Correio braziliense, n. 19785, 28/07/2017. Política, p. 2

 

A  última propina do "grande gestor" do PT 

Paulo de Tarso Lyra e Renato Souza 

28/07/2017

 

 

REPÚBLICA EM TRANSE » Ex-presidente do Banco do Brasil e da Petrobras no governo petista é preso na Operação Lava-Jato acusado de pedir R$ 3 milhões à Odebrecht. Segundo delação dos executivos da empreiteira, Aldemir Bendine cobrou dinheiro duas vezes

Aldemir Bendine, o último comandante da Petrobras durante o governo do PT, tornou-se ontem o primeiro ex-presidente da estatal preso com base nas investigações da Operação Lava-Jato. Bendine substituiu Graça Foster em fevereiro de 2015 — quase um ano depois do início da apuração do escândalo de corrupção na empresa. Nomeado para, em tese, melhorar a governança da Petrobras, ele cobrou R$ 3 milhões em propinas da Odebrecht para evitar que a ação do Ministério Público Federal atingisse a empreiteira, às vésperas da posse. Ele foi preso ontem, em Sorocaba, no interior de São Paulo, durante a Operação Cobra, batizada com o mesmo codinome no qual ele aparece nas planilhas da Odebrecht.

O pagamento foi feito em três parcelas de R$ 1 milhão, nos dias 17 e 24 de junho e 1º de julho de 2015. As duas últimas foram pagas após a prisão de Marcelo Odebrecht — o empreiteiro foi detido no dia 19 de junho. No dia 31 de julho, Bendine participou, ao lado do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, de um evento para celebrar a devolução de R$ 139 milhões desviados da estatal e recuperados pela Operação Lava-Jato.

Para o juiz Sérgio Moro, a detenção do ex-presidente da Petrobras pode “jogar melhor luz sobre o mundo de sombras que encobre sua atividade”. O juiz decretou a prisão temporária de Bendine pelo prazo de cinco dias, medida que pode ser prorrogada ou até convertida em regime de prisão preventiva, quando não tem prazo para terminar.

“Mesmo no curto prazo da temporária, será difícil o exame completo do material pela Polícia Federal, mas é possível que verificações sumárias, aliadas aos depoimentos dos investigados, joguem melhor luz sobre o mundo de sombras que encobre a sua atividade”, assinalou o juiz. A prisão foi decretada porque os investigadores descobriram que o executivo viajaria hoje para Lisboa, em tese, com passagem apenas de ida.

Fuga

O temor é de que ele fugisse do país, já que também tem cidadania italiana. “Caso se refugie no exterior, haverá dificuldade para eventual extradição”, advertiu o magistrado. Além de “Cobra”, foram presos os irmãos Antonio Carlos e André Gustavo Vieira, apontados como “profissionais da lavagem de dinheiro” e operadores de Bendine. Foi na casa de André, no Lago Sul, que teria sido acertado o pagamento da propina de R$ 3 milhões da Odebrecht.

O relacionamento de Bendine com a Odebrecht, no entanto, é anterior. Em junho de 2014, quando ainda era presidente do Banco do Brasil, ele pediu a Marcelo Odebrecht uma propina de R$ 17 milhões, que equivalia a 1% do montante previsto em três processos de crédito que as empresas do grupo tinham junto ao banco — R$ 600 milhões para o Estaleiro Enseada Paraguaçu, € 150 milhões para financiar a aquisição da EGF (processo de privatização em Portugal) e R$ 2,9 bilhões de crédito para a Odebrecht Agro Industrial.

O executivo recusou-se a pagar a propina, alegando que o empréstimo era legal e que não haveria brechas para que a operação fosse cancelada. Em fevereiro de 2015, às vésperas de assumir a presidência da estatal, Bendine voltou a procurar o empreiteiro e diminui a proposta de propina, fechando o valor em R$ 3 milhões. Em seu depoimento aos investigadores, Marcelo Odebrecht declarou que, na conversa que teve com Bendine na casa de André, foram discutidas as dificuldades impostas pela Lava-Jato. E o presidente da estatal se apresentava como alguém capaz de gerenciar os problemas.

“Ele se colocava sempre como a pessoa que o governo tinha escolhido para interagir com as empresas, para resolver esses problemas”, disse o empreiteiro. “Aí, eu saí da reunião e falei: Olha, Fernando (Fernando Reis, ex-presidente da Odebrecht Ambiental), eu acho que, a essa altura, a coisa mudou de figura. O cara é nomeado por ela (Dilma Rousseff), recém-eleita presidente, na Petrobras, a gente cheio de problemas na Petrobras, Lava- Jato. Vamos fazer o seguinte, administra com o André o pagamento. Eu não acho que a gente vai pagar 17, mas vamos administrando”, combinou Marcelo. Bendine chegou por volta das 13h40 de ontem à carceragem da Polícia Federal em Curitiba, após uma viagem de carro desde Sorocaba, escoltado por agentes da Polícia Federal.

Na mira do MP

Confira as acusações contra o ex-presidente da Petrobras e do Banco do Brasil:

 

» Na época em que ainda era presidente do Banco do Brasil, Bendine pediu uma propina de R$ 17 milhões para viabilizar um empréstimo que a empreiteira tinha com o banco. Esse pedido ocorreu em junho de 2014.

» Seis meses depois, a empreiteira recusou-se a pagar a propina, que equivalia a 1% do montante do empréstimo: R$ 600 milhões para o Estaleiro Enseada Paraguaçu, 150 milhões de euros para financiar a aquisição da EGF (processo de privatização em Portugal) e R$ 2,9 bilhões de crédito para a Odebrecht Agro Industrial.

» Em fevereiro de 2015, na véspera de assumir o comando da Petrobras com a missão de estancar a corrupção na estatal e a ela dar um novo modelo de governança, Bendine voltou à carga e exigiu os R$ 3 milhões. Repetiu o pedido quando já presidia a Petrobras.

» As três parcelas de R$ 1 milhão, cada uma, em dinheiro vivo foram pagas pelo Setor de Operações Estruturadas, o famoso departamento de propinas da empreiteira. A investigação mostra que as entregas foram realizadas nos dias 17 e 24 de junho e em 1º de julho de 2015.

» Marcelo Odebrecht foi preso no dia 19 de junho — ou seja, duas parcelas de R$ 1 milhão foram entregues a Bendine mesmo após a Lava-Jato pegar o empreiteiro.