Troca de meta não muda sinal da política fiscal, dizem analistas

Fabio Graner

14/08/2017

 

 

Mesmo com a eventual mudança de meta fiscal em discussão no governo, o sinal contracionista da política fiscal deve se manter neste ano, na avaliação de economistas do governo e do setor privado ouvidos pelo Valor. A equipe econômica discute elevar a meta de déficit dos atuais R$ 139 bilhões para um valor próximo, mas um pouco abaixo, do ano passado, quando o déficit chegou a R$ 159,5 bilhões. A manutenção da política fiscal no terreno contracionista é importante porque é uma das variáveis consideradas pelo BC na definição da taxa de juros. Se o sinal de que o desempenho fiscal não está estimulando a atividade econômica se mantém, o caminho para a continuidade das quedas dos juros segue livre, embora outras variáveis sejam consideradas nas decisões da autoridade monetária. O economista-chefe da LCA Consultores, Bráulio Borges, explica que há várias formas de se medir o chamado impulso fiscal. Uma delas é a variação real (descontada a inflação). Neste ano, diz, mesmo com a mudança de meta, a despesa deve ficar com variação real zero ou levemente positiva, cenário que não se altera com a mudança da meta. Borges destaca que outra forma de se avaliar o impulso fiscal é o resultado primário estrutural, que desconta os efeitos do ciclo econômico e algumas receitas e despesas extraordinárias. Essa medida é a usada pelo BC e, segundo o economista da LCA, as contas do primeiro trimestre apontavam uma política fiscal contracionista, com resultado primário positivo de 0,2% do PIB, que se mantinha perto desse nível no segundo trimestre.

Para ele, o ano deve terminar com superávit estrutural de 0,5% do PIB, saldo que pouco mudaria, caso a meta seja mesmo alterada por conta de eventos como a alta do imposto sobre combustíveis e da manutenção do esforço de contenção de despesas. Duas fontes da equipe econômica têm avaliação semelhante e consideram que o sinal da política fiscal está levemente contracionista e assim seguirá mesmo no caso de mudança de meta. A visão é que a hipótese de revisão da meta ocorre por frustração de receitas e uma atividade econômica ainda baixa, enquanto o governo mantém contida as despesas. Uma das fontes lembra que, mesmo para o ano que vem, quando deverá haver maior crescimento e a meta pode acabar sendo do mesmo valor da definida para este ano, há chances de o resultado fiscal continuar levemente contracionista ou neutro. "O hiato [do PIB] ainda vai estar bem positivo, apesar do crescimento. Precisa fazer conta, mas provavelmente vai ser contracionista novamente", disse esse interlocutor. Nos bastidores do governo, falava-se da possibilidade de em 2017 e 2018 as metas ficarem em déficit de R$ 159 bilhões, embora parte da equipe econômica, em especial na Fazenda, queira mostrar uma trajetória mais clara de melhora fiscal e tenha dúvidas sobre a necessidade e conveniência da revisão desses objetivos. A meta atual para 2017 é de déficit de R$ 139 bilhões e para 2018, de R$ 129 bilhões.

Para Antônio Corrêa de Lacerda, professor da PUC-SP e sócio da AC Lacerda, a contração fiscal é clara porque o governo tem cortado uma série de despesas, em especial dos investimentos públicos, o que representa um impulso negativo para a atividade. Ele considera que, apesar da revisão da meta, o governo deverá manter contraído o investimento público. Ele aponta uma contradição na política de contração fiscal: ao atrasar a retomada do crescimento, acaba atrapalhando o próprio ajuste fiscal. "A contradição da política fiscal contracionista é que ela leva a um déficit maior pela frustração de receitas. É um moto contínuo", disse Lacerda, destacando que essa situação pode forçar novas revisões de meta no futuro. Segundo Lacerda, o lado fiscal não será um empecilho para a continuidade da queda dos juros no atual ritmo. Mesmo em 2018, a contração dos gastos públicos, em especial dos investimentos, deve continuar a inflação está baixa. "A mudança de meta não é motivo para mudar a trajetória", disse. Para ele, o problema é que boa parte dos economistas entende que o Brasil não pode ter juro real abaixo de 4%, o que pode colocar um freio no BC mais à frente.

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4318, 14/08/2017. Brasil, p. A3.