O globo, n.30734 , 29/09/2017. ARTIGOS, p.6​

Com medo da Lava-Jato, Senado desafia o STF

RICARDO NOBLAT

29/09/2017

 

 

O Senado quer negociar com o Supremo uma solução para a crise aberta pelo afastamento de Aécio e seu recolhimento domiciliar noturno. Pelo menos por ora, faltou coragem ao Senado para bater de frente com o Supremo Tribunal Federal (STF), que afastou do mandato o senador Aécio Neves (PSDB-MG) e obrigou-o a recolher-se à sua casa sem poder sair dali todas as noites. Por outro lado, sobrou ousadia temerária para desafiá-lo.

O Senado deixou para a próxima semana a decisão de tentar revogar a decisão da Primeira Turma do STF de punir Aécio, investigado por corrupção no processo a que respondem executivos do Grupo JBS. Aécio recebeu do empresário Joesley Batista R$ 2 milhões em dinheiro vivo.

A esperança do Senado é que até lá o Supremo dê o dito pelo não dito, evitando assim a colisão de um Poder com o outro. Dificilmente o STF recuará. Primeiro, porque a decisão da Primeira Turma tem sólida fundamentação jurídica. Segundo, porque se o fizesse sairia da contenda desmoralizado.

Aécio não está preso como muito dos seus pares erradamente dizem que está para acirrar os ânimos contra o Supremo. Recolhimento domiciliar noturno nada tem a ver com prisão. Trata-se de uma medida cautelar prevista no Código de Processo Penal votado e aprovado pelo Congresso em 2011.

No exercício do mandato, a não ser se flagrado cometendo crime continuado, parlamentar só pode ser preso com autorização da maioria dos seus colegas na Câmara dos Deputados ou no Senado. Como não é o caso de Aécio, o Senado nada poderia ou deveria fazer a respeito.

Mas ali, onde 13 dos 81 senadores estão em débito com a Lava-Jato, é enorme o medo de que amanhã o Aécio da vez possa ser qualquer outro. Não é mesmo, Eunício Oliveira (PMDB-CE), presidente do Senado? Não é Renan Calheiros (PMDB-AL), ex-presidente do Senado?

O senador Romero Jucá (RR), presidente do PMDB, uma espécie de ministro oculto do governo, viu, ontem, a Polícia Federal bater à porta do seu filho Rodrigo e das enteadas Ana Paula Surita Macedo e Luciana Surita Macedo, suspeitos de fazer parte de uma organização criminosa.

A luz vermelha está acesa no Congresso. Vida de político treloso não está fácil. Justamente porque não está, ele pouco tem a perder. Ou cai atirando ou cai sem atirar. Melhor disparar em todas as direções na esperança de estancar a sangria.