Correio braziliense, n. 19755, 28/06/2017. Opinião, p. 13

 

O cenário do Banco Central

Armando Castelar 

28/06/2017

 

 

Semana passada, o Banco Central (BC) publicou seu segundo Relatório Trimestral de Inflação (RTI) de 2017. O documento discute como a inflação tem evoluído e, mais aguardado pelos investidores, como deve se comportar nos próximos trimestres, para diferentes hipóteses sobre a taxa de câmbio (R$/US$) e os juros. Essas previsões são calculadas a partir do modelo de inflação do BC, que orienta as decisões da instituição sobre a Selic, e daí o interesse dos investidores.

Nos últimos meses, a inflação se comportou não só bem, como melhor que o esperado, surpreendendo positivamente tanto a autoridade monetária quanto os analistas de mercado. Assim, no trimestre março-maio de 2017, os preços ao consumidor subiram 0,70%, contra previsão do BC de alta de 1,23%. O bom comportamento deve se manter no curto prazo: para o trimestre junho-agosto de 2017, o BC projeta inflação acumulada de 0,47%, trazendo a taxa em 12 meses para apenas 2,73%. Os analistas de mercado são ainda mais otimistas, antevendo alta de 2,54%. Em qualquer dos dois casos, será a menor taxa de inflação em 12 meses desde o início de 1999.

A forte queda da inflação de alimentos explica boa parte da desinflação observada no último ano. Responsáveis por cerca de um sexto do índice de inflação, os preços da alimentação no domicílio saíram de alta de 14,7% um ano atrás para 1,1% no acumulado de 12 meses até maio último. Outros componentes do IPCA também têm subido menos, como bens industriais e serviços. O levantamento do BC junto aos analistas de mercado também sugere que as expectativas de inflação de médio prazo — 2019 em diante — estão bem ancoradas em torno da nova meta de 4,25% que o Conselho Monetário Nacional deve estabelecer na sua reunião de amanhã (29/junho).

Com esse pano de fundo, as projeções do BC referendam a expectativa do mercado de que o Comitê de Política Monetária (Copom) reduzirá a taxa Selic em 0,75 ponto percentual (pp) na reunião de 26 de julho, com novos cortes de 0,5 pp em cada uma das duas reuniões seguintes. Com isso, a Selic entraria novembro no patamar de 8,5%, aí ficando em 2018. Confirmado esse cenário, o juro real cairia de 6,2% em 2017 para 3,8% em 2018.

O BC indica que 8,5% pode, ou não, ser o piso da Selic neste ciclo de cortes. Vai depender de como a crise política evoluirá e de qual será seu impacto sobre o avanço das reformas, o nível de atividade e o risco-país. Tudo indica, porém, que novos cortes, se vierem, serão poucos e pequenos: tanto os núcleos de inflação quanto as expectativas para os preços administrados, como as próprias previsões do BC sinalizam haver pouco espaço para cortes adicionais.

O cenário do BC também é relativamente tranquilo em algumas outras dimensões. Ele enfatiza que o cenário externo, que já era favorável, ficou ainda melhor para o Brasil. Contribuíram para isso a redução do risco político na Europa, com a eleição de Macron, na França; o aparente fracasso do presidente americano em emplacar sua agenda de estímulos fiscais, com os juros longos e o câmbio nos EUA, devolvendo parte da alta observada após a eleição de novembro passado; e a aceleração sincronizada do crescimento nos países ricos. A expectativa é de que o Brasil ganhe com um mundo que cresce mais, mas em que o financiamento externo segue farto e barato.

O BC continua apostando em uma alta de 0,5% do PIB este ano, mas com um perfil menos animador. Do lado da oferta, essa expansão decorre quase toda da recuperação da agropecuária e da extrativa mineral, depois das fortes quedas de 2016. Pelo lado da demanda, só os estoques crescem, como alta nula da demanda externa e da soma dos demais componentes da demanda doméstica. Por fim, o BC projeta um cenário tranquilo para as contas externas, com deficit em conta-corrente reduzido e, confortavelmente, financiado pela entrada de investimentos estrangeiros.

Portanto, um cenário desanimador, embora melhor do que a realidade dos dois últimos anos. Ele sugere que o país bateu no fundo do poço, mas não tem perspectiva de sair daí no curto prazo, mesmo com toda ajuda externa. O que reflete, a meu ver, os fundamentos econômicos muito ruins herdados da experiência da nova matriz econômica. Por fim, deve-se atentar que esse cenário é narrativa plausível, mas não a única possível para o próximo ano e meio. Há riscos que podem levar a  cenário bem diferente do descrito no RTI.

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ARMANDO CASTELAR

Coordenador de Economia Aplicada do IBRE/FGV e professor do Instituto de Economia da UFRJ