Palocci, se não fosse um ser humano, seria um simulador. Ele é tão esperto que é capaz de simular uma mentira mais verdadeira que a verdade. É médico, calculista, é frio — disse.

Lula acusou Palocci de ter mentido a Moro para obter benefícios da delação premiada “ou quem sabe ele queira um pouco do dinheiro que vocês bloquearam dele”. Lula negou ter conversado com o ex-ministro sobre o imóvel comprado por R$ 12 milhões pela Odebrecht para o Instituto Lula, tampouco sobre uma oferta de R$ 300 milhões da Odebrecht recebida do empresário Emílio Odebrecht, já no fim de seu governo, para seus projetos pessoais e políticos:

— Vi o Palocci mentir aqui esta semana (semana passada). Ninguém no meu governo, muito menos na minha casa, discutia comigo qualquer coisa de Instituto. Porque dei uma ordem: não quero discutir o futuro do Lula antes do dia 31 de dezembro de 2010. Quando eu deixar a Presidência, vou discutir a minha vida. Advogado de Palocci, Adriano Bretas rebateu. — O ex-presidente Lula afirmou que Palocci teria sido frio, calculista, dissimulado. Desejo para ele os mesmos adjetivos — disse Bretas. — Quando Palocci estava em silêncio, ele era inteligente. Dissimulado é ele (Lula), que nega tudo o que contraria ele. Alguém fala contra ele, é mentiroso. Alguém apresenta um documento, o documento não existe — completou.

Lula admitiu ter ficado preocupado com a “delação” do ex-ministro e afirmou que Palocci encerrou o depoimento da semana passada de “forma magistral” ao dizer que falou com ele sobre obstrução à Justiça. Num dos vários momentos em que se irritou, Lula disse que foi ele próprio quem tirou o tapete da sala para que “a podridão apareça”.

O ex-presidente contou ter ouvido “atentamente” o que Palocci disse a Moro sobre o encontro com Emílio.

— A desfaçatez do companheiro Palocci foi de tal magnitude que ele inventou uma história de que o Emílio foi lá, foi discutir um fundo que tinha sido criado (para financiar o PT), a manutenção desse fundo, a manutenção da relação dele com a Dilma — reclamou.

Ao se lembrar da acusação de que fizera um “pacto de sangue”, Lula disse que Palocci usou uma frase de efeito e que foi o ex-ministro quem fez um “pacto de sangue com delatores, advogados e talvez com o Ministério Público”.

— Ele disse exatamente o que o PowerPoint queria que ele dissesse — acusou Lula, referindo-se ao material apresentado pelo procurador Deltan Dallagnol, quando foi apresentada a denúncia relacionada ao tríplex do Guarujá, que colocou Lula no centro de uma organização criminosa.

Moro tentou interromper Lula, mas foi cortado pelo ex-presidente.

— Eu sei que hoje é meu dia de falar, não estou aqui com bronca do Palocci — afirmou. Um pouco mais adiante, Lula voltou ao tema: — Eu não tenho raiva do Palocci, tenho pena. Ele é um quadro político excepcional.

Já numa praça pública no centro de Curitiba, onde fez um discurso para a militância depois do depoimento, Lula bradou:

— Jamais mentiria para vocês. Eu prefiro a morte do que passar para a História como mentiroso.

 

LULA ATRIBUI ALUGUEL A DONA MARISA

Ainda no depoimento, o ex-presidente atribuiu à ex-primeira-dama Marisa Letícia, que morreu neste ano, a responsabilidade por gerir o pagamento do aluguel do apartamento 121, vizinho ao que é de sua propriedade, em São Bernardo do Campo (SP), e gerir seu imposto de renda.

Apesar de haver um contrato de aluguel assinado desde 2011 com Glaucos da Costamarques, primo de José Carlos Bumlai e dono do imóvel, o ex-presidente não pagou pelo aluguel até o ano de 2015, ano em que as investigações chegaram à Odebrecht. Executivos da empreiteira contaram ter comprado o imóvel para Lula, o que explicaria a falta de pagamentos de aluguel ao proprietário do imóvel no papel.

— Eu não tratava dos meus assuntos caseiros. Inclusive quem fazia o acerto, juntava papelada para declarações de imposto de renda era minha querida esposa — disse Lula.

O contrato de aluguel foi assinado por Marisa. Apesar de não terem sido feitos pagamentos entre 2011 e 2015, tanto Glaucos quanto Lula registraram no imposto de renda pagamentos que somaram cerca de R$ 200 mil. Durante o depoimento, o ex-presidente disse que desconhecia a inadimplência.

Lula negou ainda conhecer um contrato para compra do imóvel pelo Instituto Lula, apreendido na casa dele.

— Eu não sei o que encontraram na minha casa, doutor. Entraram seis horas da manhã, num escritório na minha casa... faz exatamente 20 anos que moro naquela casa e 20 anos que não entro naquele escritório. Eu diria que era quase um lugar de jogar tranqueira, de jogar papéis e mais papéis. O fato de ter encontrado isso num escritório na minha casa não significa que eu tenha conhecimento ou que eu tenha visto. Até porque não sou obrigado a acreditar que foi encontrado na minha casa — disse Lula.

Moro perguntou se o ex-presidente Lula confirmava ter visto o documento que havia sido apreendido na casa dele.

— Tenho dúvida, depois do que estão fazendo comigo... Sou um homem que tenho muitas dúvidas hoje — respondeu.(Colaboraram Silvia Amorim e Dimitrius Dantas)