O Estado de São Paulo, n.45210 , 29/07/2017. Política, p. A4

 

Congresso ignora delações do Grupo J&F e  Odebrecht

Lava Jato. Mais de 200 parlamentares – entre deputados e senadores – foram citados, mas até agora nenhum processo de cassação foi aberto nos Conselhos de Ética das Casas

Por: Igor Gadelha

 

Igor Gadelha

Nas delações da Odebrecht e do Grupo J&F mais de 200 parlamentares foram citados, mas até agora nenhum processo foi aberto nos Conselhos de Ética da Câmara e do Senado. Partidos de oposição chegaram a protocolar duas representações com base na colaboração premiada dos irmãos Joesley e Wesley Batista. Os processos, porém, foram arquivados antes de serem analisados.

Na atual legislatura (20152018), dois parlamentares foram cassados pelos Conselhos de Ética do Congresso (mais informações nesta página).

Após a delação dos acionistas e executivos da J&F – que controla o frigorífico JBS –, Rede e PSOL apresentaram representações com pedido de cassação dos mandatos do senador Aécio Neves (MG), presidente licenciado do PSDB, e do hoje suplente de deputado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR), ex-assessor do presidente Michel Temer no Palácio do Planalto.

A representação contra Aécio era baseada no grampo em que o tucano foi flagrado pedindo R$ 2 milhões a Joesley sob a justificativa de que usaria o dinheiro para pagar sua defesa na Lava Jato. Mas, antes mesmo de ser analisado, o pedido de cassação foi arquivado pelo presidente do Conselho de Ética do Senado, João Alberto Souza (PMDBMA). Recurso que pedia a reabertura do processo também foi rejeitado, por 11 votos a 4.

Já a representação contra Rocha Loures tinha como base vídeo gravado pela Polícia Federal no qual o peemedebista aparece saindo de uma pizzaria em São Paulo com uma mala contendo R$ 500 mil. Antes de ser instaurado, porém, o processo perdeu o objeto e foi arquivado, pois Loures deixou o exercício do mandato com o retorno à Câmara de Osmar Serraglio (PMDB-PR), de quem o ex-assessor de Temer era suplente.

O acordo de colaboração do Grupo J&F foi homologado em maio pelo ministro Edson Fachin, relator da Operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal. A Procuradoria-Geral da República apresentou denúncias (acusações formais) contra Temer, Aécio e Rocha Loures com base nas investigações.

‘Seletivas’. Partidos que mais protocolam representações nos conselhos, Rede e PSOL justificam que não entraram com outros pedidos para evitar arquivamentos. “Se a gente entupir o conselho, vai ter um monte de parecer prévio negando as representações. Porque o conselho é formado por um conjunto de figuras indicadas pelos partidos, em grande parte, para barrar qualquer investigação”, afirmou o deputado Ivan Valente (PSOL-SP).

Valente defendeu uma “entrada seletiva” de representações. Para ele, é preciso concentrar a atuação em processos contra parlamentares com mais visibilidade política. “Os dirigentes partidários devem ser o foco, pessoas que têm uma função e responsabilidade maiores que parlamentar secundário. Se não fizer escolha, vai ter 70, 80 processos, sem desenvolvimento.” O deputado disse que o PSOL deve discutir novas representações “seletivas” quando o Congresso retomar as atividades, na próxima semana.

Único representante da Rede no Senado, Randolfe Rodrigues (AP) também defendeu cautela. “O critério preliminar que definimos é o grau de escândalo do caso. Se entrar contra todos, nossa atividade parlamentar ficaria restrita a isso”, afirmou.

As defesas de Aécio, Rocha Loures e Temer negam as acusações contidas na delação da J&F e nas denúncias da Procuradoria-Geral da República.

 

PARA LEMBRAR

Delcídio e Cunha foram alvo

Na atual legislatura (20152018), dois parlamentares foram cassados pelos Conselhos de Ética da Câmara e do Senado até agora. No Senado, Delcídio Amaral (sem partido-MS, na foto) teve o mandato cassado em maio de 2016, após ter sido preso pela Polícia Federal em novembro de 2015, por tentar obstruir as investigações da Lava Jato ao oferecer R$ 50 mil mensais à família do ex-diretor da Petrobrás Nestor Cerveró para ele não fechar delação premiada. Na Câmara, o ex-presidente da Casa Eduardo Cunha (PMDB-RJ) foi cassado em setembro de 2016, por ter mentido à CPI da Petrobrás ao afirmar que não mantinha contas secretas no exterior.

 

 

 

 

 

Presidentes de colegiados alegam falta de provas

‘Tem muita matéria de jornal, mas, oficialmente, não há nada’, diz deputado que comanda o Conselho de Ética da Câmara

 

Os presidentes dos Conselhos de Ética da Câmara e do Senado afirmaram que as representações são arquivadas por fragilidade das provas. “Tem muita matéria de jornal, mas, oficialmente, não há nada”, disse o presidente do colegiado na Câmara, Elmar Nascimento (DEMBA). “O caso do (Rodrigo) Rocha Loures era batom na cueca. Era só dar o direito de defesa, não tinha muito o que fazer, mas perdeu objeto (Loures deixou de ser deputado)”, afirmou o deputado. Loures agora é suplente, e não cabe ao colegiado da Casa analisar o caso.

Nascimento afirmou que vale no conselho a tese de que só pode haver representação por irregularidades praticadas no atual mandato. “Na época do processo do (deputado cassado Eduardo) Cunha (PMDB-RJ), o conselho tomou essa decisão por unanimidade, mas não sei o que pensam os atuais membros. Se tiver a representação, vai ter de levar para os novos membros avaliarem.”

Como mostrou o Estadão/Broadcast em abril, a maioria dos 21 titulares do Conselho de Ética da Câmara considerava que apenas provas de crime cometido no exercício do mandato justificavam instauração de processo de cassação com base na delação da Odebrecht. Para eles, os inquéritos autorizados pelo Supremo Tribunal Federal contra 39 deputados e 24 senadores com base na colaboração eram insuficientes para instaurar ações no colegiado.

O presidente do Conselho de Ética do Senado, João Alberto Souza (PMDB-MA), também afirmou que as representações protocoladas não foram abertas por falta de provas. “Eles (Rede e PSOL) não apresentaram provas contra o Aécio Neves. Apresentaram um empréstimo do Joesley Batista, até então tido como homem sério, com amizade no Judiciário, Legislativo e Executivo. (Joesley) fez uma armação com a PF, porque os R$ 2 milhões que Aécio pediu qualquer pessoa pode pedir para outra. Propina é uma troca, e não houve isso”, disse.