Ataque ao Parlamento

Rodrigo Craveiro

06/07/2017

 

 

Apenas 6km separavam um mega aparato de segurança do caos e da agressão a um dos últimos pilares da democracia, em Caracas. Enquanto o presidente Nicolás Maduro participava do desfile militar para marcar o 206º aniversário de independência da Venezuela, no Paseo Los Próceres, colectivos (grupos armados apoiados pelo governo) invadiam o Palácio Federal Legislativo, sede da Assembleia Nacional, sem intervenção da Guarda Nacional Bolivariana, segundo testemunhas. Com paus e pedras, simpatizantes de Maduro dispararam morteiros, deixaram 12 feridos, entre eles cinco deputados, promoveram saques e impuseram cerco de nove horas a 350 parlamentares, funcionários e jornalistas.

Após ser golpeado na cabeça com uma barra de ferro, Américo De Grazia — deputado pelo partido CausaR (da coalizão opositora Mesa de Unidade Democrática, MUD) — sofreu convulsão, desmaiou e foi hospitalizado com traumatismo craniano e torácico. Até o fechamento desta edição, sua condição era estável. Os colegas Leonardo Regnault, Armando Armas, Nora Bracho e Luis Carlos Padilla também foram fotografados ensanguentados. Maduro condenou “os fatos estranhos, sempre estranhos, onde está a oposição” e assegurou que jamais será cúmplice da violência. A comunidade internacional repudiou o ataque à sede do Legislativo.

Por telefone, Julio Borges, presidente da Assembleia Nacional, relatou ao Correio que o Parlamento havia encerrado uma sessão solene em honra à data de 5 de julho, Dia da Independência da Venezuela. “Nós tínhamos como convidada especial Inés Quintero, uma historiadora venezuelana muito importante. Por volta das 11h30 (12h30 em Brasília), saíamos do prédio, quando entraram umas 200 pessoas  do governo. Começaram a atacar o público e os deputados”, afirmou. “Elas agiram com total impunidade das forças de segurança, que não somente permitiram a invasão como o assédio ao Palácio Federal Legislativo.”

Ainda no hospital, depois de se submeter a mais de três horas de suturas, Regnault falou ao Correio, também por telefone. De acordo com ele, a confusão começou pouco antes de uma sessão ordinária — a segunda do dia — para a aprovação do referendo consultivo de 16 de julho, o qual decidirá sobre a Constituinte convocada por Maduro. “Um grupo de manifestantes violentos invadiu o Palácio Federal Legislativo. Por entendermos que a Assembleia Nacional é um dos baluartes fundamentais da luta pela mudança e pela democracia, fizemos frente a essa situação. Fomos agredidos, de forma brutal, selvagem e covarde, por um grupo, que também roubou os nosso pertences. Levaram o meu celular, além de documentos e dinheiro”, contou o integrante do partido opositor Avanzada Progresista. “Fui espancado com paus, pedras e tubos. Eles me romperam a cabeça e tive que receber 15 pontos. Também levei golpes no rosto.”

Apesar da agressão, Regnault garantiu que não se intimidará. “Estou bem e com a convicção de que seguiremos com as nossas responsabilidades e continuaremos nas ruas, desafiando esse governo covarde e corrupto. Pedimos aos colegas deputados que se coloquem ao lado do povo, na linha de frente em defesa da institucionalidade”, comentou.

No momento em que a reportagem entrevistava Dinorah Figuera, do partido Primero Justicia, era possível escutar o barulho de explosões. “Está ouvindo? São morteiros”, disse a parlamentar, às 16h33 de ontem (hora de Brasília). “Fomos surpreendidos, desde as primeiras horas do dia, pela infâmia. Os grupos de terror dispararam, amedrontaram, golpearam e roubaram celulares. Os usurpadores do poder praticamente deram luz verde aos colectivos”, desabafou, ao revelar que também foi golpeada no peito.

 

Repúdio

No centro de uma perseguição encampada por Maduro, a procuradora-geral da República, Luisa Ortega, condenou o ataque ao Parlamento e fez um apelo pelo fim da violência. Os governos de Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, fundadores do Mercado Comum do Sul (Mercosul), manifestaram sua “mais categórica rejeição” à invasão. “Tais fatos, precedidos de uma intervenção de altas autoridades do Poder Executivo, sem prévio acordo das autoridades legislativas, constituem um avassalamento do Executivo sobre outro Poder do Estado, algo inadmissível na institucionalidade democrática”, alertou o bloco.

O governo norte-americano, por meio do Departamento de Estado, também reforçou o repúdio à agressão. “Essa violência, executada durante a celebração da independência da Venezuela, é um assalto aos princípios democráticos valorizados por homens e mulheres que lutaram pela independência do país há 206 anos”, declarou Heather Nauert, porta-voz da chancelaria.

 

Frase

“Condeno absolutamente esses fatos, até onde os conheço. Nunca serei cúmplice de qualquer ação de violência”

Nicolás Maduro, presidente da Venezuela

 

Os deputados falam

 

Julio Borges, presidente da Assembleia Nacional, em entrevista ao Correio Braziliense

“O que ocorreu hoje (ontem) foi a continuação do golpe de Estado. Nicolás Maduro afirmou condenar os fatos, mas todas pessoas que vieram à Assembleia eram gente dele. A Guarda Nacional Bolivariana nada fez. Ao mesmo tempo, deixou que isso ocorresse com total impunidade. Convocamos a comunidade internacional a adotar uma posição forte e condenar o que é uma amostra do que seria a Constituinte de Maduro.”

 

Leonardo Regnault, partido Avanzada Progresista, ferido a pauladas e pedradas, em entrevista ao Correio

“Este foi ó último estertor de um governo que se encontra agonizante e órfão de seu próprio povo. É um governo que não conta com respaldo popular e apela à violência para tentar se manter no poder de maneira ditatorial. Não sei se será amanhã, mas o certo é que esse governo tem data de expiração. É certo que os venezuelanos farão que chegue o governo da transformação e da mudança. E que possamos trilhar um caminho, juntos, para a reconstrução da Pátria.”

 

Dinorah Figuera, partido Primero Justicia

“Condenamos a perda de legitimidade de Maduro, por meio da fragilidade que expressa com essas ações. É a violência de um governo ditatorial e autoritário, que usa o abuso de poder de maneira sistemática. Também condenamos a Guarda Nacional Bolivariana, que permitiu a esses grupos realizarem praticamente uma situação de sequestro e de ameaça sistemática. As suspeitas recaem sobre o vice-presidente, Tareck El Aissami, e sobre o ministro da Defesa, Padrino López.”

 

 

Correio braziliense, n. 19763, 06/07/2017. Mundo, p. 14.