Brasil usou Mercosul 'como desculpa', diz Azevêdo

Fabio Murakawa

25/08/2017

 

 

Diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), o brasileiro Roberto Azevêdo disse ontem em audiência no Senado que o Brasil usou o Mercosul "como desculpa" para não avançar em negociações comerciais. Para ele, o país tem problemas internos que travam progressos nesse setor, como uma indústria "que tem dificuldades também em processos de abertura com certos blocos". Para o diplomata, muitas das respostas para o caráter ainda relativamente fechado da economia brasileira "estão aqui dentro também". Azevêdo fez os comentários ao responder aos questionamentos do senador Lasier Martins (PSD-RS), na Comissão de Relações Exteriores, sobre as travas impostas pelas regras do bloco sul-americano. Citando as dificuldades de fechamento de um acordo com a União Europeia, Lasier disse que o bloco confina as relações comerciais brasileiras "praticamente só dentro da América do Sul". "Durante muito tempo o Brasil, a meu ver, não sei se usou como desculpa, ou se escondeu um pouco atrás do Mercosul. Nós temos problemas internos também. Não foi só o Mercosul, ou o fato de o Brasil ser parte do Mercosul, que impediu que avançássemos em determinadas negociações comerciais", afirmou Azevêdo. "Eu digo isso com certo conhecimento de causa, porque era o subsecretário de temas comerciais no Itamaraty e via que a nossa indústria tem dificuldades também em processos de abertura com certos blocos. Não podemos ignorar essa realidade."

Para ele, "muitas das respostas à pergunta de Lasier "estão aqui dentro também". "Nós temos que falar que uma coisa é ouvir o que dizem as grandes lideranças comerciais, outra coisa é quando você vai descendo o nível e falando no nível setorial. A conversa é muito diferente quando se chega naquele ponto", disse. Azevêdo opinou que é necessário ao país "pensar em termos competitivos". "Eu sou contra modelos fechados. O modelo fechado funciona durante um tempo, mas não é sustentável no longo prazo. Ou você é competitivo, ou você não vai ganhar espaço, vai introduzir mais e mais ineficiências na sua economia e ficará difícil, no futuro, corrigir essas distorções." Ao mesmo tempo, afirmou, ser competitivo não é fácil, sobretudo quando há problemas fiscais que "limitam possibilidades de determinados tipos de incentivo". "A política comercial brasileira não pode estar olhando para o mercado interno apenas", disse. "E o mercado externo sempre foi um pensamento de segunda linha", afirmou o diploma. "Eu creio que deveria se inverter um pouco isso." Azevêdo faz sua primeira visita ao Brasil depois do recente exame da política comercial do país, que resultou em 900 questões feitas pelos membros da OMC e concluiu, entre outras coisas, que os incentivos bilionários do governo não resultaram na melhora da competitividade da indústria e custam caro ao contribuinte.

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4327, 25/08/2017. Brasil, p. A4.